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Opinião|Reforma do Código Civil: risco de insegurança jurídica


Alterações legislativas devem se orientar pela temperança, pelo senso de justiça e servir de meio para estimular investimentos e minimizar a insegurança jurídica. É o norte que se espera para as discussões sobre esse anteprojeto, sempre lembrando que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose

Por Diego Herrera de Moraes, Fernando Dantas M. Neustein, Mirelle Bittencourt Lotufo e Raphael Augusto Lopes de Freitas

O Código Civil é uma das leis mais abrangentes do ordenamento jurídico brasileiro, regulando desde relações familiares até obrigações contratuais e empresariais. É uma lei com vocação para a longevidade e, com apenas 20 anos, já foi alterada várias vezes, embora de forma pontual. Todavia, em abril de 2024, o Senado Federal recebeu um anteprojeto para reformá-lo, propondo mudanças profundas e estruturais que podem gerar incertezas jurídicas e, por isso, não são promissoras.

Qualquer mudança legal gera efeitos, uma vez que a sociedade se organiza em torno das leis. Nos principais mercados do mundo, a formulação de leis segue a metodologia do “evidence-based policy”, com projeções estatísticas de efeitos, após detalhado estudo sobre a necessidade objetiva de nova norma. A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), por exemplo, exige que propostas de alteração normativa sejam precedidas por uma análise de impacto regulatório, garantindo que a legislação seja fundada em dados concretos e com metas claras.

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Todavia, o anteprojeto de revisão do Código Civil não seguiu essa abordagem criteriosa. Sem um estudo de impacto regulatório prévio e elaborado em curto espaço de tempo, ele propõe mudanças sem a análise dos seus efeitos. Isso reforça a importância de discussão mais aprofundada sobre a proposta, para evitar retrocessos e incremento injustificado de custos de transação.

Uma das inovações do anteprojeto é o artigo 944-A, que introduz a multa de natureza punitiva e a indenização por danos extrapatrimoniais, similar ao “punitive damages” do direito norte-americano. Essa figura jurídica é estranha ao nosso sistema, no qual a punição é, em regra, tema exclusivo do direito criminal. Além disso, a inclusão dessa disposição, que prevê a possibilidade de majoração da indenização até o quádruplo do valor fixado com base na extensão do dano, favorece desmesuras no arbitramento de indenizações, deslocando o foco da reparação à vítima para a punição do agente.

O anteprojeto também visa a alterar regras consolidadas, introduzindo disposições contraditórias. Por exemplo, o artigo 944-B permite a reparação de danos indiretos, enquanto o artigo 403 do Código Civil estabelece que somente os prejuízos decorrentes de efeitos diretos e imediatos do dano são indenizáveis.

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Além disso, tem-se a descabida proposta de alteração dos critérios para indenização em casos de atividades de risco. Hoje, responde objetivamente quem causa danos em decorrência de atividade que implique risco a direitos de terceiros. O anteprojeto, porém, propõe ampliar essa responsabilidade para atividades que, mesmo não sendo essencialmente perigosas, induzam, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem (artigo 927-B, §1º). Essa redação, repleta de conceitos indeterminados e subjetivos, pode levar à responsabilização de qualquer atividade lícita, mesmo sem risco inerente.

O anteprojeto é também pródigo em conceitos abertos que podem gerar consequências gravosas: por exemplo, introduz a “conformidade com as normas de ordem pública” como requisito de validade do negócio jurídico (artigo 104, IV), podendo este ser declarado nulo se “fraudar [...] norma de ordem pública” (artigo 166, VI). Além disso, prevê que é nula a cláusula contratual que “violar a função social do contrato” (artigo 421, §2º), conceito também utilizado para evitar a resolução contratual por adimplemento substancial (artigo 475-A, IV) ou para buscar a resolução contratual como forma de evitar a sua revisão (artigo 479, p.u., II). A ausência de consenso sobre o que é “norma de ordem pública” e “função social do contrato” certamente gerará diferentes interpretações. Esperava-se que as propostas de mudança do Código objetivassem reduzir a insegurança, não o contrário.

Uma alteração com potencial efeito em investimentos internacionais é a exigência de que sociedades estrangeiras mantenham sede física no Brasil como condição para exercer atividade empresarial (art. 1.137, II).

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O anteprojeto inclui um novo capítulo sobre direito civil digital, com diversos dispositivos que ignoram ou conflitam com leis especiais, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados. Uma das principais alterações sugeridas é a ampliação das possibilidades de remoção de conteúdo da internet, tema mais apropriado ao Marco Civil.

