Texto atualizado às 16h40 de 2 de janeiro de 2024 para manifestação do embaixador da Turquia, Halil Ibrahim Akca
Eu sou uma terrorista internacional. Poucas vezes os seguidores terão a oportunidade de ler uma frase dessas escrita assim, despudoradamente na afirmativa. Uma confissão infame. O que motiva alguém a desafiar e a chamar contra si o ódio de pessoas de bem, abraçar a culpa que todos negam? Talvez o gosto por uma diatribe retórica. Talvez apenas porque a frase seja verdadeira. Ao menos, em algum quadrante deste planeta.
No Brasil, nos digladiamos com a necessidade de aperfeiçoamento da Lei 13.260/16, a famosa Lei de Terrorismo, e da Lei 13.810/19, que regula o congelamento de ativos de pessoas físicas e jurídicas e entidades por financiamento a terrorismo e a atos correlatos, assim como trata da listagem de pessoas investigadas ou acusadas pelos crimes. Esses emendamentos são necessários para que o regime brasileiro, alinhando-se com a melhor prática, torne-se uma chave de útil, interna e internacionalmente: uma peça de orquestração no combate a esse crime de matizes internacionais.
Na Turquia, porém, a lei de terrorismo é mais antiga: data de 1991 e sempre sofreu periódicas alterações. Contudo, desde 2013, coincidindo com o recrudescimento da perseguição do regime de Recep Tayyip Erdoğan a seus inimigos políticos, percebe-se a intensificação da atividade legislativa. Não são modificações benfazejas.
Dos vários dispositivos criticados pela comunidade jurídica internacional, pela Organização das Nações Unidas[i] (ONU) e pelo Parlamento Europeu[ii], em particular, consta a própria definição de crime de terrorismo (artigo 1), considerada excessivamente ampla e vaga, incapaz de tornar precisas as infrações que configurariam, de fato, o crime, e passível de tornar a lei hábil instrumento de perseguição e sufocamento políticos.
Sob a vigência da lei emendada, políticos, repórteres e ativistas foram presos[iii]. Mas não apenas eles: juízes, promotores, diplomatas, advogados e outros funcionários públicos que, além de destituídos em um grande expurgo, foram, não poucos, presos e encarcerados.
Contra esse estado de coisas, de desconstrução do estado democrático de Direito na Turquia, se insurgiu a comunidade jurídica internacional[iv]. Também a brasileira[v].
A Human Rights Watch denunciou o mau uso das normas atinentes ao combate ao terrorismo na Turquia para erodir o devido processo legal e inculpar e encarcerar, massivamente, os advogados de direitos humanos que defendem os acusados[vi].
A Ordem Internacional dos Advogados apresentou moção de repúdio à erosão do estado de direito e à independência judicial na Turquia[vii].
A Associação Europeia de Juízes[viii] apresentou à ONU relatório em que ressaltou o colapso dos direitos e proteções relativos à profissão jurídica na Turquia de forma constante desde 2010 e de forma acelerada desde 2016, em reação à suposta tentativa de golpe de Estado.
A Associação Internacional de Juízes publicou apelação, em março de 2017, assinada em Paris, demonstrando preocupação quanto à ameaça ao estado de direito na Turquia[ix].
A Associação Dia do Advogado em Perigo, com sede na Haia, elegeu o ano de 2019 como marco de denúncia das ameaças às prerrogativas dos advogados na Turquia[x].
A Associação de Advogados Democratas Europeus manifestou sua solidariedade a todos os advogados presos na Turquia pelo governo Erdogan[xi].
A Associação Europeia dos Advogados para a Democracia e os Direitos Humanos denunciou os julgamentos políticos contra advogados e ativistas políticos pró-direitos humanos na Turquia[xii].
A Associação de Advocacia Social da Holanda[xiii], maior agremiação profissional dos Países Baixos para a profissão, juntamente com a Advogados para Advogados e a organização não-governamental Fundação o Dia do Advogado em Perigo, realizou, naquele país, manifestação de repúdio com foco na situação dos advogados de direitos humanos na Turquia. Essa mesma manifestação ocorreu, no mesmo dia, em 25 outros países, incluindo os Estados Unidos.
