Matéria atualizada às 22h20 do dia 20 de novembro de 2019 para incluir posicionamento do advogado Carlos Augusto Ribeiro, responsável pela defesa de Maria Bernadete Miguez.
O Ministério Público Federal em Santa Catarina ajuizou nesta segunda feira, 18, a segunda denúncia no âmbito da Operação Ouvidos Moucos, que envolve desvio de recursos públicos. A nova acusação tem mais de 30 páginas e aponta despesas referentes à locação de veículos com motorista pagas via Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu), ligada à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
UFSC. Foto: Google Maps/Reprodução
As informações foram divulgadas pela Procuradoria.
A Ouvidos Moucos foi deflagrada em setembro de 2017 e levou à prisão, na época, sete investigados, inclusive o então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, por suspeita de tentar prejudicar as apurações. Todos foram soltos em seguida. Dias depois, Cancellier se suicidou em Florianópolis.
De acordo com a primeira denúncia, foram identificadas duas organizações criminosas distintas, a partir do relatório final do inquérito da Polícia Federal.
A primeira se refere a ilícitos criminais no pagamento de bolsas e custeio dos cursos a distância vinculados ao curso de Administração da Universidade.
Nessa segunda denúncia, são citados Murilo da Costa Silva, Aurélio Justino Cordeiro, Maria Bernadete dos Santos Miguez, Lúcia Beatriz Fernandes, Márcio Santos, Sônia Maria Silva Corrêa de Souza Cruz e Luciano Acácio Bento.
Eles respondem por organização criminosa, fraude em licitação, falsidade ideológica, peculato e falsidade ideológica e uso de documento falso.
A apuração
A apuração no Ministério Público Federal começou em 30 de janeiro de 2014 a partir de representação anônima relatando supostas irregularidades na aplicação de recursos federais recebidos pela Universidade Federal de Santa Catarina referentes ao Ensino a Distância (EaD), ligado ao curso de licenciatura em Física.
A representação foi remetida à Controladoria Geral da União (CGU) em Santa Catarina. Por meio do Relatório de Demandas Externas nº 201407738 foi apurado desvio de verba pública federal no âmbito do programa de educação a distância no sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), inicialmente no curso de Física, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu).
Com base nas constatações da CGU, o Ministério Público Federal encaminhou o Procedimento Investigatório à Polícia Federal, que instaurou o Inquérito Policial nº 5018469-32.2016.4.04.7200 para investigação inicial do crime de peculato e outros.
"As investigações se expandiram e revelaram um esquema criminoso muito mais amplo e arraigado na UFSC", afirma a Procuradoria.
O Ministério Público Federal indica 'vulnerabilidades nos controles de verbas do EaD, aproveitadas por outros cursos além do de licenciatura em Física, notadamente no de Ciências da Administração, que concentrava o maior volume de recursos disponíveis para o programa'.
Além da Controladoria, o Tribunal de Contas da União constatou paralelamente que o programa UAB da Universidade 'era parcialmente executado por fundações de apoio e com baixa transparência na realização das despesas'.
Segundo a Procuradoria, os valores aplicados pelas Fundações de Apoio não podem ser identificados por intermédio do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). "As prestações de contas disponibilizadas por essas fundações em seus sítios eletrônicos não demonstram a destinação integral dos recursos geridos."
O objeto de investigação do TCU foi o contrato 164/2014, tratado como Projeto 178/2014 na Fapeu, que teve como objetivo a prestação de serviços de apoio administrativo e financeiro para a execução de despesas de custeio do EaD nos cursos de Física, Matemática, Biologia, Letras Espanhol e Núcleo UAB (recursos de custeio).
Organização Criminosa da segunda denúncia
Segundo a Procuradoria, constatou-se no EaD de Física da Universidade Federal de Santa Catarina a ocorrência, via Fapeu, de várias contratações simuladas de locação de veículo com motorista, direcionadas para as empresas S.A. Tour Viagens e Turismo e AJC Turismo, 'sendo praticados preços superfaturados pela organização composta pelos professores da UFSC Márcio Santos e Sônia Maria Silva Correa de Souza Cruz, pela secretária de EaD do Curso de Física, Lúcia Beatriz Fernandes, pela funcionária da Fapeu, Maria Bernadete dos Santos Miguez, e pelos empresários Murilo da Costa Silva, sócio-administrador da empresa S.A. Tour Viagens e Turismo Ltda. e Aurélio Justino Cordeiro, proprietário da AJC Agência de Viagens e Turismo Eireli ME'.
