Não estou falando do filme de 1959, de Billy Wilder, estrelado pela inesquecível Marilyn Monroe. Estou falando de 2024, que – até o momento – está cotado para se tornar o ano mais quente da história. Superará 2023, então considerado o período de maior temperatura dentro de um “curto” período de cento e vinte e cinco mil anos!
A temperatura média global neste ano é a mais elevada que já se documentou. Isso é terrível, mas não tem sido encarada com a devida seriedade, pois estamos absortos cuidando de outros assuntos.
Quando aumenta a temperatura, simultaneamente ao acréscimo das emissões dos gases venenosos causadores do efeito-estufa, potencializa-se o risco de chuvas extremas. Só que o petróleo continua a morar na mentalidade dos insensíveis. Pouco ou nada se faz para nos livrarmos dele.
O resultado é o aumento de mortes causadas pelo calor. Ilhas de calor, bolhas de calor, ondas de calor, tudo mata mais do que o frio. Só que os assentos de óbito nunca mencionam a temperatura. Insere-se no assento apenas o gatilho disparado pela origem do mal de que derivou a morte. Infarto, AVC, embolia, mal súbito, septicemia, etc. Lá no início da caminhada que termina no cemitério – ou no crematório – está a temperatura com a qual os humanos não conseguem sobreviver.
O drama é que se procura debelar o calor com ar condicionado. Ele funciona para quem pode pagar por esse investimento que não é barato e que demanda custeio permanente. Pense-se que a energia estacionária é a segunda causa de emissão dos gases do efeito estufa, logo após o campeão assassino que é o combustível fóssil utilizado no transporte.
Mas não é só isso. Os edifícios de alto padrão, que são bastante antiecológicos, servem-se de muito vidro, de muito laminado. São bonitos de ver, refletindo o sol inclemente. Mas são um cavalo de troia. Causam prejuízo ao meio ambiente.
Estudos da FAU, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP já concluíram que essas moradias são insustentáveis. Será necessário proceder a uma reforma estrutural dessas edificações, para que seus habitantes continuem a viver enjaulados dentro delas.
Há um ciclo perverso em plena atuação. Envidraçam-se as varandas porque a Lei de Zoneamento não as contabiliza como área construída, o que leva a uma redução dos tributos devidos pela poderosa indústria da construção civil. Assim, os prédios são entregues aos proprietários com áreas abertas e estes depois as fecham com vidro. Isso é, na verdade, a construção de uma estufa. Como estufa, ela só permite que se viva dentro dela se houver ar condicionado.
Essa questão envolve um complexo de problemas. É a saúde pública, afetada por uma opção da engenharia e da arquitetura, aliada a um aproveitamento egoísta e insensato do espaço. Já não se deixa solo livre para escoar as águas das precipitações pluviométricas ou para hospedar aquele milagre chamado árvore.
Mas é uma questão econômica, pois haverá a necessidade de produção crescente de energia e isto demandará investimentos públicos, mudança na estrutura das cidades e onerará o orçamento doméstico de quem se vê obrigado a não desligar o ar condicionado. O gasto quadruplica numa residência, quando se é obrigado a manter acionado o equipamento condicionador da temperatura.
O mais sério, contudo, é o aprofundamento das desigualdades sociais. Os pobres não têm varanda envidraçada, mas também não têm ar condicionado. Continuam em submoradias, construídas de forma tosca e com utilização de materiais praticamente inservíveis para a preservação da higidez física e mental.
É lamentável que a lucidez tupiniquim não se compenetre de que é preciso um retorno à natureza. Edificar com base nos ensinamentos de uma natureza acolhedora, generosa e biodiversa, que permitiu a existência da Terra com suas maravilhas, durante milênios. Experiência que estamos encerrando prematuramente, com nossa insanidade ao desrespeitar os recursos naturais.
O remédio para as altas temperaturas está ao nosso alcance e à nossa disposição. Chama-se arborização. Produzir mudas, plantar, proteger as árvores, é algo que salvaria a humanidade e reduziria, substancialmente, a temperatura terrestre. Já está provado que, quanto mais quente, está longe de ser melhor.