A Iniciativa em prol dos Advogados Presos informou que, até o ano de 2019, 162 advogados foram julgados terroristas na Turquia apenas por defenderem clientes sob essa acusação[xiv].
A Defenda os Advogados contabiliza 1.546 advogados sendo processados, 600 detidos e 274 sentenciados a sentenças privativas de liberdade de duração média de 7 anos[xv].
A Associação Advogados para Advogados concedeu o prêmio de 2019 a Selçuk Kozagaçli, advogado turco de direitos humanos, preso e acusado de terrorismo, por defender perseguidos políticos, e sentenciado a 17 anos de prisão[xvi].
O Instituto de Direitos Humanos da Associação Europeia de Advogados, membro do Observatório Internacional dos Direitos de Defesa e das Violações aos Direitos dos Advogados[xvii] também emitiu moções de repúdio e solidariedade aos advogados turcos perseguidos.
A Advogados sem Fronteiras[xviii], em manifesto conjunto com outras organizações[xix], ressaltou que a listagem turca de pessoas consideradas terroristas inclui um total de 971 pessoas acusadas de serem membros de 19 supostos “organizações terroristas”. Uma série de ações judiciais foram iniciadas pelo Estado da Turquia contra advogados, em violação à proibição de estender aos advogados os crimes cometidos por seus clientes. A criminalização da advocacia. Um dos casos mais conhecidos do gênero diz respeito à acusação de 22 advogados da Associação dos Advogados Progressistas (ÇHD), em curso há 10 anos. Muitos deles estão presos.
A Organização Defesa Sem Fronteiras-Advogados Solidários[xx] age diretamente em processos em defesa de 99 advogados acusados de terrorismo na Turquia.
No Brasil, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) acionou a ONU em defesa dos quase 3 (três) mil magistrados e promotores turcos detidos e afastados do cargo após a suposta tentativa de golpe de Estado[xxi]; a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) se associou ao manifesto da AMB que exige a libertação dos magistrados presos na Turquia[xxii]; a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) lançou nota pública em apoio aos Magistrados turcos[xxiii]; a Associação Nacionais dos Procuradores da República (ANPR) também repudiou o afastamento e a prisão dos magistrados[xxiv]; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil emitiu nota de repúdio à degeneração do estado de direito na República da Turquia[xxv].
As normativas turcas vigentes são tão arbitrárias que mesmo a União Europeia, maior vítima e, portanto, interessada, no combate ao terrorismo de motivação religiosa, chegou a anunciar, no ano de 2018, a decisão política de não facilitar o visto de nacionais turcos até que houvesse o abrandamento da lei[xxvi].
O nível de discricionariedade da Lei de Terrorismo turca é tal que 18 advogados foram processados por “propaganda terrorista” apenas por terem protestado publicamente, em 15 de setembro de 2015, contra violações de direitos fundamentais cometidas em Cizre (reduto curdo no sudeste da Anatólia) contra as populações locais.
Outro famoso exemplo é o do ex-jogador da Liga Nacional de Basquete dos Estados Unidos, o turco-americano Enes Kanter, indiciado por crime de terrorismo por postagens no antigo Twitter contra o regime Erdogan.
A Turquia rejeitou mudanças em sua lei antiterror afirmando que está sob ataque de diversos grupos terroristas. Conforme vimos, contabilizam-se 19. Dentre os mais citados, a então denominada Fethullah Terror Organization (FETÖ), suposta organização liderada pelo clérigo Fethullah Gullen, em autoexílio nos Estados Unidos, e opositor político de Erdogan, alegado responsável pela tentativa de golpe de Estado. Uma alegação desmentida pelos órgãos internacionais de inteligência. Desse elenco também constam o proscrito Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL).
Nada obstante a muito questionável cobertura da lei penal turca sobre terrorismo, após a recente ação do Hamas em solo israelense, o Presidente Erdogan manifestou-se, da forma que segue: “O Hamas não é uma organização terrorista, mas um grupo pela libertação e de combatentes que lutam para proteger as suas terras e os seus cidadãos”. Sequer o pudor de reconhecer que, minimamente, senão o grupo, os atos tiveram natureza terrorista.
