A Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal não homologou o acordo de leniência firmado entre autoridades brasileiras, Petrobrás, SBM Offshore e SBM Holding. O acordo envolveu, além da Procuradoria da República, no Rio de Janeiro, o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle e a Advocacia-Geral da União (AGU). A decisão foi tomada em sessão colegiada nesta quinta-feira, 1.
O acordo de leniência, firmado em 15 de julho deste ano, estipulava o fim das investigações de pagamento de vantagens indevidas pela SBM a empregados da empresa petrolífera, que poderiam resultar em ações civis públicas de improbidade administrativa. Previa, ainda, o pagamento de US$ 162,8 milhões e compensação de US$ 179 milhões a Petrobrás; US$ 6,8 milhões ao Ministério Público Federal e US$ 6,8 milhões ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Por unanimidade, o colegiado entendeu que o documento apresenta 'defeitos' que impossibilitam a homologação do acordo. A Câmara de Coordenação e Revisão decidiu devolver os autos ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro para que faça 'a correção dos problemas apontados ou, alternativamente, dê prosseguimento à investigação'.
Na visão dos subprocuradores-gerais da República que analisaram o caso, uma das falhas do acordo de leniência é a ausência de informações e elementos que possam contribuir para a investigação dos atos de improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal. Para os integrantes do órgão colegiado, não houve razoabilidade e proporcionalidade entre as renúncias e as vantagens concedidas à SBM.
Também por unanimidade, os membros da Câmara entenderam que não há previsão legal para a destinação de recursos a órgãos públicos em acordos de leniência.
"A efetivação da destinação de recursos depende de lei e, na sua ausência, não deve ser aceita. A medida tem como efeito colateral positivo afastar o risco moral (moral hazard) das negociações e acordos", afirmou o subprocurador-geral da República Marcelo Muscogliati, coordenador da Câmara de Combate à Corrupção.
Participaram da sessão o coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do MPF, subprocurador-geral da República Marcelo Muscogliati, e as subprocuradoras-gerais da República Mônica Nicida Garcia (relatora) e Maria Hilda Marsiaj Pinto, membros titulares do órgão, além das representantes da AGU Camilla Araújo Soares da Silva e Annalina Cavicchiolo Trigo.
As Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF são órgãos colegiados previstos na Lei Complementar 75/93 e que têm, entre suas atribuições, analisar as promoções de arquivamento feitas por membros do MPF na área temática em que atuam.
OS 'DEFEITOS' DO ACORDO DE LENIÊNCIA, SEGUNDO A RELATORA DO PROCEDIMENTO NA CÂMARA DE COMBATE À CORRUPÇÃO, SUBPROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA MONICA NICIDA
a) não aponta quais os dados, documentos, informações e outros elementos que contribuirão para a investigação dos atos de improbidade administrativa objeto do inquérito civil e dos demais ilícitos cuja apuração o Ministério Público tem legitimidade para conduzir;
b) não demonstra a razoabilidade e a proporcionalidade entre, de um lado:
- as renúncias feitas pelo Ministério Público Federal: no mínimo a aplicação das sanções da Lei de Improbidade, a possibilidade de apuração de irregularidades e prejuízos relacionados aos contratos, e o ressarcimento integral do dano;
- as vantagens que se concordou em receber da SBM e demais empresas: pagamento de multa civil, redução dos bônus de performance e disponibilização de uma base de dados cujo conteúdo é desconhecido; e, de outro lado,
- as vantagens auferidas pela SBM: isenção quanto a investigação sobre irregularidades de contratos milionários que já são objeto de denúncia criminal; não sujeição às graves penalidades previstas nas Leis 8.429/92 e 8.666/93, inclusive declaração de inidoneidade e proibição de contratar com o poder público; garantia de manter seus contratos com a Petrobras, ainda que abrindo mão de parte de sua remuneração e, mais ainda, de poder continuar participando de novas licitações e celebrando novos contratos.
c) Dá quitação integral quanto aos prejuízos, sem que se tenha cabalmente afastado sua ocorrência e apurado seu montante. De se considerar, ainda, os seguintes defeitos, a serem eventual e oportunamente sanados;
d) não contém a perfeita identificação de todas as pessoas jurídicas que fazem parte do acordo;
e) não está assinado pelos advogados que, inclusive, são apontados na cláusula 13, como representantes da SBM Offshore. Nota-se ainda, a ausência, nos autos, das seguintes informações que, no contexto de negociação do acordo, são de extrema importância;
f) informações colhidas na esfera de investigação criminal, inclusive os acordos de colaboração premiada que estão referidos na promoção de arquivamento;
g) informações sobre o acordo firmado com o Openbaar Ministerie (Ministério Público Holandês), referido no "Executory Copy", Anexo I do Acordo de Leniência, item IV, já que as investigações levadas a efeitos pelas autoridades holandesas e estadunidenses envolveram, também, irregularidades nos contratos celebrados com a Petrobras, no Brasil.
