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Projeto de Lei 1397/2020: coronavírus e o sistema de prevenção à insolvência


Por Alan Rogério Mincache e Adriana Federiche Mincache
Alan Rogério Mincache e Adriana Federiche Mincache. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia provocada mundialmente pelo novo coronavírus, designado de covid-19, além de provocar risco de dano concreto e sério para a saúde dos seres humanos, já tendo levado à morte milhares de pessoas, está implicando também uma "pandemia econômica" de efeitos ainda incalculáveis para a liquidez financeira das empresas de todo o mundo.

No Brasil, os Governos de todas as esferas, por conta do estado de calamidade pública existente, têm adotado medidas na área de saúde e assistência social, a fim de socorrer a população tanto do ponto de vista de dar atendimento médico eficiente aos infectados pelo vírus, como ainda para atender aqueles que vivem à margem e na informalidade econômica, fornecendo recursos mínimos para sua subsistência.

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De qualquer forma, o isolamento, seja ele horizontal ou apenas vertical, à guisa de existirem divergências entre as autoridades públicas sobre uma ou outra solução para se evitar o veloz contágio do vírus e o consequente colapso no atendimento dos doentes pelo sistema de saúde, é certo e inequívoco que se diga provocará para as empresas em geral, em proporções mais ou menos impactantes, uma grande crise de liquidez financeira, seja por estarem fechadas cumprindo o isolamento social, seja porque ainda que abertas, num sistema de isolamento vertical, terão uma demanda de público e por consequência de consumo muito menores.

Veja-se que, em um ou outro caso de modelo de isolamento, as empresas terão impactadas a sua geração de caixa, o que consequentemente oportunizará uma inadimplência acentuada de suas obrigações. Essa conclusão é de lógica praticamente absoluta e insofismável. É preciso compreender que mesmo os setores essenciais, tal como o alimentício, acabarão igualmente ao longo dessa crise de liquidez, tendo de suportar uma queda mais ou menos significativa em sua demanda, ante a reverberação econômica ocasionada pela crise financeira que já está atingindo outros setores não essenciais, mas que geram renda para aqueles que justamente precisam dos setores essenciais, e que deixarão de acessá-los em sua plenitude, reduzindo suas demandas.

Além disso, a crise econômica mais ou menos acentuada pela qual já estão passando as empresas formais e informais, provocará outro efeito, qual seja, uma onda de inadimplência das obrigações no mercado em geral, a qual acabará por determinar a sobrecarga do Poder Judiciário, que num curto espaço de tempo deverá receber centenas de milhares de novos processos, sejam eles por inadimplemento, revisionais, de recuperações judiciais e especialmente de falências, o que por via reflexa o impedirá de conseguir de maneira célere entregar às partes a justiça do caso concreto, provocando então toda sorte de insatisfação, pessoal e econômica.

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Todo esse cenário, de clara recessão econômica, de inadimplência, de insatisfação jurídica-judicial, de consequente desemprego decorrente do desaparecimento ou do encolhimento das empresas, precisa ser objeto de medidas urgentes de amparo e de intervenção do Poder Público na economia, à exemplo das medidas que já estão sendo tomadas nas áreas de saúde e assistência social. É preciso ressaltar que também as relações empresariais, seus contratos e suas obrigações desde sempre, e especialmente nesse momento delicado de calamidade, precisam ser entendidas e interpretadas como instrumentos de implementação de políticas públicas, a bem de toda a sociedade.

Feito esse introito necessário para bem se compreender o tema objeto deste artigo, então passamos na sequência, a abordar algumas soluções que estão sendo apresentadas visando a se evitar o desaparecimento de milhares de empresas e empresários, e o consequente inadimplemento de um número avassalador de obrigações, de rescisões de contratos de trabalho, bem como ainda o sufocamento do Poder Judiciário com o ajuizamento de centenas de milhares de demandas judiciais.

Contemporâneo com as medidas de isolamento propostas pelo Poder Público, o deputado federal Hugo Leal apresentou o Projeto de Lei 1397/2020, de natureza emergencial e transitória, para ter vigência até 31 de dezembro de 2020 e ou até quando durar o estado de calamidade, em que elencou diversas medidas interventivas no sentido do enfrentamento da crise de liquidez das empresas, por decorrência da situação de calamidade, com o objetivo de prevenir a insolvência empresarial e o desaparecimento de empresas viáveis.

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No dizer do juiz de Direito Daniel Carnio Costa, o PL 1397/20 cria um "faseamento" preventivo e desburocratizado antes de se buscar desde logo, o acionamento do Poder Judiciário através de demandas complexas e demoradas que acabarão por sufocá-lo, impedindo uma entrega célere da prestação jurisdicional, e ao mesmo tempo, facilitando a retomada econômica da atividade empresarial.

No referido Projeto de Lei 1397/20, objetiva-se então instituir "medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise econômico-financeira do agente econômico, seja ele pessoa natural ou jurídica que exerça ou tenha por objeto o exercício de atividade econômica em nome próprio independente de inscrição ou da natureza empresária de sua atividade".

Neste sentido, nessa exposição nosso objetivo específico é o de tratar exclusivamente do Capítulo I do PL 1397/2020, que tem como título "Sistema de Prevenção a Insolvência", deixando o Capítulo II para um outro subsequente artigo, em que trataremos com exclusividade das medidas também transitórias propostas em relação à Recuperação Judicial e Falências de empresas.

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Assim, de acordo com a disposição preambular do PL 1397/20, constante do seu artigo 1º, já se vê que não apenas as empresas formalmente constituídas, mas todos aqueles que exercem atividades econômicas, sendo ou não pessoa jurídica, inscritas ou não como empresas, farão jus aos benefícios propostos.

Nesse particular, o projeto acaba significando um grande avanço legislativo, ainda que provisório e de caráter emergencial, na medida em que abrange todas as atividades econômicas empresárias formais e informais, o que bem se coaduna com a realidade brasileira, já que segundo pesquisa do PNAD/IBGE do ano de 2019, em torno de 19 milhões de brasileiros atuam na informalidade, praticando negócios e exercendo atividades empresárias diversas, de modo que prevenir a insolvência também desse estamento, contribuirá para permitir uma melhor liquidez no mercado especialmente no subsequente processo de retomada de crescimento do mercado.

Prosseguindo-se então na análise do PL 1397/20, este propõe uma primeira fase no tratamento da crise de liquidez das atividades empresariais (art. 3º c.c. art. 4º), em que no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da vigência da lei, deverão ficar suspensas as ações judiciais, de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após a data de 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato.

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Além disso, o PL ainda prevê que na vigência da lei, ficam vedadas a realização de excussão judicial ou extrajudicial das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações, a decretação de falência, o despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato, a resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado, e a cobrança de multas de qualquer natureza.

Veja-se que, numa primeira fase todos os atos acima referidos, ficam vedados por 60 (sessenta) dias, sendo que durante esse período de suspensão o devedor e seus credores deverão buscar, de forma extrajudicial e direta, a renegociação de suas obrigações levando em consideração os impactos econômicos causados pela pandemia.

Essa possibilidade de negociação direta entre devedor e credor, sem os riscos contratuais e judiciais, significam em gap, uma lacuna que permite evitar que haja a rescisão em massa de inúmeros contratos, admitindo-se que sejam mantidos os pactos diante das circunstâncias do caso concreto de pandemia. Não se trata de uma moratória, mas de uma prorrogação baseada no dado concreto originário da falta de liquidez de caixa dos agentes econômicos, consectário de estarem com suas atividades obstadas por decorrência do isolamento social, e ou com a sua demanda reduzida por conta do isolamento vertical ou distanciamento.