Para um país cujo ordenamento jurídico tem uma tão larga interpretação sobre o que é terrorismo, o estupro em massa e coletivo de mulheres, o assassinato em massa de pessoas, a ameaça de genocídio a judeus constante na carta constitutiva do Hamas e a manutenção do discurso de eliminação do povo judeu no Oriente Médio e no mundo tem menos gravidade moral e legal que uma postagem no extinto Twitter. Menos gravidade que o exercício das prerrogativas de advogado na defesa do devido processo legal.
No livro “Pátio Maldito”, do escritor sérvio Ivo Andric, um monge bósnio cristão, injustamente preso e encarcerado na pior prisão da então Constantinopla, capital do Império Otomano, hoje Istambul, capital da Turquia, interage com criminosos e inocentes de todas as classes e de todos os credos. O livro é uma crítica ao despotismo estatal.
Por evidentes razões, nunca foi um livro bem recebido pelos turcos, que o consideram detrator da moral nacional. Não é a única produção a relatar excessos da justiça do Império da qual a Turquia é a sucessora política, legal e cultural.
A incoerência e o descomedimento na aplicação da lei, o arbítrio e o oportunismo político, justa ou injustamente atribuídos como traços históricos do caráter da justiça turca somente são passíveis de serem confirmados por um historiador especialista na evolução do judiciário daquele país. Fato é que, hoje, no pátio maldito de Erdogan, encontram-se todos. Talvez eu e você. Menos os reais criminosos.
A Turquia e o Hamas não são exemplos de discernimento sobre o que são os direitos humanos e o que é o crime de terrorismo. Ou não deveriam sê-lo. Não para um país que tem como fundamento constitucional o princípio da dignidade da pessoa humana e como princípios regentes das suas relações internacionais o repúdio ao terrorismo e ao racismo (no qual se inclui o antissemitismo), a autodeterminação de (todos) os povos e a prevalência dos direitos humanos.
*Clarita Costa Maia, doutora em Direito pela Universidade de São Paulo. LL.M em Direito da Inovação e dos Negócios pela UC.Berkeley. Presidente da Comissão de Relações Internacionais da OABDF. Conselheira. Professora do IDP
[i] Turkey; United Nations: Criticism of Anti-Terrorism Laws
(Nov. 8, 2012) On November 1, 2012, the United Nations Human Rights Committee (HRC) – a body of 18 independent experts responsible for monitoring implementation of the International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR) (in force on Mar. 23, 1976, Office of the U.N. High Commissioner for Human Rights website) by its State parties – issued a criticism of Turkey for using the country’s “vague” Anti-Terrorism Law to prosecute activists, journalists, and lawyers. (Sarah Posner, UN Rights Committee Criticizes Turkish Counterterrorism Laws, PAPER CHASE NEWSBURST. http://www.loc.gov/law/foreign-news/article/turkey-united-nations-criticism-of-anti-terrorism-laws/
[ii] Resolução 2015/2898 (Resolutions on topical subjects, RSP).
[iii] ZELDIN, Wendy. Turkey: Counterterrorism and Justice. The Law Library of Congress. Global Legal Research Center. https://www.loc.gov/law/help/counterterrorism/turkey-counterterrorism-justice.pdf
[iv] HETSCHKO, Karin. Ex-Presidente da União Internacional de Magistrados (UIM) Defende a Independência do Judiciário no Mundo. https://apamagis.com.br/institucional/ex-presidente-da-uim-defende-a-independencia-do-judiciario-no-mundo/
[v] AMAERJ. Juízes do Brasil e Portugal discutem prisões de magistrados na Turquia. http://amaerj.org.br/noticias/encontro-discute-caso-de-4-mil-juizes-e-promotores-presos-na-europa/
[vi] HUMAN RIGHTS WATCH. Turkey: Mass Prosecution of Lawyers. Misuse of Terrorism Charge Undermines Fair Trial Rights. April 10, 2019. https://www.hrw.org/news/2019/04/10/turkey-mass-prosecution-lawyers