O Código Civil vigente foi gestado por anos antes da sua promulgação em 2002. É crucial que esse debate não seja esquecido durante as discussões do anteprojeto, cujo encaminhamento não só deve envolver as novas tecnologias para medição de impacto, como também avaliar criteriosamente o que se justifica modificar em um Código ainda jovem e bem-estruturado. Alterações legislativas devem se orientar pela temperança, pelo senso de justiça e servir de meio para estimular investimentos e minimizar a insegurança jurídica. É o Norte que se espera para as discussões sobre esse anteprojeto, sempre lembrando que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

O Código Civil é uma das leis mais abrangentes do ordenamento jurídico brasileiro, regulando desde relações familiares até obrigações contratuais e empresariais. É uma lei com vocação para a longevidade e, com apenas 20 anos, já foi alterada várias vezes, embora de forma pontual. Todavia, em abril de 2024, o Senado Federal recebeu um anteprojeto para reformá-lo, propondo mudanças profundas e estruturais que podem gerar incertezas jurídicas e, por isso, não são promissoras.

Qualquer mudança legal gera efeitos, uma vez que a sociedade se organiza em torno das leis. Nos principais mercados do mundo, a formulação de leis segue a metodologia do “evidence-based policy”, com projeções estatísticas de efeitos, após detalhado estudo sobre a necessidade objetiva de nova norma. A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), por exemplo, exige que propostas de alteração normativa sejam precedidas por uma análise de impacto regulatório, garantindo que a legislação seja fundada em dados concretos e com metas claras.

Todavia, o anteprojeto de revisão do Código Civil não seguiu essa abordagem criteriosa. Sem um estudo de impacto regulatório prévio e elaborado em curto espaço de tempo, ele propõe mudanças sem a análise dos seus efeitos. Isso reforça a importância de discussão mais aprofundada sobre a proposta, para evitar retrocessos e incremento injustificado de custos de transação.

Uma das inovações do anteprojeto é o artigo 944-A, que introduz a multa de natureza punitiva e a indenização por danos extrapatrimoniais, similar ao “punitive damages” do direito norte-americano. Essa figura jurídica é estranha ao nosso sistema, no qual a punição é, em regra, tema exclusivo do direito criminal. Além disso, a inclusão dessa disposição, que prevê a possibilidade de majoração da indenização até o quádruplo do valor fixado com base na extensão do dano, favorece desmesuras no arbitramento de indenizações, deslocando o foco da reparação à vítima para a punição do agente.

O anteprojeto também visa a alterar regras consolidadas, introduzindo disposições contraditórias. Por exemplo, o artigo 944-B permite a reparação de danos indiretos, enquanto o artigo 403 do Código Civil estabelece que somente os prejuízos decorrentes de efeitos diretos e imediatos do dano são indenizáveis.

Além disso, tem-se a descabida proposta de alteração dos critérios para indenização em casos de atividades de risco. Hoje, responde objetivamente quem causa danos em decorrência de atividade que implique risco a direitos de terceiros. O anteprojeto, porém, propõe ampliar essa responsabilidade para atividades que, mesmo não sendo essencialmente perigosas, induzam, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem (artigo 927-B, §1º). Essa redação, repleta de conceitos indeterminados e subjetivos, pode levar à responsabilização de qualquer atividade lícita, mesmo sem risco inerente.

O anteprojeto é também pródigo em conceitos abertos que podem gerar consequências gravosas: por exemplo, introduz a “conformidade com as normas de ordem pública” como requisito de validade do negócio jurídico (artigo 104, IV), podendo este ser declarado nulo se “fraudar [...] norma de ordem pública” (artigo 166, VI). Além disso, prevê que é nula a cláusula contratual que “violar a função social do contrato” (artigo 421, §2º), conceito também utilizado para evitar a resolução contratual por adimplemento substancial (artigo 475-A, IV) ou para buscar a resolução contratual como forma de evitar a sua revisão (artigo 479, p.u., II). A ausência de consenso sobre o que é “norma de ordem pública” e “função social do contrato” certamente gerará diferentes interpretações. Esperava-se que as propostas de mudança do Código objetivassem reduzir a insegurança, não o contrário.

Uma alteração com potencial efeito em investimentos internacionais é a exigência de que sociedades estrangeiras mantenham sede física no Brasil como condição para exercer atividade empresarial (art. 1.137, II).

