A Procuradoria-Geral da República suspeita que o advogado Luiz Pires Moraes Neto foi até o Paraguai para buscar dinheiro vivo para pagar propina de R$ 1 milhão supostamente ajustada com o desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em troca de decisão que beneficiaria o narcotraficante Romilton Hosi - homem de confiança de Fernandinho Beira Mar. A informação foi colhida de mensagens trocadas entre investigados da Operação Churrascada e serviu de fundamento para que a Polícia Federal defendesse a prisão preventiva do advogado.
O criminalista Alamiro Velludo Salvador Netto, que representa o desembargador, disse que quando tiver acesso à íntegra dos autos vai ‘restabelecer a verdade e a justiça’.
Por ordem do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, o desembargador ficará afastado das funções por um ano. A Polícia Federal pediu a prisão de Ivo de Almeida, mas o ministro não decretou a medida.
A suposta propina de R$ 1 milhão não chegou a ser paga. Segundo os investigadores, haveria necessidade de cooptação de pelo menos mais um desembargador da 1.ª Câmara Criminal do TJ paulista, da qual Ivo de Almeida é o presidente afastado.
O diálogo que chamou a atenção da Procuradoria ocorreu em outubro de 2020. Moraes Neto conversava com Wellington Pires da Silva - guarda civil e bacharel em Direito que trabalha para o advogado. De acordo com a Polícia Federal, o relacionamento dos dois “tem um propósito criminoso”.
As mensagens eram trocadas no contexto do processo de Romilton Hosi, que foi preso em abril de 2002, acusado de ser dono de 449 quilos de cocaína. Ele passou anos foragido e foi preso em março de 2019. Foi condenado a 39 anos de prisão por tráfico de drogas, porte ilegal de arma, uso de documento falso e associação para o tráfico. Segundo a PGR, ele é homem de confiança de Fernandinho Beira Mar.
Hosi fugiu do Fórum de Campo Grande em 2002 após o pagamento de propina de R$ 1 milhão a policiais.
A Procuradoria-Geral da República analisou os processos envolvendo o aliado de Beira-Mar e constatou “conluio fraudulento entre advogados para direcionar a distribuição de processos e procedimentos de interesse do imputado à 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo”.
Os processos de Hosi, inicialmente, eram analisados pela 6ª Câmara Criminal do TJ, mas os advogados investigados teriam achado uma brecha para que o caso fosse deslocado para a 1.ª Câmara Criminal, sob presidência do desembargador Ivo de Almeida, diz a PGR. Segundo a Procuradoria, em setembro de 2020, tiveram início as tratativas acerca da corrupção do desembargador.
Neste caso, os representantes de Hosi eram o advogado Moraes Neto e o guarda civil Wellignton. Segundo a PGR, ambos negociavam a venda de decisões judiciais com os interlocutores de Ivo de Almeida, dizem os investigadores.
A PGR sustenta que Moraes Neto e Wellington reconheciam a situação processual grave de Hosi, vez que se tratava de um narcotraficante internacional. O guarda civil teria dito a Moraes Neto que Ivo de Almeida constatou que o caso era delicado e ‘demandaria cuidado do julgador para manipulação da decisão’.
Ainda de acordo com a mensagem, o “desembargador estaria empenhado em corromper mais um membro da Câmara”, narrou a PGR.
Foi então que Moraes Neto revelou que o valor disponível para a propina, naquele caso, era de R$ 1 milhão. Wellington respondeu que já havia repassado a informação sobre o montante para Wilson, suposto interlocutor de Ivo de Almeida.
Segundo a PGR, o advogado viajou ao Paraguai para buscar o dinheiro da propina. Com base nos diálogos entre os alvos da Churrascada, os investigadores ainda lançam suspeitas de que Ivo de Almeida “pode ter tentado ajustar o voto com um segundo julgador, que não teria aceitado a oferta, dado a delicadeza inerente ao caso”.
A PGR aponta ampla movimentação dos investigados para autorizar a transferência de Romilton Hosi para o presídio de Campo Grande, com o objetivo de facilitar uma nova tentativa de fuga do narcotraficante.
“A partir das conversas se extrai que, ao desembargador Ivo de Almeida, por meio de Wilson Vital de Menezes Junior, foi oferecida a importância de R$ 1 milhão. Afirma-se categoricamente que o desembargador aceitou a proposta de “venda de decisão judicial”, mas houve dificuldades, pelas peculiaridades do caso concreto, em convencer os demais membros da Câmara a participar da corrupção”, narrou a PGR.
Suspeita de corrupção em outros órgãos públicos
A Polícia Federal ainda levanta ‘fortes suspeitas’ de que o advogado Moraes Neto e Wellington possuem “negócios ilícitos” também em outros órgãos públicos. Os investigadores querem aprofundar as apurações sobre mensagens em que os advogados citam uma delegacia da Polícia Civil de São Paulo e a sigla ‘SAP’, provável referência à Secretaria de Administração Penitenciária.
Wellington chegou a ser preso e indiciado na Operação Contágio, da Polícia Federal, que investigou desvios de recursos da Saúde em cinco municípios paulistas, em contratos de mais de R$ 300 milhões - inclusive alguns fechados durante a pandemia. Os investigadores dizem que ele é o braço direito de Moraes Neto e tem a missão de intermediar ‘negociações ilícitas inclusive em outros órgãos públicos’. A PF diz que a personalidade de Wellington é ‘voltada ao crime’, vez que é réu na Operação Contágio e responde a processo por homicídio qualificado - ele é acusado de ter matado seu próprio tio a pontapés.
A dinâmica entre Moraes Neto e Wellington, assim como as mensagens sobre outros órgãos públicos, foram destacadas tanto pela Polícia Federal como pela Procuradoria-Geral da República para que fosse pedida a prisão preventiva de ambos na Operação Churrascada.
A PGR deu ênfase à “concreta periculosidade dos agentes, com risco de reiteração delitiva”. Segundo a Procuradoria, a atuação da dupla e do narcotraficante Romilton Hosi “não se esgota na corrupção do desembargador Ivo de Almeida”.
A Procuradoria também destacou outros achados da investigação, como diálogos em que é mencionada a possibilidade de transporte de dinheiro em espécie, do Paraguai até São Paulo, para “custear decisão que, no mínimo, abrange a situação carcerária de Romilton”.
A PGR alega que somente a prisão preventiva dos investigados seria suficiente para barrar as atividades criminosas considerando os “vínculos mais sólidos com outras organizações criminosas, alcançando outros órgãos de Estado e, inclusive, possíveis delitos transfronteiriços”.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO
Em nota, o advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, constituído pelo desembargador Ivo de Almeida, disse que ainda não teve acesso à íntegra dos autos da Operação Churrascada. Alamiro destacou que quando conhecer os detalhes da investigação ‘a verdade será restabelecida’
A reportagem do Estadão busca contato com a defesa do advogado Moraes Neto e do guarda civil. O espaço está aberto para manifestação.