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E do mesmo modo ao Poder Judiciário, está vedado agir de modo a impor soluções judiciais específicas e triviais a esses mesmos agentes econômicos, o que poderá acabar contribuindo para que os mesmos desapareçam enquanto célula produtiva da sociedade. Como defende o juiz Daniel Carnio Costa, o objetivo é proteger a empresa ou empreendimento viável, mas que em razão da pandemia está com sua capacidade de liquidez momentaneamente afetada.

Ocorre que, o próprio PL prevendo a hipótese de que durante os 60 (sessenta) dias de suspensão - primeira fase - não tenha sido possível de se obter êxito na negociação do devedor com os credores, está propondo então, a utilização de um novo procedimento - segunda fase - de jurisdição voluntária, para negociação preventiva, em que o devedor, para se valer do mesmo deverá comprovar, como requisito de procedibilidade processual, a redução igual ou superior a 30% do seu faturamento comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior, comprovação essa que deverá ser atestada por contador.

Esse novo procedimento, denominado de "negociação preventiva", poderá ser utilizado uma única vez, e o protocolo do seu pedido acarreta nova e imediata suspensão, de 60 (sessenta) dias de todos aqueles mesmos atos objetos de suspensão, garantidos pela primeira fase, sendo que o devedor poderá facultativamente requerer ao juiz que nomeie negociador à cargo do devedor, para conduzir os trabalhos de negociação preventiva, sendo que a final, decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias, com a apresentação do relatório das negociações pelo devedor ou pelo negociador, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Veja-se que, o referido procedimento não admitirá discussão quanto ao seu objeto, ou seja, não haverá litigiosidade, não cabendo resposta, manifestação ou averiguação pericial, de modo que seu objetivo é apenas estabelecer uma negociação preventiva, em que se permitirá facultativamente a participação dos credores em sessões de negociação, destacando-se que uma vez distribuído esse pedido, tornará prevento o juízo para eventual e futuro pedido de recuperação judicial ou falência.

Além disso, se o devedor que detiver legitimidade para pedir Recuperação Judicial nos termos da Lei 11.101/2005, vier a requerer a prorrogação do prazo de 60 (sessenta) dias do procedimento, o pedido será automaticamente autuado como de Recuperação Judicial. Seguindo essa linha, depreende-se que, não sendo o devedor legitimado para pedir Recuperação Judicial, seu pedido de prorrogação será indeferido, sendo que findo o prazo de 60 (sessenta) dias, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Depreende-se de todo o exposto, que o PL apesar do esforço, não obstante a abrangência de atingir ambos os setores, informal e formal, ainda assim precisa ser melhor aprimorado. Isto porque, apesar de mencionar a suspensão das ações judiciais executivas e revisionais, a não decretação de falência e de despejo, não estabelece, por exemplo, se o judiciário ao ser acionado com novas demandas dessas naturezas nesse período transitório, deverá de plano indeferi-las, ou deverá recebe-las, deixando-as suspensa.

Em nosso sentir, se o espírito da lei é o de evitar uma enxurrada de novas ações judiciais, então deveria ficar claro no PL 1397/20, que o judiciário de maneira indistinta, nesse período transitório de vigência da lei, não poderia receber qualquer nova ação de execução, revisional, despejo ou falência, assim como, nenhum Oficial Registrador de Imóveis, poderia receber qualquer requerimento de notificação extrajudicial para consolidação de garantia fiduciária de imóvel.

De todo modo, também entendemos prudente que o PL previsse ainda, a exigência de que todos os devedores, no prazo mínimo de até 30 (trinta) dias de vigência da lei, procedessem a notificação extrajudicial de seus credores, a fim de apontar que pretendem se valer do benefício temporal admitido pela legislação para buscar uma solução negociada. Uma previsão dessas, utilizada pelos meios disponíveis de comunicação, inclusive eletrônicos, serviria para que de fato se pudesse criar um ambiente inicial de negociação, cumprindo assim o escopo da lei de se buscar o entendimento das partes, evitando tanto quanto possível o retardamento injustificado no cumprimento das obrigações.

Outro apontamento que se faz, é o referente à nomeação de negociador para condução dos trabalhos de negociação preventiva quando esta já está judicializada - segunda fase. É que, embora de postulação facultativa pelo devedor ao juiz, conforme previsto no PL, é evidente que essa disposição acaba por ir de encontro com a sua capacidade financeira já reduzida, de modo que mais salutar seria se, por exemplo, esse negociador profissional fosse custeado pelo próprio judiciário, ou que se pudesse aproveitar os conciliadores do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC).

De outro lado, em relação ao prazo proposto de 60 (sessenta) dias, para cada uma das fases de negociação, nos parece à toda evidência muito pequeno para se conseguir uma negociação efetiva, já que na prática é sabido que o Estado de Calamidade decretado pelo Governo tem prazo para durar até 31 de dezembro de 2020, e é sabido que a retomada da economia, será lenta de modo que um prazo de apenas 2 meses para cada uma dessas fases, poderá inibir os credores, fazendo com que apenas aguardem o seu transcurso, para na sequência proporem suas medidas judiciais, o que se contrapõe ao espírito do legislador de evitar o sufocamento do judiciário com milhares de novas demandas.

Nesse sentido, talvez o prazo mais adequado para uma negociação efetiva em cada uma das fases, seria de no mínimo 90 (noventa) dias, e ou até enquanto durar o estado de calamidade, dividindo-se as duas fases em prazos iguais.

Enfim, como bem já pontificou o professor Cássio Cavalli, recentemente, as empresas passam por grave crise financeira, havendo "um monumental descompasso entre o tempo econômico e o tempo financeiro", e citando Lawrence Summers, expõe que "o tempo econômico parou por causa da pandemia, mas o relógio financeiro continuou a girar. Pagamentos de juros, aluguéis e outras obrigações ainda se vencem, mas o dinheiro para arcar com eles secou".

Por isto, é crucial compreender no mesmo sentido já proposto por Cassio Cavalli, que devem ser "rapidamente implementadas medidas legislativas eficazes para conter a crise antes que ela se espalhe".

Neste sentido, nossa análise final, ao par da exposição, críticas e sugestões que pontuamos, tem como pressuposto fortalecer a ideia de que é preciso reconhecer que a iniciativa proposta pelo Projeto de Lei 1397/2020, de criação de um sistema de prevenção à insolvência, de caráter transitório, merece ter sua implementação realizada com a máxima urgência, a fim de que se permita desde logo o enfrentamento da crise impedindo que devedores e empresas informais e formais desapareçam do mercado, criando um cenário de recessão econômica e miséria geral. Aliás, é imperiosa ainda uma ação legislativa imediata, que venha a de fato evitar que o judiciário seja abarrotado por milhares de demandas, cujo tempo de resposta certamente acabará sendo insuficiente e incompatível com essa mesma necessidade de fazer o quanto antes a economia alcançar a sua devida retomada.

