A oferta de um único currículo de Ensino Médio é uma escolha que encontra poucos paralelos no mundo. Depois de um longo período, o país finalmente se reconcilia com a perspectiva de flexibilidade curricular. Saber fazer escolhas é algo a ser aprendido ainda na escola. Desde a promulgação da LDB em 1996, transcorreram-se 25 anos ao longo dos quais foram amadurecidos Parâmetros, Diretrizes e Base Comum Curricular.
Decorrido tanto tempo, a legislação em vigor estabelece como último prazo para a implementação do Novo Ensino Médio o ano letivo de 2022. Já não era sem tempo: a revolução midiática e as aceleradas transformações na sociedade tornam inviável que se planeje e se defina, com antecedência, o que é preciso aprender. A missão posta é de se conceber uma escolaridade para um mundo cujos contornos estão em permanente construção.
Uma vez definida a Legislação Maior e as orientações do Conselho Nacional, é chegado o momento em que o Conselho Educacional de cada estado deve publicar as normatizações que balizarão os currículos das escolas de seu território. Por sua vez, também, o INEP deve explicitar as matrizes dos exames pelos quais os alunos terão o seu desempenho avaliado.
É muito importante que cada escola do país tenha condições de construir as expectativas referentes a 2022 junto a professores, estudantes e suas famílias. Há todo um planejamento a ser feito para que os alunos tenham condições de fazerem as escolhas a que têm direito. Isso tem que acontecer no segundo semestre de 2021, que se reveste dessa importante função estratégica.
No entanto, chegamos ao mês de junho e o ano letivo avança sem que as matrizes do exame tenham sido divulgadas pelo INEP. Em muitos estados, o Conselho Estadual ainda não publicou as normativas pelas quais as escolas terão o seu trabalho regulamentado. O recesso de julho se aproxima sem que exista clareza acerca do currículo e da distribuição da carga horária para o ano que vem.
A diversidade curricular impacta de diferentes formas cada um dos públicos envolvidos. A Reforma do Ensino Médio convida a transbordamentos entre as disciplinas, o que pode fazer com que professores se sintam interpelados quanto à sua identidade docente e ao campo de especialidade para o qual se habilitaram. Pelo lado das escolas e dos gestores, o desafio consiste em se encontrar uma equação que assegure a viabilidade econômica desse Ensino Médio. Há escolhas estratégicas a serem feitas e riscos a serem assumidos. As editoras e produtoras de Material Didático enfrentarão desafio semelhante com o desaparecimento do currículo único, padronizado, do Oiapoque ao Chuí, que lhes permitia ganhos de escala.
A Reforma é também desafiadora para quem estabelece os critérios pelos quais o desempenho do aluno será avaliado. A tarefa de conceber as matrizes para esses exames põe o avaliador diante de um grande impasse. A renúncia a um "vestibular unificado" constitui um passo extremamente complexo. Mas a legitimidade de processos de avaliação decorre dos efeitos que produzem. Decorridos dez anos desde que o NOVO ENEM foi implantado, convém discernir até que ponto é justificável que a escolaridade dos estudantes permaneça submetida à conveniência das políticas públicas atreladas ao SISU. Não fará sentido perpetuar processos que, em nome de promover a qualidade e a inovação, venham justamente a tolhê-las.
Portanto, é também a professores, gestores e avaliadores que a Reforma curricular convoca o "domínio de Habilidades e Competências". Mas é sempre conveniente que tanto as normatizações legais quanto a avaliação partam do pressuposto da competência profissional, do compromisso e do engajamento de professores e de gestores das escolas privadas e públicas. Eventuais limitações de quem educa ou de quem avalia não os exoneram do dever de proporcionar às novas gerações de brasileiros uma experiência escolar pertinente.
De todos os públicos envolvidos, é sobretudo aos estudantes que a Reforma do Ensino Médio mais interessa. No raiar da terceira década do século XXI, diante de tantas transformações em curso, não faz sentido algum que adolescentes tenham sua escolaridade ainda atrelada a programas ou matrizes estabelecidas a priori, por uma agência central. O acesso a uma gama diversificada de itinerários formativos é direito incondicional dos alunos. Será a melhor estratégia para que possam aprender a fazer escolhas.
*Pedro Flexa Ribeiro é diretor da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP) e do Sinepe Rio