O anteprojeto inclui um novo capítulo sobre direito civil digital, com diversos dispositivos que ignoram ou conflitam com leis especiais, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados. Uma das principais alterações sugeridas é a ampliação das possibilidades de remoção de conteúdo da internet, tema mais apropriado ao Marco Civil.

O Código Civil vigente foi gestado por anos antes da sua promulgação em 2002. É crucial que esse debate não seja esquecido durante as discussões do anteprojeto, cujo encaminhamento não só deve envolver as novas tecnologias para medição de impacto, como também avaliar criteriosamente o que se justifica modificar em um Código ainda jovem e bem-estruturado. Alterações legislativas devem se orientar pela temperança, pelo senso de justiça e servir de meio para estimular investimentos e minimizar a insegurança jurídica. É o Norte que se espera para as discussões sobre esse anteprojeto, sempre lembrando que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

O Código Civil é uma das leis mais abrangentes do ordenamento jurídico brasileiro, regulando desde relações familiares até obrigações contratuais e empresariais. É uma lei com vocação para a longevidade e, com apenas 20 anos, já foi alterada várias vezes, embora de forma pontual. Todavia, em abril de 2024, o Senado Federal recebeu um anteprojeto para reformá-lo, propondo mudanças profundas e estruturais que podem gerar incertezas jurídicas e, por isso, não são promissoras.

Qualquer mudança legal gera efeitos, uma vez que a sociedade se organiza em torno das leis. Nos principais mercados do mundo, a formulação de leis segue a metodologia do “evidence-based policy”, com projeções estatísticas de efeitos, após detalhado estudo sobre a necessidade objetiva de nova norma. A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), por exemplo, exige que propostas de alteração normativa sejam precedidas por uma análise de impacto regulatório, garantindo que a legislação seja fundada em dados concretos e com metas claras.

Todavia, o anteprojeto de revisão do Código Civil não seguiu essa abordagem criteriosa. Sem um estudo de impacto regulatório prévio e elaborado em curto espaço de tempo, ele propõe mudanças sem a análise dos seus efeitos. Isso reforça a importância de discussão mais aprofundada sobre a proposta, para evitar retrocessos e incremento injustificado de custos de transação.

Uma das inovações do anteprojeto é o artigo 944-A, que introduz a multa de natureza punitiva e a indenização por danos extrapatrimoniais, similar ao “punitive damages” do direito norte-americano. Essa figura jurídica é estranha ao nosso sistema, no qual a punição é, em regra, tema exclusivo do direito criminal. Além disso, a inclusão dessa disposição, que prevê a possibilidade de majoração da indenização até o quádruplo do valor fixado com base na extensão do dano, favorece desmesuras no arbitramento de indenizações, deslocando o foco da reparação à vítima para a punição do agente.

O anteprojeto também visa a alterar regras consolidadas, introduzindo disposições contraditórias. Por exemplo, o artigo 944-B permite a reparação de danos indiretos, enquanto o artigo 403 do Código Civil estabelece que somente os prejuízos decorrentes de efeitos diretos e imediatos do dano são indenizáveis.

Além disso, tem-se a descabida proposta de alteração dos critérios para indenização em casos de atividades de risco. Hoje, responde objetivamente quem causa danos em decorrência de atividade que implique risco a direitos de terceiros. O anteprojeto, porém, propõe ampliar essa responsabilidade para atividades que, mesmo não sendo essencialmente perigosas, induzam, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem (artigo 927-B, §1º). Essa redação, repleta de conceitos indeterminados e subjetivos, pode levar à responsabilização de qualquer atividade lícita, mesmo sem risco inerente.

O anteprojeto é também pródigo em conceitos abertos que podem gerar consequências gravosas: por exemplo, introduz a “conformidade com as normas de ordem pública” como requisito de validade do negócio jurídico (artigo 104, IV), podendo este ser declarado nulo se “fraudar [...] norma de ordem pública” (artigo 166, VI). Além disso, prevê que é nula a cláusula contratual que “violar a função social do contrato” (artigo 421, §2º), conceito também utilizado para evitar a resolução contratual por adimplemento substancial (artigo 475-A, IV) ou para buscar a resolução contratual como forma de evitar a sua revisão (artigo 479, p.u., II). A ausência de consenso sobre o que é “norma de ordem pública” e “função social do contrato” certamente gerará diferentes interpretações. Esperava-se que as propostas de mudança do Código objetivassem reduzir a insegurança, não o contrário.

