A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, fez uma crítica dura às big techs e às redes sociais nesta segunda-feira, 29, as associando ao que chamou de 'grande desafio da dignidade' hoje. Na avaliação da ministra, as empresas responsáveis pelas plataformas põem em risco a 'transformação da humanidade, dos processos político, econômico e social, por novas formas de dominação'.
A ministra, segunda mulher a conquistar uma cadeira na Corte máxima, recorreu a uma memória para explicar seu raciocínio: "Um dos melhores amigos que tenho, o velho presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros Marcelo Cerqueira, um velho comunista me dizia, quando eu era jovem, que havia um slogan assim: 'Você pensa que pensa? Pensa mal. Quem pensa por você é o comitê central'.
Depois eu contava isso para o papai e ele dizia: 'Ah só muda uma coisa: Você pensa que pensa? Pensa mal. Quem pensa por você é o comercial'. 'Aqui em casa', ele dizia, 'vocês não precisam de nada e aí olham para a televisão e dizem estou precisadíssima de tal coisa'".
Nessa linha, Cármen ponderou: "Agora está pior: Você pensa que pensa? Pensa mal. Quem pensa por você é a rede social. Quem vota por você é a rede social. O que que é? Resolvemos que o faroeste digital vai ser bom? O faroeste digital em uma sociedade vai dar em um estado democrático de direito?", questionou.
A magistrada palestrou na tarde desta segunda-feira, 29, sobre o tema 'a dignidade da pessoa humana e o STF' durante reunião-almoço promovida pelo Instituto dos Advogados de São Paulo. Durante a exposição, lembrou que o filósofo Immanuel Kant dizia que a dignidade é o que não tem preço. "O que tiver preço, pode ser mudado. O ser humano tem dignidade. Ele não tem preço. Por isso que nós somos dignos para sermos livres. E ai a vem as tecnologias, que em 1957, referindo-se a outra realidade, Albert Camus dizia: 'Essas tecnologias ensandecidas'. Mal sabia ele", indicou.
Segundo Cármen as tecnologias não são 'ensandecidas', elas têm uma programação. Cármen disse que as big techs 'não são multinacionais, sabem onde é o gabinete do gerente, sabem o que ganham'. "Elas transformam e nos estão colocando em risco de transformar a humanidade, o processo político, o processo econômico, o processo social por novas formas de dominação".
A ministra destacou que, 'até aqui', a humanidade viu guerras por causa de terra, 'as coisas submetidas à vontade de alguém', um contexto em que o 'escravizado buscava se libertar'. Agora a dominação é 'pela interna', diz. "Pergunte a pessoa porque quer fazer isso, vai dizer que gostou, mas não pensou. Quem não pensa não é livre, quem não pensa não é digno. A democracia se baseia na força e na ciência de que quanto mais você pensar mais você é livre. A Constituição é um documento de libertação", ressaltou.
"Querer que o povo não se liberte, por dominação interna ou externa, tudo isso é uma forma de escravizar. Mas ainda assim as pessoas lutavam. Hoje dão uma tela azulada e dizem 'não preste atenção ao olho do outro'. E a pessoa acredita nisso. É o que essas tecnologias fazem, racionalmente objetivamente pensando no que estão fazendo e o que querem", completou.
As críticas de Cármen às 'tecnologias' se dão em meio a um impasse envolvendo o Supremo e o Congresso Nacional, com cerne nas big techs e sua responsabilidade sobre discurso de ódio e desinformação nas redes sociais. A Corte máxima está pronta para julgar ações que tratam do tema, enquanto o parlamento discute o chamado PL das Fake News.