O desembargador Carlos Muta, presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), em São Paulo, criticou a PEC do corte de gastos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que, entre outras medidas, prevê acabar com salários acima do teto no funcionalismo público. O magistrado afirmou que o momento é “particularmente difícil” e classificou a proposta como um “atentado constitucional ao sistema de Justiça”.
O presidente do TRF3 declarou que, se a proposta for aprovada, 32 dos 54 desembargadores do tribunal podem antecipar suas aposentadorias, “gerando uma crise sem precedentes”. O TRF3 é o maior tribunal federal do País, com jurisdição em São Paulo e Mato Grosso do Sul.
“Serão centenas de milhares, para não falar milhões, de processos que podem sofrer atraso”, afirmou Carlos Muta na sexta, 13, no discurso que fez na cerimônia de posse dos juízes Marcus Orione e Ana Iucker, promovidos a desembargadores federais.
O desembargador afirmou ainda que o Poder Judiciário não contribuiu para a “dramática crise fiscal” do País. Em 2023, o Judiciário brasileiro custou R$ 132,8 bilhões, o que representou 1,2% do PIB daquele ano, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Carlos Muta defendeu que o Poder Judiciário vem perdendo quadros qualificados por falta de “carreiras atrativas” e pela imposição de “metas exaustivas de produtividade e eficiência”. Ele negou que as críticas à PEC do corte de gastos sejam uma questão “corporativa”.
“O que se avista é ingrediente carburante a corroer as bases do sistema de proteção da nacionalidade, cidadania e dignidade de milhões de brasileiros”, disse o desembargador.
O presidente do TRF3 afirmou que, se o texto for aprovado, causará “forte contenção da autonomia e da capacidade funcional e estrutural do Poder Judiciário”.
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O desembargador Nino Toldo, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), também fez críticas à PEC em seu discurso. O magistrado conclamou o TRF3 e seus membros a participarem de um “movimento de resistência” ao texto.
“Os servidores públicos, especialmente os magistrados e, particularmente, os federais, não são os responsáveis pelas mazelas fiscais do Brasil”, disparou.
Toldo disse que a PEC causou “indignação” e “apreensão” entre os magistrados e defendeu alternativas para o ajuste fiscal.
“É preciso que haja sensibilidade da nossa classe política para que não se concretizem injustiças. A revisão de renúncias fiscais dadas a certos setores da economia, por exemplo, é alternativa ao sacrifício de direitos dos servidores públicos, especialmente da magistratura”, defendeu.
A Constituição limita o subsídio do funcionalismo público ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o que hoje corresponde a R$ 44 mil, mas magistrados recebem auxílios que não entram no cálculo. A proposta do governo é manter os contracheques dentro do teto.
Verbas indenizatórias (como auxílios para transporte, alimentação, moradia e saúde) e vantagens eventuais (como 13º salário, reembolso por férias atrasadas e eventuais serviços extraordinários prestados) são contados fora do teto, abrindo caminho para os chamados “supersalários”.
Outro fator que infla os contracheques é a venda de férias. Magistrados têm direito a 60 dias de descanso remunerado por ano - fora o recesso de fim de ano e feriados. É comum que eles usem apenas 30 dias, sob argumento de excesso e acúmulo de ações. Mais tarde passam a receber esse “estoque”, a título de indenização de férias não gozadas a seu tempo.
Desde que a PEC foi proposta, juízes em todo o País se manifestaram com veemência ante a possibilidade de perderem vantagens históricas e benefícios que em vários Estados fazem holerites de desembargadores chegarem a até R$ 140 mil mensais.