A dois meses das eleições municipais, o desembargador Silmar Fernandes, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), se prepara para o ciclo de julgamentos dos registros de candidatura. O prazo é curto para analisar a situação de todos os candidatos a tempo do primeiro turno. Em 2020, foram mais de 90 mil candidaturas às prefeituras e Câmaras Municipais. São Paulo tem 645 cidades e é o maior colégio eleitoral do País, com 34 milhões de eleitores. “São 645 municípios. Isso quer dizer 645 eleições diferentes”, afirma o desembargador em entrevista ao Estadão.
Nesta etapa, a Justiça Eleitoral verifica se aqueles que querem entrar no páreo preenchem os requisitos da Lei da Ficha Limpa. Em paralelo, os tribunais eleitorais se veem às voltas com o volume de ações por propaganda irregular, que escala conforme a eleição se aproxima. A logística dos turnos de votação se soma à lista de atribuições, o que inclui treinamento de mesários, teste de integridade das urnas e organização dos locais de votação.
Como a tarefa é executada a cada dois anos, na avaliação do desembargador, não há mistério. A atenção está voltada ao ambiente virtual. A disseminação de fake news e o uso de inteligência artificial estão entre as prioridades da Justiça Eleitoral. O comando partiu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que editou resoluções, sistematizadas pela ministra Cármen Lúcia, presidente da corte, para tentar fazer frente às notícias falsas.
Silmar Fernandes se reuniu recentemente com representantes de big techs, como Meta e TikTok, e afirma que as plataformas demonstraram “boa vontade” em colaborar com a Justiça Eleitoral. As reuniões, segundo ele, estão ajudando a “aparar arestas e acertar detalhes”. “A maior dificuldade é saber identificar o que é um conteúdo produzido por inteligência artificial”, avalia.
Assim como outros tribunais regionais eleitorais, o TRE de São Paulo vai centralizar as iniciativas de combate à desinformação em um comitê especial, que está em formação. O desembargador garante que as autoridades têm instrumentos para chegar aos autores das fake news. “A internet não é uma terra sem lei. Muita gente pensa que ficará escondida no anonimato do computador. Dá para rastrear, ainda que demore.”
Leia a entrevista completa:
Para onde o TRE de São Paulo está olhando agora?
Neste momento, o registro de candidatura. É isso que vai começar a dar o movimento. Aí dia 15 encerra o prazo. Depois começa o processo de deferimento ou indeferimento e os eventuais recursos. Propaganda nós já estamos julgando. São 645 municípios em São Paulo. Isso quer dizer 645 eleições diferentes. Nós vamos movimentar 500 mil pessoas nas eleições, entre mesários e funcionários.
As batalhas judiciais que os candidatos vêm travando começam cada vez mais cedo. Percebe uma escalada da judicialização das campanhas?
O volume é grande. Em ano de eleição, isso é mais ou menos previsível. Mas a ideia da Justiça Eleitoral é tentar não intervir muito, não cercear a liberdade de manifestação, salvo em casos de propaganda irregular e ofensas.
O senhor se reuniu recentemente com representantes de plataformas como TikTok e Meta. Elas se mostraram colaborativas?
Senti que estão com muito boa vontade.
A regulamentação do TSE sobre o uso de inteligência artificial na campanha parece suficiente?
A resolução está muito bem feita. Logo que ela saiu as plataformas ficaram receosas de como cumprir. Mas as reuniões que estamos fazendo com os representantes estão servindo para aparar arestas e acertar os detalhes. A maior dificuldade é saber identificar o que é um conteúdo produzido por inteligência artificial.
Como o TRE em São Paulo vai agir para fazer frente à velocidade e ao volume de notícias falsas na campanha?
Nós vamos ter um comitê para combater desinformação, que ainda está em formação. Será composto por representantes do departamento de comunicação, diretoria-geral e secretaria de informática.
Dá para chegar aos autores das fake news?
A internet não é uma terra sem lei. Muita gente pensa que ficará escondida no anonimato do computador. Dá para rastrear, ainda que demore. O ministro Alexandre de Moraes sempre disse que o que não se faz no mundo real, não se pode fazer no mundo virtual.