*Alan Rogério Mincache é mestre em Direito Empresarial pelo UNICURITIBA, especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP e é sócio do escritório Federiche Mincache Advogados

*Adriana Federiche Mincache é pós-graduada em Direito Empresarial LLM pela Fundação Getúlio Vargas e é sócia do escritório Federiche Mincache Advogados

Alan Rogério Mincache e Adriana Federiche Mincache. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia provocada mundialmente pelo novo coronavírus, designado de covid-19, além de provocar risco de dano concreto e sério para a saúde dos seres humanos, já tendo levado à morte milhares de pessoas, está implicando também uma "pandemia econômica" de efeitos ainda incalculáveis para a liquidez financeira das empresas de todo o mundo.

No Brasil, os Governos de todas as esferas, por conta do estado de calamidade pública existente, têm adotado medidas na área de saúde e assistência social, a fim de socorrer a população tanto do ponto de vista de dar atendimento médico eficiente aos infectados pelo vírus, como ainda para atender aqueles que vivem à margem e na informalidade econômica, fornecendo recursos mínimos para sua subsistência.

De qualquer forma, o isolamento, seja ele horizontal ou apenas vertical, à guisa de existirem divergências entre as autoridades públicas sobre uma ou outra solução para se evitar o veloz contágio do vírus e o consequente colapso no atendimento dos doentes pelo sistema de saúde, é certo e inequívoco que se diga provocará para as empresas em geral, em proporções mais ou menos impactantes, uma grande crise de liquidez financeira, seja por estarem fechadas cumprindo o isolamento social, seja porque ainda que abertas, num sistema de isolamento vertical, terão uma demanda de público e por consequência de consumo muito menores.

Veja-se que, em um ou outro caso de modelo de isolamento, as empresas terão impactadas a sua geração de caixa, o que consequentemente oportunizará uma inadimplência acentuada de suas obrigações. Essa conclusão é de lógica praticamente absoluta e insofismável. É preciso compreender que mesmo os setores essenciais, tal como o alimentício, acabarão igualmente ao longo dessa crise de liquidez, tendo de suportar uma queda mais ou menos significativa em sua demanda, ante a reverberação econômica ocasionada pela crise financeira que já está atingindo outros setores não essenciais, mas que geram renda para aqueles que justamente precisam dos setores essenciais, e que deixarão de acessá-los em sua plenitude, reduzindo suas demandas.

Além disso, a crise econômica mais ou menos acentuada pela qual já estão passando as empresas formais e informais, provocará outro efeito, qual seja, uma onda de inadimplência das obrigações no mercado em geral, a qual acabará por determinar a sobrecarga do Poder Judiciário, que num curto espaço de tempo deverá receber centenas de milhares de novos processos, sejam eles por inadimplemento, revisionais, de recuperações judiciais e especialmente de falências, o que por via reflexa o impedirá de conseguir de maneira célere entregar às partes a justiça do caso concreto, provocando então toda sorte de insatisfação, pessoal e econômica.

Todo esse cenário, de clara recessão econômica, de inadimplência, de insatisfação jurídica-judicial, de consequente desemprego decorrente do desaparecimento ou do encolhimento das empresas, precisa ser objeto de medidas urgentes de amparo e de intervenção do Poder Público na economia, à exemplo das medidas que já estão sendo tomadas nas áreas de saúde e assistência social. É preciso ressaltar que também as relações empresariais, seus contratos e suas obrigações desde sempre, e especialmente nesse momento delicado de calamidade, precisam ser entendidas e interpretadas como instrumentos de implementação de políticas públicas, a bem de toda a sociedade.

Feito esse introito necessário para bem se compreender o tema objeto deste artigo, então passamos na sequência, a abordar algumas soluções que estão sendo apresentadas visando a se evitar o desaparecimento de milhares de empresas e empresários, e o consequente inadimplemento de um número avassalador de obrigações, de rescisões de contratos de trabalho, bem como ainda o sufocamento do Poder Judiciário com o ajuizamento de centenas de milhares de demandas judiciais.

Contemporâneo com as medidas de isolamento propostas pelo Poder Público, o deputado federal Hugo Leal apresentou o Projeto de Lei 1397/2020, de natureza emergencial e transitória, para ter vigência até 31 de dezembro de 2020 e ou até quando durar o estado de calamidade, em que elencou diversas medidas interventivas no sentido do enfrentamento da crise de liquidez das empresas, por decorrência da situação de calamidade, com o objetivo de prevenir a insolvência empresarial e o desaparecimento de empresas viáveis.

No dizer do juiz de Direito Daniel Carnio Costa, o PL 1397/20 cria um "faseamento" preventivo e desburocratizado antes de se buscar desde logo, o acionamento do Poder Judiciário através de demandas complexas e demoradas que acabarão por sufocá-lo, impedindo uma entrega célere da prestação jurisdicional, e ao mesmo tempo, facilitando a retomada econômica da atividade empresarial.

No referido Projeto de Lei 1397/20, objetiva-se então instituir "medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise econômico-financeira do agente econômico, seja ele pessoa natural ou jurídica que exerça ou tenha por objeto o exercício de atividade econômica em nome próprio independente de inscrição ou da natureza empresária de sua atividade".

Neste sentido, nessa exposição nosso objetivo específico é o de tratar exclusivamente do Capítulo I do PL 1397/2020, que tem como título "Sistema de Prevenção a Insolvência", deixando o Capítulo II para um outro subsequente artigo, em que trataremos com exclusividade das medidas também transitórias propostas em relação à Recuperação Judicial e Falências de empresas.

Assim, de acordo com a disposição preambular do PL 1397/20, constante do seu artigo 1º, já se vê que não apenas as empresas formalmente constituídas, mas todos aqueles que exercem atividades econômicas, sendo ou não pessoa jurídica, inscritas ou não como empresas, farão jus aos benefícios propostos.

Nesse particular, o projeto acaba significando um grande avanço legislativo, ainda que provisório e de caráter emergencial, na medida em que abrange todas as atividades econômicas empresárias formais e informais, o que bem se coaduna com a realidade brasileira, já que segundo pesquisa do PNAD/IBGE do ano de 2019, em torno de 19 milhões de brasileiros atuam na informalidade, praticando negócios e exercendo atividades empresárias diversas, de modo que prevenir a insolvência também desse estamento, contribuirá para permitir uma melhor liquidez no mercado especialmente no subsequente processo de retomada de crescimento do mercado.

Prosseguindo-se então na análise do PL 1397/20, este propõe uma primeira fase no tratamento da crise de liquidez das atividades empresariais (art. 3º c.c. art. 4º), em que no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da vigência da lei, deverão ficar suspensas as ações judiciais, de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após a data de 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato.

Além disso, o PL ainda prevê que na vigência da lei, ficam vedadas a realização de excussão judicial ou extrajudicial das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações, a decretação de falência, o despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato, a resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado, e a cobrança de multas de qualquer natureza.

Veja-se que, numa primeira fase todos os atos acima referidos, ficam vedados por 60 (sessenta) dias, sendo que durante esse período de suspensão o devedor e seus credores deverão buscar, de forma extrajudicial e direta, a renegociação de suas obrigações levando em consideração os impactos econômicos causados pela pandemia.

Essa possibilidade de negociação direta entre devedor e credor, sem os riscos contratuais e judiciais, significam em gap, uma lacuna que permite evitar que haja a rescisão em massa de inúmeros contratos, admitindo-se que sejam mantidos os pactos diante das circunstâncias do caso concreto de pandemia. Não se trata de uma moratória, mas de uma prorrogação baseada no dado concreto originário da falta de liquidez de caixa dos agentes econômicos, consectário de estarem com suas atividades obstadas por decorrência do isolamento social, e ou com a sua demanda reduzida por conta do isolamento vertical ou distanciamento.