Uma alteração com potencial efeito em investimentos internacionais é a exigência de que sociedades estrangeiras mantenham sede física no Brasil como condição para exercer atividade empresarial (art. 1.137, II).

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Qualquer mudança legal gera efeitos, uma vez que a sociedade se organiza em torno das leis. Nos principais mercados do mundo, a formulação de leis segue a metodologia do “evidence-based policy”, com projeções estatísticas de efeitos, após detalhado estudo sobre a necessidade objetiva de nova norma. A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), por exemplo, exige que propostas de alteração normativa sejam precedidas por uma análise de impacto regulatório, garantindo que a legislação seja fundada em dados concretos e com metas claras.

Todavia, o anteprojeto de revisão do Código Civil não seguiu essa abordagem criteriosa. Sem um estudo de impacto regulatório prévio e elaborado em curto espaço de tempo, ele propõe mudanças sem a análise dos seus efeitos. Isso reforça a importância de discussão mais aprofundada sobre a proposta, para evitar retrocessos e incremento injustificado de custos de transação.

Uma das inovações do anteprojeto é o artigo 944-A, que introduz a multa de natureza punitiva e a indenização por danos extrapatrimoniais, similar ao “punitive damages” do direito norte-americano. Essa figura jurídica é estranha ao nosso sistema, no qual a punição é, em regra, tema exclusivo do direito criminal. Além disso, a inclusão dessa disposição, que prevê a possibilidade de majoração da indenização até o quádruplo do valor fixado com base na extensão do dano, favorece desmesuras no arbitramento de indenizações, deslocando o foco da reparação à vítima para a punição do agente.

O anteprojeto também visa a alterar regras consolidadas, introduzindo disposições contraditórias. Por exemplo, o artigo 944-B permite a reparação de danos indiretos, enquanto o artigo 403 do Código Civil estabelece que somente os prejuízos decorrentes de efeitos diretos e imediatos do dano são indenizáveis.

Além disso, tem-se a descabida proposta de alteração dos critérios para indenização em casos de atividades de risco. Hoje, responde objetivamente quem causa danos em decorrência de atividade que implique risco a direitos de terceiros. O anteprojeto, porém, propõe ampliar essa responsabilidade para atividades que, mesmo não sendo essencialmente perigosas, induzam, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem (artigo 927-B, §1º). Essa redação, repleta de conceitos indeterminados e subjetivos, pode levar à responsabilização de qualquer atividade lícita, mesmo sem risco inerente.

O anteprojeto é também pródigo em conceitos abertos que podem gerar consequências gravosas: por exemplo, introduz a “conformidade com as normas de ordem pública” como requisito de validade do negócio jurídico (artigo 104, IV), podendo este ser declarado nulo se “fraudar [...] norma de ordem pública” (artigo 166, VI). Além disso, prevê que é nula a cláusula contratual que “violar a função social do contrato” (artigo 421, §2º), conceito também utilizado para evitar a resolução contratual por adimplemento substancial (artigo 475-A, IV) ou para buscar a resolução contratual como forma de evitar a sua revisão (artigo 479, p.u., II). A ausência de consenso sobre o que é “norma de ordem pública” e “função social do contrato” certamente gerará diferentes interpretações. Esperava-se que as propostas de mudança do Código objetivassem reduzir a insegurança, não o contrário.

Uma alteração com potencial efeito em investimentos internacionais é a exigência de que sociedades estrangeiras mantenham sede física no Brasil como condição para exercer atividade empresarial (art. 1.137, II).

O anteprojeto inclui um novo capítulo sobre direito civil digital, com diversos dispositivos que ignoram ou conflitam com leis especiais, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados. Uma das principais alterações sugeridas é a ampliação das possibilidades de remoção de conteúdo da internet, tema mais apropriado ao Marco Civil.

O Código Civil vigente foi gestado por anos antes da sua promulgação em 2002. É crucial que esse debate não seja esquecido durante as discussões do anteprojeto, cujo encaminhamento não só deve envolver as novas tecnologias para medição de impacto, como também avaliar criteriosamente o que se justifica modificar em um Código ainda jovem e bem-estruturado. Alterações legislativas devem se orientar pela temperança, pelo senso de justiça e servir de meio para estimular investimentos e minimizar a insegurança jurídica. É o Norte que se espera para as discussões sobre esse anteprojeto, sempre lembrando que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

O Código Civil é uma das leis mais abrangentes do ordenamento jurídico brasileiro, regulando desde relações familiares até obrigações contratuais e empresariais. É uma lei com vocação para a longevidade e, com apenas 20 anos, já foi alterada várias vezes, embora de forma pontual. Todavia, em abril de 2024, o Senado Federal recebeu um anteprojeto para reformá-lo, propondo mudanças profundas e estruturais que podem gerar incertezas jurídicas e, por isso, não são promissoras.