COM A PALAVRA, O MINISTÉRIO DA TRANSPARÊNCIA
Nota à Imprensa - Acordo de Leniência com a SBM Offshore
Ciente da decisão unânime da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal de não homologar a decisão do Procurador que subscreveu, em nome do Ministério Público Federal, o acordo de leniência com a SBM, o Ministério da Transparência esclarece o quanto se segue.
O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle celebrou, em 15 de julho de 2016, com a SBM Offshore, o Ministério Público Federal, a Advocacia-Geral da União e a Petrobras, Acordo de Leniência sobre os fatos relacionados à atuação do principal agente da SBM no Brasil durante o período compreendido entre 1996 - 2012 e todas as investigações deles decorrentes.
Para a integral vigência do acordo, conforme previsto em cláusula específica, o Ministério Público Federal submeteu o texto à apreciação da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que, na data de hoje, se pronunciou e determinou a distribuição do acordo a outro Procurador da República para sua readequação ou prosseguimento das investigações.
O Ministério da Transparência reconhece a inequívoca competência do Ministério Público em rever os termos no acordo de leniência no âmbito de suas competências, seja com base no seu poder de investigação criminal, na Lei de Improbidade, na Lei de Organização Criminosa, na Lei da Ação Civil Pública e outros normativos jurídicos.
Na mesma linha de entendimento, o Ministério também reconhece as competências constitucionais do Tribunal de Contas da União, tendo disponibilizado total acesso aos autos, com vista ao integral acompanhamento dos procedimentos adotados. Neste momento, equipes do TCU encontram-se no MTFC realizando análise de procedimentos de Acordo de Leniência, um deles inclusive, o da SBM.
Mesmo considerando a independência de instâncias e suas respectivas competências, o Ministério esclarece e enfatiza:
o O procedimento do Acordo de Leniência por parte do MTFC observou integralmente os requisitos da Lei Anticorrupção. A SBM já disponibilizou 1 terabyte de informações, onde foi possível identificar outras pessoas envolvidas na infração. Mas essas informações somente poderão ser utilizadas se efetivado o Acordo;
o O programa de compliance da empresa foi analisado pelo MTFC e a implementação de recomendações expedidas será monitorada pelo Ministério, como exigência do cumprimento do Acordo;
o O Acordo com a SBM se restringe aos fatos e provas reconhecidos e documentados no processo de investigação. Por essa razão, não há quitação integral de eventual dano;
o Há cláusulas contratuais que preveem expressamente que a descoberta de novos fatos e documentos não abrangidos pelo Acordo implicaria numa nova investigação e eventual punição e cobrança de prejuízos causados;
o Há também cláusulas que listam os contratos que não são objetos do Acordo e que poderão ser revistos/investigados a qualquer tempo.
Portanto está claro que o Acordo de Leniência não deu quitação total do dano e que houve efetiva colaboração da SBM.
Por outro lado, a não efetivação do Acordo de Leniência acarretará o prosseguimento do processo administrativo de responsabilização no âmbito deste Ministério, que poderá resultar na declaração de inidoneidade da SBM. E, uma das consequências, conforme avaliação da própria Petrobrás, seria a rescisão dos contratos celebrados com aquela estatal.
Esse cenário levará, segundo estudo técnico aprovado pelo Conselho de Administração da Petrobrás, à perda da produção de óleo e gás na ordem de 15% entre os anos de 2016 e 2020. O prejuízo avaliado é de no mínimo US$ 12,66 bilhões, sem considerar reflexo no preço final do combustível ao consumidor, nem o impacto para a União sobre a receita tributária, em função dessa perda de produção.
Por fim, com a não aprovação do acordo, a Petrobrás deixará de receber valor superior a R$ 1 bilhão pactuados no Acordo.