[vii] INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. https://silencedturkey.org/international-bar-association-raises-judicial-independence-in-turkey-to-un
[viii] EUROPEAN ASSOCIATION OF JUDGES. Resolution on the Situation of the Judiciary in Turkey. https://www.iaj-belgium.be/en/resolution-situation-turkey/
[ix] INTERNATIONAL ASSOCIATION OF JUDGES. Appeal: the end of the rule of law in Turkey. http://www.ekou.ee/doc/2017-04-04_Turkey-IAJ.pdf
[x] AL-MONITOR: the pulse of the Middle East. Turkish Lawyers focus of 2019 Day of the Endangered Lawyer. https://www.al-monitor.com/pulse/originals/2019/02/turkey-judicial-harassment-become-institutionalized.html
[xi] INTERNATIONAL ASSOCIATION OF DEMOCRATIC LAWYERS. On the Day of the Lawyer: IADL stands in solidarity with imprisoned lawyers in Turkey. https://iadllaw.org/2019/04/on-day-of-the-lawyer-iadl-stands-in-solidarity-with-imprisoned-lawyers-in-turkey-watch-video/
[xii] EUROPEAN ASSOCIATION OF LAWYERS FOR DEMOCRACY & WORLD HUMAN RIGHTS. Political Trials Against Lawyers and Political Activists in Turkey and Other Countries. https://eldh.eu/2018/12/31/political-trials-against-lawyers-and-political-activists-in-turkey-and-other-countries/
[xiii] VERENIGING SOCIALE ADVOCATUUR NEDERLAND. https://www.vsanadvocaten.nl/.
https://dayoftheendangeredlawyer.eu/2019-turkey/
[xiv] THE ARRESTED LAWYERS INITIATIVE. 21 Lawyers were sentenced in Istambul. https://arrestedlawyers.org/2018/08/20/21-lawyers-were-sentenced-in-istanbul/
[xv] DEFEND LAWYERS. IAPL Monitoring Committee on Attacks on Lawyers. Turkey: Statement on the situation of lawyers in Turkey. https://defendlawyers.wordpress.com/2019/04/05/turkey-statement-on-situation-of-lawyers-in-turkey/
[xvi] LAWYERS FOR LAWYERS. Selçuk Kozagaçli to receive L4L Award 2019. https://lawyersforlawyers.org/en/selcuk-kozagacli-to-receive-l4l-award-2019/
[xvii] OBSERVATOIRE MONDIAL DES DROITS DE LA DÉFENSE ET DES VIOLATIONS DES DROITS DES AVOCATS. Rapport 2018 Ces Avocats Assassinés, Emprisonnés, Persécutés Dans le Monde. http://www.idhae.org/idhae-fr-index2.htm
[xviii] https://asf.be/wp-content/uploads/2023/02/Press-release-20230214.pdf
[xix] Intervenção Alternativa dos Advogados de Atenas, Associação Americana de Juristas (AAJ), Associação de Advogados pela Liberdade (ÖHD), Advogados Sem Fronteiras (ASF), Centro de Pesquisa e Elaboração sobre Democracia/Grupo de Assuntos Jurídicos Internacionais, Intervenção, Confederação dos Advogados da Ásia e do Pacífico (COLAP), Conselho das Ordens dos Advogados e das Sociedades de Advogados da Europa (CCBE), Defesa Sem Fronteiras – Advogados Solidários (DSF-AS), Associação Europeia de Advogados pela Democracia e Direitos Humanos Mundiais (ELDH), Ordem dos Advogados Penais Europeus (ECBA), Advogados Democráticos Europeus (AED), Juristas Democráticos Itália Haldane, Sociedade de Advogados Socialistas, Associação Indiana de Advogados, Instituto de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Bruxelas, Associação Internacional de Advogados Democráticos (IADL), Instituto de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados Internacional (BAHRI), Comissão Internacional de Juristas Associação Internacional de Solidariedade dos Advogados do Japão (JALISA), Fundação de Reforma Judicial Advogados para Advogados (L4L, Países Baixos), Lawyers’ Rights Watch União Nacional dos Advogados dos Povos do Canadá (NULP, Filipinas), Associação de Advogados Progressistas (ÇHD, Turquia), Associação Republicana de Advogados (ARA, Alemanha), Associação Nacional de Advogados Democráticos [África do Sul] e Associação de Advogados Democratas (Países Baixos).