Qualquer mudança legal gera efeitos, uma vez que a sociedade se organiza em torno das leis. Nos principais mercados do mundo, a formulação de leis segue a metodologia do “evidence-based policy”, com projeções estatísticas de efeitos, após detalhado estudo sobre a necessidade objetiva de nova norma. A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), por exemplo, exige que propostas de alteração normativa sejam precedidas por uma análise de impacto regulatório, garantindo que a legislação seja fundada em dados concretos e com metas claras.

Todavia, o anteprojeto de revisão do Código Civil não seguiu essa abordagem criteriosa. Sem um estudo de impacto regulatório prévio e elaborado em curto espaço de tempo, ele propõe mudanças sem a análise dos seus efeitos. Isso reforça a importância de discussão mais aprofundada sobre a proposta, para evitar retrocessos e incremento injustificado de custos de transação.

Uma das inovações do anteprojeto é o artigo 944-A, que introduz a multa de natureza punitiva e a indenização por danos extrapatrimoniais, similar ao “punitive damages” do direito norte-americano. Essa figura jurídica é estranha ao nosso sistema, no qual a punição é, em regra, tema exclusivo do direito criminal. Além disso, a inclusão dessa disposição, que prevê a possibilidade de majoração da indenização até o quádruplo do valor fixado com base na extensão do dano, favorece desmesuras no arbitramento de indenizações, deslocando o foco da reparação à vítima para a punição do agente.

O anteprojeto também visa a alterar regras consolidadas, introduzindo disposições contraditórias. Por exemplo, o artigo 944-B permite a reparação de danos indiretos, enquanto o artigo 403 do Código Civil estabelece que somente os prejuízos decorrentes de efeitos diretos e imediatos do dano são indenizáveis.

Além disso, tem-se a descabida proposta de alteração dos critérios para indenização em casos de atividades de risco. Hoje, responde objetivamente quem causa danos em decorrência de atividade que implique risco a direitos de terceiros. O anteprojeto, porém, propõe ampliar essa responsabilidade para atividades que, mesmo não sendo essencialmente perigosas, induzam, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem (artigo 927-B, §1º). Essa redação, repleta de conceitos indeterminados e subjetivos, pode levar à responsabilização de qualquer atividade lícita, mesmo sem risco inerente.

O anteprojeto é também pródigo em conceitos abertos que podem gerar consequências gravosas: por exemplo, introduz a “conformidade com as normas de ordem pública” como requisito de validade do negócio jurídico (artigo 104, IV), podendo este ser declarado nulo se “fraudar [...] norma de ordem pública” (artigo 166, VI). Além disso, prevê que é nula a cláusula contratual que “violar a função social do contrato” (artigo 421, §2º), conceito também utilizado para evitar a resolução contratual por adimplemento substancial (artigo 475-A, IV) ou para buscar a resolução contratual como forma de evitar a sua revisão (artigo 479, p.u., II). A ausência de consenso sobre o que é “norma de ordem pública” e “função social do contrato” certamente gerará diferentes interpretações. Esperava-se que as propostas de mudança do Código objetivassem reduzir a insegurança, não o contrário.

Uma alteração com potencial efeito em investimentos internacionais é a exigência de que sociedades estrangeiras mantenham sede física no Brasil como condição para exercer atividade empresarial (art. 1.137, II).

O anteprojeto inclui um novo capítulo sobre direito civil digital, com diversos dispositivos que ignoram ou conflitam com leis especiais, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados. Uma das principais alterações sugeridas é a ampliação das possibilidades de remoção de conteúdo da internet, tema mais apropriado ao Marco Civil.

O Código Civil vigente foi gestado por anos antes da sua promulgação em 2002. É crucial que esse debate não seja esquecido durante as discussões do anteprojeto, cujo encaminhamento não só deve envolver as novas tecnologias para medição de impacto, como também avaliar criteriosamente o que se justifica modificar em um Código ainda jovem e bem-estruturado. Alterações legislativas devem se orientar pela temperança, pelo senso de justiça e servir de meio para estimular investimentos e minimizar a insegurança jurídica. É o Norte que se espera para as discussões sobre esse anteprojeto, sempre lembrando que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

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