A Procuradoria afirma. "A atividade ilícita do grupo baseava-se, em síntese, na contratação direta com superfaturamento de valores e simulação de pesquisa de preços para compor os processos de locação de veículos com motoristas no setor de compras da Fapeu, sendo elaborados orçamentos 'cobertura' com valores previamente combinados entre algumas empresas para direcionar a contratação, ora em benefício da S.A. Tour ora para a AJC."
Segundo a denúncia, 'algumas contratações eram realizadas sem cotação de preços e em muitas ocasiões os direcionamentos para uma dessas empresas partiram da Coordenação do Curso de EaD de Física - Ead/CFM/UFSC'.
"Outro esquema engendrado por Murilo da Costa Silva e Aurélio Justino Cordeiro consistia no 'empréstimo' do CNPJ da S.A. Tour em processos de compra em que a AJC deveria ser a contratada pela Fapeu mas estava impedida de receber pagamentos por ter restrições cadastrais internas (certidões negativas fiscais) perante a Fundação", destaca o Ministério Público Federal.
Segundo a acusação, Murilo 'produzia os orçamentos combinados e os encaminhava para a Fapeu ou para Aurélio Justino Cordeiro, recebia o pagamento da Fundação e, depois, o repassava à empresa AJC Turismo, com desconto de sua comissão pelo empréstimo do CNPJ'.
Os crimes cometidos por essa organização criminosa, segundo a denúncia do MPF:
1. Fraude a Licitação - art. 89, caput e parágrafo único e art. 90, ambos da Lei nº 8.666/93 - Combinações de orçamentos e simulações de cotações de preços.
Constatou-se por amostragens que nos exercícios de 2010/2011 e 2013/2014 em 49 ofícios da Coordenação do Curso de EaD de Física dirigidos à Fapeu foi solicitada sem licitação a contratação de serviços terceirizados de locação de veículos para supostamente atender deslocamentos relacionados ao Projeto nº 371/2008, muitas delas sem cotação de preços ou contendo orçamentos apresentados com ilicitudes. Além de serem comprovadamente combinados, vários deles tinham grafia e formatos semelhantes, apesar de fornecidos por empresas diferentes, com o objetivo de simular uma cotação de preços que justificasse a constância das contratações direcionadas da empresa S.A. Tour Viagens e Turismo, de propriedade de Murilo da Costa Silva, com a participação de Aurélio Justino Cordeiro, proprietário da AJC Agência de Viagens e Turismo.
Posteriormente, por meio de buscas e apreensões realizadas em ações da Operação Ouvidos Moucos, comprovou-se que a combinação de orçamentos nas locações de veículos se estendia para outros projetos de EaD além do de nº 371/2008, sob responsabilidade da Fapeu, e nos quais as empresas S.A. Tour e AJC eram quase sempre as contratadas pela Fundação que, ao invés de pesquisar o melhor preço, solicitava orçamentos "cobertura" aos próprios fornecedores ou as contratava diretamente sem cotação de preços, por solicitação da Coordenadoria do Curso de EaD de Física. Assim era viabilizado o conluio e, consequentemente, o direcionamento e o pagamento de preços mais altos do que os praticados no mercado.
Denunciados: Maria Bernadete dos Santos Miguez, Lúcia Beatriz Fernandes, Márcio Santos, Sônia Maria Silva Corrêa de Souza Cruz, Murilo da Costa Silva e Aurélio Justino Cordeiro.
Período: de 2008 a 2017
2. Falsidade Ideológica - art. 299 do Código Penal - Simulação de contratações - empréstimo CNPJ
O segundo esquema engendrado por Murilo da Costa Silva e Aurélio Justino Cordeiro consistia no "empréstimo" do CNPJ da S.A. Tour em processos de compra em que a AJC deveria ser a contratada pela Fapeu, mas estava impedida de receber os pagamentos por força de restrições cadastrais internas perante a Fapeu, referentes a certidões negativas fiscais. Nesse esquema, ao emprestar o CNPJ, a empresa de Murilo recebia uma comissão por contrato firmado, retendo as quantias previamente combinadas sobre os valores que deveria repassar à empresa de Aurélio depois dos pagamentos da Fapeu.
Nesse esquema o papel de Murilo da Costa Silva consistia em produzir os orçamentos combinados, encaminhá-los para a Fapeu ou para Aurélio Justino Cordeiro, receber o pagamento e depois repassar a AJC os valores recebidos da fundação, descontando a comissão estabelecida entre ele e Aurélio.