E do mesmo modo ao Poder Judiciário, está vedado agir de modo a impor soluções judiciais específicas e triviais a esses mesmos agentes econômicos, o que poderá acabar contribuindo para que os mesmos desapareçam enquanto célula produtiva da sociedade. Como defende o juiz Daniel Carnio Costa, o objetivo é proteger a empresa ou empreendimento viável, mas que em razão da pandemia está com sua capacidade de liquidez momentaneamente afetada.

Ocorre que, o próprio PL prevendo a hipótese de que durante os 60 (sessenta) dias de suspensão - primeira fase - não tenha sido possível de se obter êxito na negociação do devedor com os credores, está propondo então, a utilização de um novo procedimento - segunda fase - de jurisdição voluntária, para negociação preventiva, em que o devedor, para se valer do mesmo deverá comprovar, como requisito de procedibilidade processual, a redução igual ou superior a 30% do seu faturamento comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior, comprovação essa que deverá ser atestada por contador.

Esse novo procedimento, denominado de "negociação preventiva", poderá ser utilizado uma única vez, e o protocolo do seu pedido acarreta nova e imediata suspensão, de 60 (sessenta) dias de todos aqueles mesmos atos objetos de suspensão, garantidos pela primeira fase, sendo que o devedor poderá facultativamente requerer ao juiz que nomeie negociador à cargo do devedor, para conduzir os trabalhos de negociação preventiva, sendo que a final, decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias, com a apresentação do relatório das negociações pelo devedor ou pelo negociador, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Veja-se que, o referido procedimento não admitirá discussão quanto ao seu objeto, ou seja, não haverá litigiosidade, não cabendo resposta, manifestação ou averiguação pericial, de modo que seu objetivo é apenas estabelecer uma negociação preventiva, em que se permitirá facultativamente a participação dos credores em sessões de negociação, destacando-se que uma vez distribuído esse pedido, tornará prevento o juízo para eventual e futuro pedido de recuperação judicial ou falência.

Além disso, se o devedor que detiver legitimidade para pedir Recuperação Judicial nos termos da Lei 11.101/2005, vier a requerer a prorrogação do prazo de 60 (sessenta) dias do procedimento, o pedido será automaticamente autuado como de Recuperação Judicial. Seguindo essa linha, depreende-se que, não sendo o devedor legitimado para pedir Recuperação Judicial, seu pedido de prorrogação será indeferido, sendo que findo o prazo de 60 (sessenta) dias, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Depreende-se de todo o exposto, que o PL apesar do esforço, não obstante a abrangência de atingir ambos os setores, informal e formal, ainda assim precisa ser melhor aprimorado. Isto porque, apesar de mencionar a suspensão das ações judiciais executivas e revisionais, a não decretação de falência e de despejo, não estabelece, por exemplo, se o judiciário ao ser acionado com novas demandas dessas naturezas nesse período transitório, deverá de plano indeferi-las, ou deverá recebe-las, deixando-as suspensa.

Em nosso sentir, se o espírito da lei é o de evitar uma enxurrada de novas ações judiciais, então deveria ficar claro no PL 1397/20, que o judiciário de maneira indistinta, nesse período transitório de vigência da lei, não poderia receber qualquer nova ação de execução, revisional, despejo ou falência, assim como, nenhum Oficial Registrador de Imóveis, poderia receber qualquer requerimento de notificação extrajudicial para consolidação de garantia fiduciária de imóvel.

De todo modo, também entendemos prudente que o PL previsse ainda, a exigência de que todos os devedores, no prazo mínimo de até 30 (trinta) dias de vigência da lei, procedessem a notificação extrajudicial de seus credores, a fim de apontar que pretendem se valer do benefício temporal admitido pela legislação para buscar uma solução negociada. Uma previsão dessas, utilizada pelos meios disponíveis de comunicação, inclusive eletrônicos, serviria para que de fato se pudesse criar um ambiente inicial de negociação, cumprindo assim o escopo da lei de se buscar o entendimento das partes, evitando tanto quanto possível o retardamento injustificado no cumprimento das obrigações.

Outro apontamento que se faz, é o referente à nomeação de negociador para condução dos trabalhos de negociação preventiva quando esta já está judicializada - segunda fase. É que, embora de postulação facultativa pelo devedor ao juiz, conforme previsto no PL, é evidente que essa disposição acaba por ir de encontro com a sua capacidade financeira já reduzida, de modo que mais salutar seria se, por exemplo, esse negociador profissional fosse custeado pelo próprio judiciário, ou que se pudesse aproveitar os conciliadores do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC).

De outro lado, em relação ao prazo proposto de 60 (sessenta) dias, para cada uma das fases de negociação, nos parece à toda evidência muito pequeno para se conseguir uma negociação efetiva, já que na prática é sabido que o Estado de Calamidade decretado pelo Governo tem prazo para durar até 31 de dezembro de 2020, e é sabido que a retomada da economia, será lenta de modo que um prazo de apenas 2 meses para cada uma dessas fases, poderá inibir os credores, fazendo com que apenas aguardem o seu transcurso, para na sequência proporem suas medidas judiciais, o que se contrapõe ao espírito do legislador de evitar o sufocamento do judiciário com milhares de novas demandas.

Nesse sentido, talvez o prazo mais adequado para uma negociação efetiva em cada uma das fases, seria de no mínimo 90 (noventa) dias, e ou até enquanto durar o estado de calamidade, dividindo-se as duas fases em prazos iguais.

Enfim, como bem já pontificou o professor Cássio Cavalli, recentemente, as empresas passam por grave crise financeira, havendo "um monumental descompasso entre o tempo econômico e o tempo financeiro", e citando Lawrence Summers, expõe que "o tempo econômico parou por causa da pandemia, mas o relógio financeiro continuou a girar. Pagamentos de juros, aluguéis e outras obrigações ainda se vencem, mas o dinheiro para arcar com eles secou".

Por isto, é crucial compreender no mesmo sentido já proposto por Cassio Cavalli, que devem ser "rapidamente implementadas medidas legislativas eficazes para conter a crise antes que ela se espalhe".

Neste sentido, nossa análise final, ao par da exposição, críticas e sugestões que pontuamos, tem como pressuposto fortalecer a ideia de que é preciso reconhecer que a iniciativa proposta pelo Projeto de Lei 1397/2020, de criação de um sistema de prevenção à insolvência, de caráter transitório, merece ter sua implementação realizada com a máxima urgência, a fim de que se permita desde logo o enfrentamento da crise impedindo que devedores e empresas informais e formais desapareçam do mercado, criando um cenário de recessão econômica e miséria geral. Aliás, é imperiosa ainda uma ação legislativa imediata, que venha a de fato evitar que o judiciário seja abarrotado por milhares de demandas, cujo tempo de resposta certamente acabará sendo insuficiente e incompatível com essa mesma necessidade de fazer o quanto antes a economia alcançar a sua devida retomada.