[xx]DÉFENSE SANS FRONTIÉRES-AVOCATS SOLIDAIRES. Communiqué Common á L´EJDH et DSF-AS Concernant la Journée de L’avocat en Turquie. http://www.defensesansfrontiere.org/revue-de-presseevegravenements
http://www.defensesansfrontiere.org/deacutefense-de-nos-confregraveres---turquie.html
[xxi] COUTINHO, Mateus, AFFONSO, Julia & MACEDO, Fausto. Juízes Brasileiros vão à ONU por 2,7 mil colegas presos na Turquia. https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/juizes-brasileiros-vao-a-onu-por-27-mil-colegas-presos-na-turquia/
[xxii] ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL. AJURIS se associa ao manifesto que exige libertação de magistrados presos na Turquia. https://apamagis.com.br/institucional/ex-presidente-da-uim-defende-a-independencia-do-judiciario-no-mundo/
[xxiii] ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE). https://www.ajufe.org.br/imprensa/notas-publicas/6969-associacao-dos-juizes-federais-do-brasil-ajufe-lanca-nota-publica-em-apoio-aos-magistrados-turcos
[xxiv] ASSOCIAÇÃO NACIONAIS DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA. ANPR Repudia o Afastamento e a Prisão de Magistrados na Turquia. http://www.anpr.org.br/noticia/4724
[xxv] ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL NACIONAL. Relações Internacionais: OAB emite nota de repúdio por violações ao estado de direito na Turquia. https://www.oab.org.br/noticia/56285/relacoes-internacionais-oab-emite-nota-de-repudio-por-violacoes-ao-estado-de-direito-na-turquia
[xxvi] EU will not lift visas unless Turkey eases terrorism laws. https://www.reuters.com/article/us-eu-turkey-celik/eu-will-not-lift-visas-unless-turkey-eases-terrorism-laws-idUSKCN1G00U0
COM A PALAVRA, O EMBAIXADOR DA TURQUIA, HALIL IBRAHIM AKCA
Em seu artigo, a autora apresenta muitas alegações infundadas sobre a luta de Türkiye contra o terrorismo e seu Estado de Direito.
Antes de tocar na essência de suas afirmações, os leitores devem saber que não se pode racionalmente esperar que a autora tenha uma posição objetiva sobre o assunto, pois a mesma trabalha como conselheira consultiva no Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT), que é uma organização afiliada a Organização Terrorista Fethullah, FETÖ; o que explica o porquê do seu artigo!
Uma vez que seu artigo “esclarece” o que FETÖ não é, em primeiro lugar é necessário retificar brevemente o que FETÖ realmente é. A FETÖ é um grupo que começou como um culto e que evoluiu para uma rede global obscura de atividades ilegítimas e transações ilegais com ligações com serviços de inteligência estrangeiros. A FETO, que é um ecossistema de circuito fechado, mira as amizades da Türkiye e procura miná-las nos países onde existem. É claro que a ideia por trás de escrever tal artigo é isentar a FETÖ de seus crimes. O objetivo é influenciar os órgãos administrativos e judiciais brasileiros em suas decisões sobre os pedidos de extradição e asilo de membros da FETÖ no Brasil, já que muitos membros da FETÖ que fogem do sistema judicial turco infelizmente estão buscando refúgio aqui, explorando o sistema de asilo brasileiro.
A rede criminosa FETO difere de muitos outros grupos semelhantes na forma como funciona. De um lado está o aparato clandestino da FETO, cujos membros se infiltraram na burocracia, no judiciário e nas forças militares turcas por meio de laços nepotistas de fraude. Do outro, há uma rede de escolas e uma pletora de ONGs encarregadas de variadas agendas, como o engajamento ostensivo com o “diálogo inter-religioso”. Essas atividades aparentemente legítimas são, de fato, uma cobertura conveniente da FETO, não apenas para atrair apoiadores para sua rede global, mas também para esconder seu objetivo final de tomar o poder do Estado turco, como ditado por seu líder atualmente baseado nos EUA. Alcançar seu objetivo final mais rápido foi de fato a motivação da FETO por trás do fracassado golpe de 15 de julho.
