A juíza Juliana Brescansin Demarchi Molina, da 7ª Vara da Fazenda de São Paulo, condenou, por improbidade administrativa, dois promotores aposentados por vazarem questões de uma prova do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para integrantes de um curso preparatório de Marília, no interior paulista. Eles terão de pagar R$ 1.156.783,84 por danos patrimoniais ao erário e danos morais coletivos (com atualização monetária), multa cível no valor de 24 vezes o salário recebido à época e proibição de contratação com Poder Público pelo prazo de quatro anos. As defesas preparam recurso junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e os condenados negaram qualquer ato ilícito (leia mais abaixo).
De acordo com a sentença da magistrada, Artur Pagliusi Gonzaga e Roberto da Freiria Estevão teriam divulgado a prova da segunda fase do 81º concurso para ingresso no Ministério Público, em 1999, para oito alunos do curso. Destes, uma aluna denunciou o caso. Segundo os autos, Gonzaga se afastou da docência naquele momento por participar da banca examinadora do concurso, e Estevão assumiu o posto.
Em depoimento, a então aluna afirmou que, dias antes da prova do MP, Estevão teria dito que encontrou com Gonzaga e obtido “dicas sobre o concurso” e sugeriu “grande possibilidade” de o tema da dissertação do exame ser tipo penal e indicado os temas de tipo e erro de proibição. “Na sequência, passou seis questões aos alunos, das quais cinco estiveram na prova escrita: contrato de câmbio na falência, efeitos jurídicos da adjudicação na licitação, fraude à execução, sucessão cálculos sobre partilha e controle de constitucionalidade”, disse a então aluna em depoimento.
Outros integrantes do curso preparatório foram ouvidos em depoimento. Uma outra candidata confirmou que Estevão disse dias antes da prova ter “dicas quentes” sobre a prova, mas que classificou o ato no sentido de projetar imagem de influência aos alunos. Segundo os autos, candidatos teriam comentando as coincidências entre as últimas aulas e o conteúdo da prova do MP. Um ex-promotor e um um ex-juiz da região também foram procurados pela aluna denunciante antes da prova. Segundo depoimento do magistrado, as perguntas apresentadas eram idênticas às do certame.
Com base nos depoimentos, de acordo com a magistrada, “mostra-se inequívoco que o corréu Roberto (Estevão) antecipou o conteúdo da prova escrita realizada em 12 de setembro de 1999 aos alunos que integravam a classe especial do curso preparatório organizado pela Fundação de Ensino Eurípedes Soares da Rocha”, citou na sentença. A magistrada levou em consideração ainda que o ex-promotor e o ex-juiz ouvidos nos autos não tinham interesse pessoal no concurso da ocasião.
“Acrescentam-se a isso os depoimentos dos demais alunos da classe especial que confirmaram que os temas trabalhados pelo corréu Roberto (Estevão) na aula de véspera foram cobrados na prova. O fato de os depoentes terem atribuído a pertinência das dicas recebidas a coincidências ou à pesquisa de banca feita pelo professor está evidentemente relacionado ao fato de que eram os maiores beneficiários do vazamento, tendo sido aprovados na prova escrita e não desejarem admitir o beneficiamento indevido”, disse na sentença a magistrada.
Um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em depoimento, afirmou que todos os membros da banca daquele concurso se reuniram na quarta-feira anterior ao exame para discutir as questões a serem cobradas. “Dessa forma, constata-se que o corréu Artur (Gonzaga) de fato conhecia os temas que seriam cobrados na prova escrita. Por sua vez, os depoimentos das alunas dão conta de ser Artur (Gonzaga) a fonte das informações vazadas”, afirmou a magistrada na decisão de primeira instância.
“Ressalta-se a especial gravidade das condutas perpetradas. Os corréus, como membros do Ministério Público, deliberadamente praticaram conduta ilícita que ocasionou fraude ao certame de ingresso na carreira. Portanto, divorciaram-se da conduta ordinariamente esperada dos integrantes de órgão. Outrossim, os prejuízos causados extrapolam o dano material ao erário. Pensa-se especialmente nos milhares de candidatos inscritos que tiveram sua fé na higidez do certame abalada. Especialmente aqueles aprovados na primeira fase e na prova escrita sem terem sido beneficiados pela divulgação ilícita das questões e que tiveram que refazer todo processo. Foram relegados à estaca zero do concurso após terem superado etapas altamente competitivas que exigem elevado grau de conhecimento jurídico”, afirmou a juíza na sentença.
Condenados negaram atuação irregular
No processo, o promotor aposentado Artur Pagliusi Gonzaga “sustentou que não há prova a suportar os fatos narrados na petição inicial, que não houve conluio entre os réus para fraudar o certame, que não divulgou o conteúdo das questões da prova escrita ao corréu ou a qualquer candidato. Afirma que o ônus probatório incumbe ao Ministério Público, que não houve demonstração de ocorrência dos danos pelos quais se requer reparação”. Procurado pelo Estadão, o advogado dele, Ruy Tucunduva, disse que “passado um quarto de século, houve a decisão de primeira instância, passível de recurso. A defesa permanece confiando no Poder Judiciário e apresentará o recurso competente com o fito de reformar o decidido em primeira instância”.
Roberto da Freiria Estevão, no mérito, “sustentou que não há prova a suportar os fatos narrados na petição inicial, que não houve conluio entre os corréus para vazar as questões do certame, que o testemunho (da então aluna) não merece crédito. Aduz que não recebeu informações privilegiadas sobre a prova, que preparou curso de revisão conforme temas mais pertinentes à época e conforme questões tratadas em concursos anteriores, que para dissertação apresentou vários temas possíveis conforme apostila. Sustenta pela atipicidade da conduta, uma vez que não possuía informações sobre o certame em razão do cargo de procurador, não integrou a comissão examinadora. Afirma ilicitude das gravações telefônicas fornecidas pela testemunha”. Procurada pelo Estadão, a defesa preferiu não comentar o caso.