*Alan Rogério Mincache é mestre em Direito Empresarial pelo UNICURITIBA, especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP e é sócio do escritório Federiche Mincache Advogados

*Adriana Federiche Mincache é pós-graduada em Direito Empresarial LLM pela Fundação Getúlio Vargas e é sócia do escritório Federiche Mincache Advogados

Alan Rogério Mincache e Adriana Federiche Mincache. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia provocada mundialmente pelo novo coronavírus, designado de covid-19, além de provocar risco de dano concreto e sério para a saúde dos seres humanos, já tendo levado à morte milhares de pessoas, está implicando também uma "pandemia econômica" de efeitos ainda incalculáveis para a liquidez financeira das empresas de todo o mundo.

No Brasil, os Governos de todas as esferas, por conta do estado de calamidade pública existente, têm adotado medidas na área de saúde e assistência social, a fim de socorrer a população tanto do ponto de vista de dar atendimento médico eficiente aos infectados pelo vírus, como ainda para atender aqueles que vivem à margem e na informalidade econômica, fornecendo recursos mínimos para sua subsistência.

De qualquer forma, o isolamento, seja ele horizontal ou apenas vertical, à guisa de existirem divergências entre as autoridades públicas sobre uma ou outra solução para se evitar o veloz contágio do vírus e o consequente colapso no atendimento dos doentes pelo sistema de saúde, é certo e inequívoco que se diga provocará para as empresas em geral, em proporções mais ou menos impactantes, uma grande crise de liquidez financeira, seja por estarem fechadas cumprindo o isolamento social, seja porque ainda que abertas, num sistema de isolamento vertical, terão uma demanda de público e por consequência de consumo muito menores.

Veja-se que, em um ou outro caso de modelo de isolamento, as empresas terão impactadas a sua geração de caixa, o que consequentemente oportunizará uma inadimplência acentuada de suas obrigações. Essa conclusão é de lógica praticamente absoluta e insofismável. É preciso compreender que mesmo os setores essenciais, tal como o alimentício, acabarão igualmente ao longo dessa crise de liquidez, tendo de suportar uma queda mais ou menos significativa em sua demanda, ante a reverberação econômica ocasionada pela crise financeira que já está atingindo outros setores não essenciais, mas que geram renda para aqueles que justamente precisam dos setores essenciais, e que deixarão de acessá-los em sua plenitude, reduzindo suas demandas.

Além disso, a crise econômica mais ou menos acentuada pela qual já estão passando as empresas formais e informais, provocará outro efeito, qual seja, uma onda de inadimplência das obrigações no mercado em geral, a qual acabará por determinar a sobrecarga do Poder Judiciário, que num curto espaço de tempo deverá receber centenas de milhares de novos processos, sejam eles por inadimplemento, revisionais, de recuperações judiciais e especialmente de falências, o que por via reflexa o impedirá de conseguir de maneira célere entregar às partes a justiça do caso concreto, provocando então toda sorte de insatisfação, pessoal e econômica.

Todo esse cenário, de clara recessão econômica, de inadimplência, de insatisfação jurídica-judicial, de consequente desemprego decorrente do desaparecimento ou do encolhimento das empresas, precisa ser objeto de medidas urgentes de amparo e de intervenção do Poder Público na economia, à exemplo das medidas que já estão sendo tomadas nas áreas de saúde e assistência social. É preciso ressaltar que também as relações empresariais, seus contratos e suas obrigações desde sempre, e especialmente nesse momento delicado de calamidade, precisam ser entendidas e interpretadas como instrumentos de implementação de políticas públicas, a bem de toda a sociedade.

Feito esse introito necessário para bem se compreender o tema objeto deste artigo, então passamos na sequência, a abordar algumas soluções que estão sendo apresentadas visando a se evitar o desaparecimento de milhares de empresas e empresários, e o consequente inadimplemento de um número avassalador de obrigações, de rescisões de contratos de trabalho, bem como ainda o sufocamento do Poder Judiciário com o ajuizamento de centenas de milhares de demandas judiciais.

Contemporâneo com as medidas de isolamento propostas pelo Poder Público, o deputado federal Hugo Leal apresentou o Projeto de Lei 1397/2020, de natureza emergencial e transitória, para ter vigência até 31 de dezembro de 2020 e ou até quando durar o estado de calamidade, em que elencou diversas medidas interventivas no sentido do enfrentamento da crise de liquidez das empresas, por decorrência da situação de calamidade, com o objetivo de prevenir a insolvência empresarial e o desaparecimento de empresas viáveis.

No dizer do juiz de Direito Daniel Carnio Costa, o PL 1397/20 cria um "faseamento" preventivo e desburocratizado antes de se buscar desde logo, o acionamento do Poder Judiciário através de demandas complexas e demoradas que acabarão por sufocá-lo, impedindo uma entrega célere da prestação jurisdicional, e ao mesmo tempo, facilitando a retomada econômica da atividade empresarial.

No referido Projeto de Lei 1397/20, objetiva-se então instituir "medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise econômico-financeira do agente econômico, seja ele pessoa natural ou jurídica que exerça ou tenha por objeto o exercício de atividade econômica em nome próprio independente de inscrição ou da natureza empresária de sua atividade".

Neste sentido, nessa exposição nosso objetivo específico é o de tratar exclusivamente do Capítulo I do PL 1397/2020, que tem como título "Sistema de Prevenção a Insolvência", deixando o Capítulo II para um outro subsequente artigo, em que trataremos com exclusividade das medidas também transitórias propostas em relação à Recuperação Judicial e Falências de empresas.

Assim, de acordo com a disposição preambular do PL 1397/20, constante do seu artigo 1º, já se vê que não apenas as empresas formalmente constituídas, mas todos aqueles que exercem atividades econômicas, sendo ou não pessoa jurídica, inscritas ou não como empresas, farão jus aos benefícios propostos.

Nesse particular, o projeto acaba significando um grande avanço legislativo, ainda que provisório e de caráter emergencial, na medida em que abrange todas as atividades econômicas empresárias formais e informais, o que bem se coaduna com a realidade brasileira, já que segundo pesquisa do PNAD/IBGE do ano de 2019, em torno de 19 milhões de brasileiros atuam na informalidade, praticando negócios e exercendo atividades empresárias diversas, de modo que prevenir a insolvência também desse estamento, contribuirá para permitir uma melhor liquidez no mercado especialmente no subsequente processo de retomada de crescimento do mercado.

Prosseguindo-se então na análise do PL 1397/20, este propõe uma primeira fase no tratamento da crise de liquidez das atividades empresariais (art. 3º c.c. art. 4º), em que no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da vigência da lei, deverão ficar suspensas as ações judiciais, de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após a data de 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato.

Além disso, o PL ainda prevê que na vigência da lei, ficam vedadas a realização de excussão judicial ou extrajudicial das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações, a decretação de falência, o despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato, a resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado, e a cobrança de multas de qualquer natureza.

Veja-se que, numa primeira fase todos os atos acima referidos, ficam vedados por 60 (sessenta) dias, sendo que durante esse período de suspensão o devedor e seus credores deverão buscar, de forma extrajudicial e direta, a renegociação de suas obrigações levando em consideração os impactos econômicos causados pela pandemia.

Essa possibilidade de negociação direta entre devedor e credor, sem os riscos contratuais e judiciais, significam em gap, uma lacuna que permite evitar que haja a rescisão em massa de inúmeros contratos, admitindo-se que sejam mantidos os pactos diante das circunstâncias do caso concreto de pandemia. Não se trata de uma moratória, mas de uma prorrogação baseada no dado concreto originário da falta de liquidez de caixa dos agentes econômicos, consectário de estarem com suas atividades obstadas por decorrência do isolamento social, e ou com a sua demanda reduzida por conta do isolamento vertical ou distanciamento.

