A Polícia Federal usou citações à primeira-dama de João Pessoa Maria Lauremília Lucena em diálogos de investigados por coação eleitoral para pedir a prisão preventiva da mulher do prefeito Cícero Lucena (PP). Durante as investigações sobre o apoio da facção criminosa Nova Okaida em troca de cargos no município, os investigadores encontraram mensagem que avaliam reveladora. “Estive com Lauremília quinta-feira. O seu vai sair próximo mês. Tiveram que tirar de uns para colocar em outros.”
O recado foi enviado por Pollyanna Monteiro, mulher de Kenny Rogeus (apontado como traficante). Pollyana é investigada por supostamente coagir moradores do bairro São José a votarem nos candidatos escolhidos pela facção.
Ela garantiu a seu interlocutor que o salário seria depositado pelo município já que o assunto tinha sido tratado pessoalmente com Maria Lauremília, diz a PF.
A reportagem do Estadão busca contato com a defesa de Maria Lauremília e dos outros citados. O espaço está aberto.
Os detalhes sobre a conduta de Lauremília constam da representação que levou à sua prisão no sábado, 28. Na ocasião, também foi presa a secretária pessoal da primeira-dama da capital paraibana, Tereza Cristina Barbosa Albuquerque. Elas são os alvos principais da mais recente fase da Operação Território Livre, que investiga o aliciamento violento de eleitores e a infiltração de organizações criminosas nas eleições municipais.
Os advogados de Lauremília já pediram sua liberdade. O pedido está prestes a ser analisado pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba.
A etapa da investigação que pegou a primeira-dama de João Pessoa teve como base informações colhidas anteriormente, quando foi detida a vereadora Raissa Lacerda - ela renunciou ao cargo. A PF diz que já havia nos autos elementos de convicção de faccionados exigindo cargos públicos a pessoas ligadas à administração pública. Segundo os investigadores, foram encontradas novas provas.
A PF destaca uma conversa entre Raissa e Tereza, com “pedido explícito para que haja a substituição de uma nomeação por outra, que a esposa seja contratada no lugar do marido, já que este teria sido preso”.
Os dois citados pela vereadora têm passagens pelo sistema penitenciário: ele por tráfico de drogas, roubo e homicídio; ela por tráfico de drogas.
O homem é faccionado da Nova Okaida e tinha vínculo com a prefeitura até janeiro, quando foi preso. Naquele mês, Raissa pediu que ele fosse substituído pela mulher, também da facção. No entanto, segundo a PF, Raissa não conseguiu a substituição junto a Tereza Cristina e levou o assunto até a mulher do prefeito Cícero Lucena.
Segundo a PF, as contratações indicadas pela facção foram realizadas, sem dissimulação quanto ao motivo - a substituição ante a prisão do antigo contratado.
“A esposa de um traficante, com grande ingerência no sistema eleitoral exige que seus filhos sejam contratados e tem sucesso quanto à exigência. A participação de Maria Lauremília, nessa fase do crime, é incontestável. Os pleitos são levados diretamente a ela, sem dissimulação quanto ao motivo”, sustentou a corporação ao pedir a prisão de Lauremília.
Ainda de acordo com os investigadores, apesar de Lauremília não interferir no pleito, tem “interesse no apoio da facção criminosa para a campanha de seu marido”.
“Lauremília Lucena participa diretamente da contratação das pessoas indicadas pelo crime. Como interesse tem o apoio prestado à campanha de seu marido. Apoio esse manifestado pelo gerente da Nova Okaida em Alto de Mateus em vídeo”, frisa a PF.
Os investigadores resgataram áudio de Kaline (suposta interlocutora da façcão) e Raissa. “Não, aquela história foi totalmente inventada dos pés à cabeça, é que Lauremília ficou sabendo. Não, Lauremília o que ela passou foi que cada um fechasse o que quisesse com a proporcional desde que tivesse na base, e que ela não tava nem aí para fechamento, ela não se envolvia.”
Os investigadores indicam ainda que o controle territorial e atritos dele decorrentes é tratado diretamente com Lauremília. À Justiça, a PF destacou um diálogo de Kaline e Raissa sobre suposto acordo com o traficante David para proibição da entrada de outra representação política no bairro.
O controle sobre as comunidades foi tema de reunião entre Raissa e Lauremília, diz ainda a representação dos investigadores. Todos os diálogos foram citados como “elementos de informação quanto ao loteamento do quadro do funcionalismo público para atender a acordos espúrios com o crime organizado”.
Segundo a PF, as conversas sobre contratação de pessoal, com envio de currículos, são extensas. “Não há qualquer modéstia em ser apontado por Raissa que aquelas vagas são suas. O controle de Lauremília sobre as contratações é reiterado por todos os interlocutores”, observa a representação.
O documento dá ênfase à contratação dos dois filhos de Pollyanna, inclusive, com data limite imposta pelo traficante Kenny, vulgo ‘Poeta’.
Nesse contexto, a PF pediu a prisão de Lauremília e de Tereza para “garantia da ordem pública”. “Ao cabo, o acordo ilícito favorece aos interesses das nacionais ora apontadas. De outra forma, sem suas participações, o acordo não poderia ser cumprido, já que são responsáveis pelas nomeações”, afirma a corporação.
Apoio de facção ‘não é de graça’, diz a PF
Os investigadores apuram quais as ligações da facção criminosa que restringe o acesso de outros candidatos aos territórios controlados. A investigação aponta que, “durante o período eleitoral a facção exerce o poder fazendo a balança pender a favor de seu candidato, depois de eleito o candidato garante que as pessoas indicadas pela facção sejam contratadas pelo município”.
A PF cita suspeitas que recaem sobre agentes ligados à administração pública: Kaline e Taciana, “interlocutoras principais com a liderança criminosa”; Raissa, “a beneficiária direta, coordena e gerencia os acordos firmados”; Pollyana “representa o poder de mando de seu marido”; Lauremília e Tereza Cristina “são responsáveis pelas nomeações, em contrapartida ao apoio recebido da facção”.
Segundo a PF, a facção e os políticos têm “vantagens mútuas e retroalimentadas”. “O crime organizado presta o apoio em troca de indicação para cargo público. Os demais atores são beneficiados pelos votos e pelo controle de território, seja nas eleições proporcionais, seja nas eleições majoritárias”, segue a PF.
Os investigadores ressaltam que Raissa indicava os nomes para cargos públicos à Lauremília. As nomeações eram realizadas observando o caráter de “excepcional interesse público”. A PF cita ainda indícios de um suposto esquema de “rachadinha” envolvendo as nomeações.