A Justiça Eleitoral e o sistema de votação sofreram ataques massivos nas eleições de 2022. Naquele ano, o Datafolha divulgou uma pesquisa que apontou que 20% da população não confia nas urnas. Como fazer para melhorar essa percepção de segurança?
Houve uma polarização na última eleição. A urna eletrônica tem várias camadas de segurança. Desde 1996, não houve um caso comprovado de fraude. Nossa grande confiança na urna é o resultado imediato. Nas eleições municipais, em cidades pequenas e médias, os candidatos sequer esperam a totalização dos votos, porque em cada zona eleitoral tem um fiscal do partido. Eles têm acesso ao QR Code do próprio boletim de urna e já fazem a soma. É aquilo que está se pedindo na Venezuela. Até hoje não divulgaram as atas. Temos também um programa permanente na Escola Judiciária Eleitoral Paulista para explicar nas escolas como funciona a eleição e a urna.
Institutos de pesquisa também sofreram uma reação dura após divergências nos resultados em 2022. Na avaliação do senhor, isso tende a ficar para trás?
Eu acho que sim. A pesquisa eleitoral válida precisa ser registrada no TSE e seguir os critérios científicos.
Na capital paulista, há um componente de nacionalização da disputa, em um contexto político de polarização, que em eleições recentes gerou episódios de violência. Essa é uma preocupação?
Segurança não nos preocupa. A Polícia Militar é nossa parceira. E nós não temos tradição de ser um Estado beligerante nas eleições. Tanto que um orgulho que nós paulistas temos é que nós nunca pedimos reforço da Força Nacional nas eleições.
Um problema recorrente nas eleições é a compra de votos e o abuso de poder, seja ele econômico ou político, para influenciar indevidamente o voto do eleitor. Em ciclos eleitorais recentes, igrejas e líderes religiosos fizeram campanhas. Como a Justiça Eleitoral fiscaliza isso?
A beleza da nossa democracia é que todos podem ser candidatos, seguindo as regras de elegibilidade. Policiais, pastores... Se o pastor pedir votos, quem se sentir prejudicado pode entrar com representação. Havendo abuso do poder econômico, até do poder religioso, o candidato, mesmo que eleito, pode ter o diploma cassado.
Até aqui, houve uma dificuldade de fazer cumprir a cota de gênero. A Justiça Eleitoral será firme na fiscalização?
O próprio TSE já começou dando o exemplo. Até para efeito didático, o tribunal começou a cassar Drapes (Demonstrativos de Regularidade das Ações Partidárias) por conta da fraude da cota de gênero. É uma posição que está replicada por todos os TREs. Eu acredito que a cota veio para ficar. É importante a participação feminina. Muitos falam: “30% não é muito?” Não. No México a lei obriga 50%. A cota tem que existir. Mas a conscientização precisa melhorar, de que a candidata tem que entrar para fazer campanha, com o objetivo de ser eleita, e não apenas para fazer tabela. Além disso, na minha opinião, o Congresso deveria se reunir, já que estão debatendo a reforma eleitoral, e na reforma deveria constar a responsabilidade do dirigente partidário, que é quem capta as candidaturas laranjas e hoje não sofre nenhuma penalidade.
Recentemente, o presidente licenciado do PROS foi preso por suspeita de desviar R$ 36 milhões dos fundos eleitoral e partidário. O caso chegou às autoridades porque havia um racha no partido e rivais denunciaram as supostas irregularidades. Como melhorar a fiscalização dos partidos? Os mecanismos existentes são suficientes?
Sempre tem como melhorar. Mas nós fiscalizamos bem isso. Os partidos apresentam contas anuais. Se eles maquiam a conta, uma hora é descoberto. Minha avó dizia: “Não tem mentira que sempre dure. Mentira tem perna curta.” Uma hora acaba aparecendo. Nós não agimos de ofício. Nós temos que ter instrumentos que nos deem caminhos para punir e adotar a providência necessária. Uma das coisas que estão cogitando na reforma eleitoral é tirar a fiscalização das contas da Justiça Eleitoral, o que esvazia um pouco a nossa atividade.