E do mesmo modo ao Poder Judiciário, está vedado agir de modo a impor soluções judiciais específicas e triviais a esses mesmos agentes econômicos, o que poderá acabar contribuindo para que os mesmos desapareçam enquanto célula produtiva da sociedade. Como defende o juiz Daniel Carnio Costa, o objetivo é proteger a empresa ou empreendimento viável, mas que em razão da pandemia está com sua capacidade de liquidez momentaneamente afetada.

Ocorre que, o próprio PL prevendo a hipótese de que durante os 60 (sessenta) dias de suspensão - primeira fase - não tenha sido possível de se obter êxito na negociação do devedor com os credores, está propondo então, a utilização de um novo procedimento - segunda fase - de jurisdição voluntária, para negociação preventiva, em que o devedor, para se valer do mesmo deverá comprovar, como requisito de procedibilidade processual, a redução igual ou superior a 30% do seu faturamento comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior, comprovação essa que deverá ser atestada por contador.

Esse novo procedimento, denominado de "negociação preventiva", poderá ser utilizado uma única vez, e o protocolo do seu pedido acarreta nova e imediata suspensão, de 60 (sessenta) dias de todos aqueles mesmos atos objetos de suspensão, garantidos pela primeira fase, sendo que o devedor poderá facultativamente requerer ao juiz que nomeie negociador à cargo do devedor, para conduzir os trabalhos de negociação preventiva, sendo que a final, decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias, com a apresentação do relatório das negociações pelo devedor ou pelo negociador, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Veja-se que, o referido procedimento não admitirá discussão quanto ao seu objeto, ou seja, não haverá litigiosidade, não cabendo resposta, manifestação ou averiguação pericial, de modo que seu objetivo é apenas estabelecer uma negociação preventiva, em que se permitirá facultativamente a participação dos credores em sessões de negociação, destacando-se que uma vez distribuído esse pedido, tornará prevento o juízo para eventual e futuro pedido de recuperação judicial ou falência.

Além disso, se o devedor que detiver legitimidade para pedir Recuperação Judicial nos termos da Lei 11.101/2005, vier a requerer a prorrogação do prazo de 60 (sessenta) dias do procedimento, o pedido será automaticamente autuado como de Recuperação Judicial. Seguindo essa linha, depreende-se que, não sendo o devedor legitimado para pedir Recuperação Judicial, seu pedido de prorrogação será indeferido, sendo que findo o prazo de 60 (sessenta) dias, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Depreende-se de todo o exposto, que o PL apesar do esforço, não obstante a abrangência de atingir ambos os setores, informal e formal, ainda assim precisa ser melhor aprimorado. Isto porque, apesar de mencionar a suspensão das ações judiciais executivas e revisionais, a não decretação de falência e de despejo, não estabelece, por exemplo, se o judiciário ao ser acionado com novas demandas dessas naturezas nesse período transitório, deverá de plano indeferi-las, ou deverá recebe-las, deixando-as suspensa.

Em nosso sentir, se o espírito da lei é o de evitar uma enxurrada de novas ações judiciais, então deveria ficar claro no PL 1397/20, que o judiciário de maneira indistinta, nesse período transitório de vigência da lei, não poderia receber qualquer nova ação de execução, revisional, despejo ou falência, assim como, nenhum Oficial Registrador de Imóveis, poderia receber qualquer requerimento de notificação extrajudicial para consolidação de garantia fiduciária de imóvel.

De todo modo, também entendemos prudente que o PL previsse ainda, a exigência de que todos os devedores, no prazo mínimo de até 30 (trinta) dias de vigência da lei, procedessem a notificação extrajudicial de seus credores, a fim de apontar que pretendem se valer do benefício temporal admitido pela legislação para buscar uma solução negociada. Uma previsão dessas, utilizada pelos meios disponíveis de comunicação, inclusive eletrônicos, serviria para que de fato se pudesse criar um ambiente inicial de negociação, cumprindo assim o escopo da lei de se buscar o entendimento das partes, evitando tanto quanto possível o retardamento injustificado no cumprimento das obrigações.

Outro apontamento que se faz, é o referente à nomeação de negociador para condução dos trabalhos de negociação preventiva quando esta já está judicializada - segunda fase. É que, embora de postulação facultativa pelo devedor ao juiz, conforme previsto no PL, é evidente que essa disposição acaba por ir de encontro com a sua capacidade financeira já reduzida, de modo que mais salutar seria se, por exemplo, esse negociador profissional fosse custeado pelo próprio judiciário, ou que se pudesse aproveitar os conciliadores do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC).

De outro lado, em relação ao prazo proposto de 60 (sessenta) dias, para cada uma das fases de negociação, nos parece à toda evidência muito pequeno para se conseguir uma negociação efetiva, já que na prática é sabido que o Estado de Calamidade decretado pelo Governo tem prazo para durar até 31 de dezembro de 2020, e é sabido que a retomada da economia, será lenta de modo que um prazo de apenas 2 meses para cada uma dessas fases, poderá inibir os credores, fazendo com que apenas aguardem o seu transcurso, para na sequência proporem suas medidas judiciais, o que se contrapõe ao espírito do legislador de evitar o sufocamento do judiciário com milhares de novas demandas.

Nesse sentido, talvez o prazo mais adequado para uma negociação efetiva em cada uma das fases, seria de no mínimo 90 (noventa) dias, e ou até enquanto durar o estado de calamidade, dividindo-se as duas fases em prazos iguais.

Enfim, como bem já pontificou o professor Cássio Cavalli, recentemente, as empresas passam por grave crise financeira, havendo "um monumental descompasso entre o tempo econômico e o tempo financeiro", e citando Lawrence Summers, expõe que "o tempo econômico parou por causa da pandemia, mas o relógio financeiro continuou a girar. Pagamentos de juros, aluguéis e outras obrigações ainda se vencem, mas o dinheiro para arcar com eles secou".

Por isto, é crucial compreender no mesmo sentido já proposto por Cassio Cavalli, que devem ser "rapidamente implementadas medidas legislativas eficazes para conter a crise antes que ela se espalhe".

Neste sentido, nossa análise final, ao par da exposição, críticas e sugestões que pontuamos, tem como pressuposto fortalecer a ideia de que é preciso reconhecer que a iniciativa proposta pelo Projeto de Lei 1397/2020, de criação de um sistema de prevenção à insolvência, de caráter transitório, merece ter sua implementação realizada com a máxima urgência, a fim de que se permita desde logo o enfrentamento da crise impedindo que devedores e empresas informais e formais desapareçam do mercado, criando um cenário de recessão econômica e miséria geral. Aliás, é imperiosa ainda uma ação legislativa imediata, que venha a de fato evitar que o judiciário seja abarrotado por milhares de demandas, cujo tempo de resposta certamente acabará sendo insuficiente e incompatível com essa mesma necessidade de fazer o quanto antes a economia alcançar a sua devida retomada.