Denunciados: Murilo da Costa Silva e Aurélio Justino Cordeiro
3. Peculato - art. 312, caput e §1º do Código Penal - Superfaturamento na locação de veículos - valor R$ 43.201,53
O Relatório de Fiscalização pós-operação realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), processo nº 023.418/2017-6, com base na relação de Termos de Execução Descentralizada firmados pela UFSC e disponibilizada pela Capes, selecionou amostra não estatística (por execução profissional) e optou por analisar toda a execução do Contrato 164/2014, firmado entre a UFSC e a Fapeu, considerando a materialidade dos recursos envolvidos e os respectivos prazos de execução, no intuito de serem objeto da aplicação dos procedimentos de auditoria tendentes a verificar, entre outras questões relevantes, a conformidade da aplicação dos recursos orçamentários descentralizados, sob a ótica da regularidade das despesas e das contratações efetivadas.
Com base nisso, no referido relatório o TCU constatou o superfaturamento na locação de veículos com motorista totalizando o valor de R$ 43.201,53, correspondente a 55,85% dos pagamentos realizados nas contratações para visitas aos polos de Ead/UAB entre março/2015 e setembro/2017 no montante de R$ 120.555,00. Para calcular o superfaturamento foi utilizado como base, de forma conservadora, os preços efetivamente pagos à empresa Attitude nas locações realizadas no âmbito do Contrato 164/2014, que representava metade dos valores anteriormente cobrados pelas empresas AJC e S.A. Tour, para prestar idêntico serviço. Nos processos de pagamentos extrai-se como causa principal do superfaturamento identificado a ausência de pesquisas de preços, tendo em vista que nos processos de seleção das empresas, no âmbito da Fapeu, eram "montados".
Denunciados: Maria Bernadete dos Santos Miguez, Lucia Beatriz Fernandes, Márcio Santos, Sônia Maria Silva Corrêa de Souza Cruz, Murilo da Costa Silva e Aurélio Justino Cordeiro
Período: de 2008 a 2017
4. Falsidade Ideológica e Uso de Documento Falso - arts. 299 e 304 do Código Penal
Conforme demostrado nos itens anteriores, restou comprovado a elaboração de orçamentos "cobertura" com preços previamente combinados, simulando pesquisa de preços com a finalidade de compor o processo de cotação de preços nas locações de veículos com motorista no setor de compras da Fapeu, ora para direcionar a contratação da SA Tour, de Murilo da Costa Silva, ora para direcionar a contratação para a AJC, de Aurélio Justino Cordeiro, sendo inserido em documentos utilizados nos processos de contratações das locações, declaração falsa para alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Luciano Acácio Bento, embora não participante da organização criminosa, contribuiu com as fraudes perpetradas nas contratações de locações com veículos perante a Fapeu ao encaminhar orçamentos e notas fiscais simulados de sua empresa Arroba Turismo, preenchidos por Aurélio Justino Cordeiro. Referido fato restou comprovado ao constatar-se ser a mesma grafia também encontrada em notas fiscais das empresas Ilha dos Açores e AJC Turismo.
Denunciados: Murilo da Costa Silva, Aurélio Justino Cordeiro, Maria Bernadete dos Santos Miguez, Lúcia Beatriz Fernandes e Luciano Acácio Bento
Período: de 2008 a 2017
COM A PALAVRA, A UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
A reportagem fez contato com a UFSC. O espaço está aberto para manifestação.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO CARLOS AUGUSTO RIBEIRO
Por meio de nota, o advogado Carlos Augusto Ribeiro, que faz a defesa de Maria Bernadete Miguez, esclarece. "Apesar da denúncia ofertada pelo MPF, se percebe que a acusação baseia suas conclusões, sem o filtro necessário, nas percepções promovidas pela autoridade policial que presidia a investigação, cujo indiciamento foi entregue há mais de 1 (um) ano, sendo, no mínimo curioso, que até aquele momento não se tinha suporte para a denúncia e, agora, mesmo sem nenhuma nova prova, meses depois da primeira denúncia da operação, se denuncia a minha cliente. Desde o início, em um confronto técnico, é claro que os crimes imputados a minha cliente não estão configurados e provaremos judicialmente a sua inocência, acreditando na Justiça Federal Catarinense."
COM A PALAVRA, A DEFESA DOS DEMAIS DENUNCIADOS
A reportagem busca contato com a defesa dos sete citados na nova denúncia do Ministério Público Federal na Operação Ouvidos Moucos. O espaço está aberto (pedro.prata@estadao.com e pepita.ortega@estadao.com)