O Deputado Federal Tiago Mitraud (NOVO/MG), apresentou, pouco antes de encerrar seu período de legislatura, o Projeto de Lei n.º 3081/22 que pretende desregulamentar profissões e atividades que, para ele, não ofereçam risco à segurança, à saúde, à ordem pública, à incolumidade individual e patrimonial.
A principal argumentação apresentada pelo Deputado é que este projeto visa remediar uma distorção criada pelo ordenamento vigente. Além disso, ele defende que há uma enorme massa de profissionais qualificados em busca de emprego e que, por não atenderem aos critérios formais, acabam não ingressando ao mercado de trabalho. O deputado sustenta ainda que as exigências legais são abusivas, que pode haver perda da qualidade, eliminando bons profissionais do mercado e privilegiando pessoas que cumprem requisitos tão somente burocráticos.
No entanto, há que se observar este projeto de lei com algumas ressalvas e esclarecimentos.
Quando uma lei regulamenta determinada categoria profissional, o legislador pretende reunir trabalhadores que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial (lei regulamentadora) ou em consequência de condições de vida singulares, conforme previsto no art. 511, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Trata-se de uma espécie de exceção às demais categorias de empregados, os quais acabam sendo classificados na categoria econômica dos empregadores e, assim, compondo as categorias preponderantes. A diferenciação de categoria preponderante e diferenciada é importante para enquadrar os trabalhadores em um ou outro sindicato, por exemplo. Enquanto todos os empregados comuns estão alocados na categoria preponderante do empregador, portanto, sujeito ao sindicato das empresas prestadoras de serviços terceirizados, ou dos metalúrgicos, ou dos bancários, por exemplo, os engenheiros que exercem as atividades relacionadas à função de engenharia devem seguir os direitos previstos na convenção coletiva dos engenheiros, como regra.
E, ainda sobre a profissão do engenheiro, uma das que o ex-Deputado pretende revogar, é conveniente trazer à presente análise algum esclarecimento. Sobre esta profissão há um outro diferencial relevante. Isso se diz porque a Lei n.º 4.950-A/66, que também regula esta profissão e não está no rol apresentado pelo ex-Deputado para ser revogada, prevê ao engenheiro um piso salarial de cinco ou seis vezes o maior salário-mínimo comum vigente no País para uma jornada de trabalho de 6 horas diárias, a depender do tempo do curso superior. Este piso salarial pode sim representar um requisito peculiar para o profissional, mas, por outro lado, não é razoável imaginar que não precisaria ser regulamentada a profissão de engenheiro que é bastante específica, complexa e envolve temas sensíveis como a construção, por exemplo, de grandes obras, edifícios, inclusive de infraestrutura, que, sem a devida responsabilização e preparação dos profissionais, poderá colocar em risco a vida de muitas pessoas.
Sendo assim, a premissa do ilustre Deputado, que as leis se revogadas não colocam em risco a vida e segurança da sociedade não é de todo correta. A mesma sensibilidade se vê quando se pretende a revogação da lei que regula a profissão do tripulante de aeronave, denominado aeronauta, prevista na Lei nº 13.475/17, a qual regula uma série de medidas que objetivam a proteção, por exemplo, do piloto e do voo. Há um rol com 86 (oitenta e seis) profissões que deverão ser objeto de análise neste projeto de lei.
Por fim, o Deputado mais uma vez tenta levar ao debate legislativo o fim do exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Este trata-se de um tema que há muito tempo vem sendo debatido e poderia, caso viesse a ser aprovado o fim do exame, contribuir muito para a precarização da profissão dos advogados.
Fato é que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XIII, determina que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Este preceito legal é de vital importância para proteger e privilegiar a busca do pleno emprego, do desenvolvimento econômico, social, cultural e profissional de todos que vivem no Brasil.
Diante das considerações acima, tratando-se de um projeto de lei bastante delicado, espera-se e confia-se que as casas legislativas tenham bastante cautela e prudência para avaliar a melhor forma como este projeto de lei poderá, ou não, avançar e, se for o caso, passar a integrar o ordenamento jurídico brasileiro.
*Alexandre Fragoso Silvestre, advogado, sócio do escritório Briganti Advogados e mestre em Direito do Trabalho