*Alan Rogério Mincache é mestre em Direito Empresarial pelo UNICURITIBA, especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP e é sócio do escritório Federiche Mincache Advogados

*Adriana Federiche Mincache é pós-graduada em Direito Empresarial LLM pela Fundação Getúlio Vargas e é sócia do escritório Federiche Mincache Advogados

Alan Rogério Mincache e Adriana Federiche Mincache. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia provocada mundialmente pelo novo coronavírus, designado de covid-19, além de provocar risco de dano concreto e sério para a saúde dos seres humanos, já tendo levado à morte milhares de pessoas, está implicando também uma "pandemia econômica" de efeitos ainda incalculáveis para a liquidez financeira das empresas de todo o mundo.

No Brasil, os Governos de todas as esferas, por conta do estado de calamidade pública existente, têm adotado medidas na área de saúde e assistência social, a fim de socorrer a população tanto do ponto de vista de dar atendimento médico eficiente aos infectados pelo vírus, como ainda para atender aqueles que vivem à margem e na informalidade econômica, fornecendo recursos mínimos para sua subsistência.

De qualquer forma, o isolamento, seja ele horizontal ou apenas vertical, à guisa de existirem divergências entre as autoridades públicas sobre uma ou outra solução para se evitar o veloz contágio do vírus e o consequente colapso no atendimento dos doentes pelo sistema de saúde, é certo e inequívoco que se diga provocará para as empresas em geral, em proporções mais ou menos impactantes, uma grande crise de liquidez financeira, seja por estarem fechadas cumprindo o isolamento social, seja porque ainda que abertas, num sistema de isolamento vertical, terão uma demanda de público e por consequência de consumo muito menores.

Veja-se que, em um ou outro caso de modelo de isolamento, as empresas terão impactadas a sua geração de caixa, o que consequentemente oportunizará uma inadimplência acentuada de suas obrigações. Essa conclusão é de lógica praticamente absoluta e insofismável. É preciso compreender que mesmo os setores essenciais, tal como o alimentício, acabarão igualmente ao longo dessa crise de liquidez, tendo de suportar uma queda mais ou menos significativa em sua demanda, ante a reverberação econômica ocasionada pela crise financeira que já está atingindo outros setores não essenciais, mas que geram renda para aqueles que justamente precisam dos setores essenciais, e que deixarão de acessá-los em sua plenitude, reduzindo suas demandas.

Além disso, a crise econômica mais ou menos acentuada pela qual já estão passando as empresas formais e informais, provocará outro efeito, qual seja, uma onda de inadimplência das obrigações no mercado em geral, a qual acabará por determinar a sobrecarga do Poder Judiciário, que num curto espaço de tempo deverá receber centenas de milhares de novos processos, sejam eles por inadimplemento, revisionais, de recuperações judiciais e especialmente de falências, o que por via reflexa o impedirá de conseguir de maneira célere entregar às partes a justiça do caso concreto, provocando então toda sorte de insatisfação, pessoal e econômica.

Todo esse cenário, de clara recessão econômica, de inadimplência, de insatisfação jurídica-judicial, de consequente desemprego decorrente do desaparecimento ou do encolhimento das empresas, precisa ser objeto de medidas urgentes de amparo e de intervenção do Poder Público na economia, à exemplo das medidas que já estão sendo tomadas nas áreas de saúde e assistência social. É preciso ressaltar que também as relações empresariais, seus contratos e suas obrigações desde sempre, e especialmente nesse momento delicado de calamidade, precisam ser entendidas e interpretadas como instrumentos de implementação de políticas públicas, a bem de toda a sociedade.

Feito esse introito necessário para bem se compreender o tema objeto deste artigo, então passamos na sequência, a abordar algumas soluções que estão sendo apresentadas visando a se evitar o desaparecimento de milhares de empresas e empresários, e o consequente inadimplemento de um número avassalador de obrigações, de rescisões de contratos de trabalho, bem como ainda o sufocamento do Poder Judiciário com o ajuizamento de centenas de milhares de demandas judiciais.

Contemporâneo com as medidas de isolamento propostas pelo Poder Público, o deputado federal Hugo Leal apresentou o Projeto de Lei 1397/2020, de natureza emergencial e transitória, para ter vigência até 31 de dezembro de 2020 e ou até quando durar o estado de calamidade, em que elencou diversas medidas interventivas no sentido do enfrentamento da crise de liquidez das empresas, por decorrência da situação de calamidade, com o objetivo de prevenir a insolvência empresarial e o desaparecimento de empresas viáveis.

No dizer do juiz de Direito Daniel Carnio Costa, o PL 1397/20 cria um "faseamento" preventivo e desburocratizado antes de se buscar desde logo, o acionamento do Poder Judiciário através de demandas complexas e demoradas que acabarão por sufocá-lo, impedindo uma entrega célere da prestação jurisdicional, e ao mesmo tempo, facilitando a retomada econômica da atividade empresarial.

No referido Projeto de Lei 1397/20, objetiva-se então instituir "medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise econômico-financeira do agente econômico, seja ele pessoa natural ou jurídica que exerça ou tenha por objeto o exercício de atividade econômica em nome próprio independente de inscrição ou da natureza empresária de sua atividade".

Neste sentido, nessa exposição nosso objetivo específico é o de tratar exclusivamente do Capítulo I do PL 1397/2020, que tem como título "Sistema de Prevenção a Insolvência", deixando o Capítulo II para um outro subsequente artigo, em que trataremos com exclusividade das medidas também transitórias propostas em relação à Recuperação Judicial e Falências de empresas.

Assim, de acordo com a disposição preambular do PL 1397/20, constante do seu artigo 1º, já se vê que não apenas as empresas formalmente constituídas, mas todos aqueles que exercem atividades econômicas, sendo ou não pessoa jurídica, inscritas ou não como empresas, farão jus aos benefícios propostos.

Nesse particular, o projeto acaba significando um grande avanço legislativo, ainda que provisório e de caráter emergencial, na medida em que abrange todas as atividades econômicas empresárias formais e informais, o que bem se coaduna com a realidade brasileira, já que segundo pesquisa do PNAD/IBGE do ano de 2019, em torno de 19 milhões de brasileiros atuam na informalidade, praticando negócios e exercendo atividades empresárias diversas, de modo que prevenir a insolvência também desse estamento, contribuirá para permitir uma melhor liquidez no mercado especialmente no subsequente processo de retomada de crescimento do mercado.

Prosseguindo-se então na análise do PL 1397/20, este propõe uma primeira fase no tratamento da crise de liquidez das atividades empresariais (art. 3º c.c. art. 4º), em que no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da vigência da lei, deverão ficar suspensas as ações judiciais, de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após a data de 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato.

Além disso, o PL ainda prevê que na vigência da lei, ficam vedadas a realização de excussão judicial ou extrajudicial das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações, a decretação de falência, o despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato, a resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado, e a cobrança de multas de qualquer natureza.

Veja-se que, numa primeira fase todos os atos acima referidos, ficam vedados por 60 (sessenta) dias, sendo que durante esse período de suspensão o devedor e seus credores deverão buscar, de forma extrajudicial e direta, a renegociação de suas obrigações levando em consideração os impactos econômicos causados pela pandemia.

Essa possibilidade de negociação direta entre devedor e credor, sem os riscos contratuais e judiciais, significam em gap, uma lacuna que permite evitar que haja a rescisão em massa de inúmeros contratos, admitindo-se que sejam mantidos os pactos diante das circunstâncias do caso concreto de pandemia. Não se trata de uma moratória, mas de uma prorrogação baseada no dado concreto originário da falta de liquidez de caixa dos agentes econômicos, consectário de estarem com suas atividades obstadas por decorrência do isolamento social, e ou com a sua demanda reduzida por conta do isolamento vertical ou distanciamento.