Ao ler um artigo sobre a luta de Türkiye contra o terrorismo da FETÖ, deve-se conhecer seu contexto. Um ataque muito mais brutal à democracia do que os atentados de 8 de janeiro no Brasil foi vivido em 15 de julho de 2016. Nesse dia, a Türkiye enfrentou uma violenta tentativa de golpe de Estado sem precedentes em escala perpetrada pela FETÖ, uma organização terrorista clandestina que se infiltrou insidiosamente em postos críticos do governo, tentou destruir a democracia e assumir o governo democraticamente eleito em 15 de julho.
Esta tentativa de golpe custou a vida a 251 cidadãos turcos e feriu mais de 2000. Várias instituições-chave que representam a vontade do povo turco, em primeiro lugar o Parlamento, foram fortemente atacadas.
É, no entanto, um equívoco assumir que a FETO representa uma ameaça apenas à segurança nacional e à ordem pública turcas. A FETO tem como objetivo estabelecer influência política e econômica onde quer que atue.
Vê-se no artigo que a autora cobre propositalmente esses fatos como se eles nunca tivessem acontecido e a FETÖ não estivesse por trás desses crimes. A autora também trabalha duro para reforçar suas afirmações, referindo-se a histórias fictícias sobre o Império Otomano, bem como criticando a política da Türkiye em relação ao Hamas, em um aparente movimento para ganhar a simpatia de diferentes segmentos da sociedade.
A fim de restaurar a democracia turca e proteger os direitos e liberdades dos cidadãos turcos, as estruturas nas quais a FETÖ se infiltrou durante décadas em todos os ramos do governo, assim como nas forças armadas e no judiciário, precisaram ser completamente erradicadas. Na era pós-15 de julho, enquanto os membros da FETO envolvidos no golpe fracassado eram levados à Justiça, alguns golpistas da FETO conseguiram escapar da justiça fugindo do país e encontraram refúgio seguro no exterior explorando os sistemas nacionais de asilo, apoiados por uma rede de interesses, como exemplifica o artigo de Costa Maia.
No entanto, todas as medidas aplicadas pelo Governo turco para o efeito foram, como deveriam, sujeitas a mecanismos de controle administrativo e judicial eficazes, incluindo o direito de apresentar um pedido individual ao Tribunal Constitucional, que é reconhecido pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (ECHR). Além dos recursos internos existentes, foi criada Comissão de Inquérito sobre Medidas do Estado de Emergência com vista a receber pedidos relativos a atos administrativos praticados ao abrigo do Decreto-Lei promulgado durante o Estado de Emergência, declarado logo após a tentativa de golpe. A própria ECHR reconheceu a Comissão como uma solução válida. Também estão disponíveis outras vias de recurso contra as decisões da Comissão e um pedido pode ser apresentado perante o ECHR após esgotarem-se os recursos internos.
Mesmo antes da tentativa de golpe, a FETÖ era conhecida por empregar estratégias complexas para avançar sua agenda. Entre elas, chantagear políticos e burocratas, fraudar em massa concursos públicos, incluindo até mesmo vestibulares a fim de colocar seus membros em postos-chave do governo praticando assim engenharia social; manipulação e doutrinação; apresentando histórias fabricadas para desencadear processos judiciais contra seus oponentes por meio de sua extensa rede de meios de comunicação, empresas, escolas e ONGs.
A FETÖ agora a utiliza a estratégia de se apresentar como vítima de violações dos direitos humanos para esconder seus crimes. Seus membros tentam deliberadamente enganar e manipular a opinião pública internacional, espalhando falsas alegações contra a Türkiye. Estas incluem alegações infundadas de prisões e detenções arbitrárias, tortura e até desaparecimentos forçados enquanto seus membros se escondem sob as ordens de seu líder. De fato, foi a própria FETÖ que perpetrou graves violações dos direitos humanos na Türkiye, incluindo a morte a sangue frio de civis inocentes, violando assim o direito fundamental à vida de centenas de cidadãos turcos.
Em suma, a Türkiye defende resolutamente os valores e padrões democráticos e, portanto, está determinada a proteger e promover os direitos humanos ao nível mais alto. Há uma comunidade de mídia ativa e pluralista desfrutando de padrões internacionais de liberdade de expressão e mídia na Türkiye. A liberdade de expressão e a liberdade dos meios de comunicação social são salvaguardadas pela nossa Constituição e por outras legislações pertinentes.
Halil Ibrahim Akca, embaixador da República de Türkiye