E do mesmo modo ao Poder Judiciário, está vedado agir de modo a impor soluções judiciais específicas e triviais a esses mesmos agentes econômicos, o que poderá acabar contribuindo para que os mesmos desapareçam enquanto célula produtiva da sociedade. Como defende o juiz Daniel Carnio Costa, o objetivo é proteger a empresa ou empreendimento viável, mas que em razão da pandemia está com sua capacidade de liquidez momentaneamente afetada.

Ocorre que, o próprio PL prevendo a hipótese de que durante os 60 (sessenta) dias de suspensão - primeira fase - não tenha sido possível de se obter êxito na negociação do devedor com os credores, está propondo então, a utilização de um novo procedimento - segunda fase - de jurisdição voluntária, para negociação preventiva, em que o devedor, para se valer do mesmo deverá comprovar, como requisito de procedibilidade processual, a redução igual ou superior a 30% do seu faturamento comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior, comprovação essa que deverá ser atestada por contador.

Esse novo procedimento, denominado de "negociação preventiva", poderá ser utilizado uma única vez, e o protocolo do seu pedido acarreta nova e imediata suspensão, de 60 (sessenta) dias de todos aqueles mesmos atos objetos de suspensão, garantidos pela primeira fase, sendo que o devedor poderá facultativamente requerer ao juiz que nomeie negociador à cargo do devedor, para conduzir os trabalhos de negociação preventiva, sendo que a final, decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias, com a apresentação do relatório das negociações pelo devedor ou pelo negociador, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Veja-se que, o referido procedimento não admitirá discussão quanto ao seu objeto, ou seja, não haverá litigiosidade, não cabendo resposta, manifestação ou averiguação pericial, de modo que seu objetivo é apenas estabelecer uma negociação preventiva, em que se permitirá facultativamente a participação dos credores em sessões de negociação, destacando-se que uma vez distribuído esse pedido, tornará prevento o juízo para eventual e futuro pedido de recuperação judicial ou falência.

Além disso, se o devedor que detiver legitimidade para pedir Recuperação Judicial nos termos da Lei 11.101/2005, vier a requerer a prorrogação do prazo de 60 (sessenta) dias do procedimento, o pedido será automaticamente autuado como de Recuperação Judicial. Seguindo essa linha, depreende-se que, não sendo o devedor legitimado para pedir Recuperação Judicial, seu pedido de prorrogação será indeferido, sendo que findo o prazo de 60 (sessenta) dias, o juiz determinará o arquivamento dos autos.

Depreende-se de todo o exposto, que o PL apesar do esforço, não obstante a abrangência de atingir ambos os setores, informal e formal, ainda assim precisa ser melhor aprimorado. Isto porque, apesar de mencionar a suspensão das ações judiciais executivas e revisionais, a não decretação de falência e de despejo, não estabelece, por exemplo, se o judiciário ao ser acionado com novas demandas dessas naturezas nesse período transitório, deverá de plano indeferi-las, ou deverá recebe-las, deixando-as suspensa.

Em nosso sentir, se o espírito da lei é o de evitar uma enxurrada de novas ações judiciais, então deveria ficar claro no PL 1397/20, que o judiciário de maneira indistinta, nesse período transitório de vigência da lei, não poderia receber qualquer nova ação de execução, revisional, despejo ou falência, assim como, nenhum Oficial Registrador de Imóveis, poderia receber qualquer requerimento de notificação extrajudicial para consolidação de garantia fiduciária de imóvel.

De todo modo, também entendemos prudente que o PL previsse ainda, a exigência de que todos os devedores, no prazo mínimo de até 30 (trinta) dias de vigência da lei, procedessem a notificação extrajudicial de seus credores, a fim de apontar que pretendem se valer do benefício temporal admitido pela legislação para buscar uma solução negociada. Uma previsão dessas, utilizada pelos meios disponíveis de comunicação, inclusive eletrônicos, serviria para que de fato se pudesse criar um ambiente inicial de negociação, cumprindo assim o escopo da lei de se buscar o entendimento das partes, evitando tanto quanto possível o retardamento injustificado no cumprimento das obrigações.

Outro apontamento que se faz, é o referente à nomeação de negociador para condução dos trabalhos de negociação preventiva quando esta já está judicializada - segunda fase. É que, embora de postulação facultativa pelo devedor ao juiz, conforme previsto no PL, é evidente que essa disposição acaba por ir de encontro com a sua capacidade financeira já reduzida, de modo que mais salutar seria se, por exemplo, esse negociador profissional fosse custeado pelo próprio judiciário, ou que se pudesse aproveitar os conciliadores do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC).

De outro lado, em relação ao prazo proposto de 60 (sessenta) dias, para cada uma das fases de negociação, nos parece à toda evidência muito pequeno para se conseguir uma negociação efetiva, já que na prática é sabido que o Estado de Calamidade decretado pelo Governo tem prazo para durar até 31 de dezembro de 2020, e é sabido que a retomada da economia, será lenta de modo que um prazo de apenas 2 meses para cada uma dessas fases, poderá inibir os credores, fazendo com que apenas aguardem o seu transcurso, para na sequência proporem suas medidas judiciais, o que se contrapõe ao espírito do legislador de evitar o sufocamento do judiciário com milhares de novas demandas.

Nesse sentido, talvez o prazo mais adequado para uma negociação efetiva em cada uma das fases, seria de no mínimo 90 (noventa) dias, e ou até enquanto durar o estado de calamidade, dividindo-se as duas fases em prazos iguais.

Enfim, como bem já pontificou o professor Cássio Cavalli, recentemente, as empresas passam por grave crise financeira, havendo "um monumental descompasso entre o tempo econômico e o tempo financeiro", e citando Lawrence Summers, expõe que "o tempo econômico parou por causa da pandemia, mas o relógio financeiro continuou a girar. Pagamentos de juros, aluguéis e outras obrigações ainda se vencem, mas o dinheiro para arcar com eles secou".

Por isto, é crucial compreender no mesmo sentido já proposto por Cassio Cavalli, que devem ser "rapidamente implementadas medidas legislativas eficazes para conter a crise antes que ela se espalhe".

Neste sentido, nossa análise final, ao par da exposição, críticas e sugestões que pontuamos, tem como pressuposto fortalecer a ideia de que é preciso reconhecer que a iniciativa proposta pelo Projeto de Lei 1397/2020, de criação de um sistema de prevenção à insolvência, de caráter transitório, merece ter sua implementação realizada com a máxima urgência, a fim de que se permita desde logo o enfrentamento da crise impedindo que devedores e empresas informais e formais desapareçam do mercado, criando um cenário de recessão econômica e miséria geral. Aliás, é imperiosa ainda uma ação legislativa imediata, que venha a de fato evitar que o judiciário seja abarrotado por milhares de demandas, cujo tempo de resposta certamente acabará sendo insuficiente e incompatível com essa mesma necessidade de fazer o quanto antes a economia alcançar a sua devida retomada.

*Alan Rogério Mincache é mestre em Direito Empresarial pelo UNICURITIBA, especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP e é sócio do escritório Federiche Mincache Advogados

*Adriana Federiche Mincache é pós-graduada em Direito Empresarial LLM pela Fundação Getúlio Vargas e é sócia do escritório Federiche Mincache Advogados

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