Em 2024, presenciamos importantes mudanças legislativas no cenário fiscal brasileiro, impulsionadas por desafios globais e orçamentários. Tivemos também relevantes desdobramentos sobre matérias tributárias julgadas pelos Tribunais Superiores.
Neste cenário, o presente artigo pretende, de maneira bastante resumida, apresentar uma retrospectiva das principais novidades legislativas e julgados[1] que ocorreram ao longo deste ano.
Dentre as alterações legislativas, destacamos a publicação da Lei 14.859, em maio de 2024, como alternativa à Medida Provisória 1.202/2024, que extinguiria o PERSE em abril deste ano, benefício criado pelo governo brasileiro para apoiar o setor de eventos em razão dos efeitos nefastos gerados pela pandemia de Covid-19.
Com as novas regras, o programa reduziu de 44 para 30 as atividades econômicas beneficiadas e manteve a redução a zero das alíquotas do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins apenas para este ano. Em 2025 e 2026, apenas as contribuições ao PIS e à Cofins terão as alíquotas reduzidas a zero.
Tivemos também a publicação da Lei 14.973/2024, em setembro de 2024, que introduziu significativas regras no cenário tributário brasileiro acerca da possibilidade de atualização do custo de aquisição de bens imóveis ao valor de mercado por contribuintes pessoa física ou jurídica; da reoneração gradual da folha de pagamentos, marcando o fim da CPRB a partir de janeiro de 2028; do novo programa de repatriação de bens (RERCT-geral), publicado nos mesmos moldes dos programas anteriores de 2016 e 2021; do acréscimo temporário de um adicional de alíquota à Cofins-importação para determinados bens; e do fim da atualização dos depósitos judiciais e administrativos pela Selic.
Em outubro, tivemos a publicação da MP 1.262 e da Instrução Normativa nº 2.228, que marcam o início da adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária e alinham o país às propostas da OCDE e do G20, cujo desafio principal é combater a erosão da base tributária e a concorrência fiscal entre os países, garantindo que as multinacionais estejam sujeitas a uma tributação mínima em todos os países em que atuam, evitando, com isso, o deslocamento de lucros a jurisdições de baixa tributação.
Também em outubro, o Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ publicou o Convênio 109/2024, assegurando aos contribuintes o direito à transferência do crédito do ICMS nas remessas interestaduais de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, com efeitos a partir de 1º de novembro de 2024.
O novo Convênio surge em razão da derrubada do veto presidencial ao disposto no §5º do artigo 12 da Lei Kandir (com redação proposta pela Lei Complementar 204/2023), que permite ao contribuinte do imposto optar por equiparar a transferência das mercadorias a uma operação tributada.
Retrospectiva dos Julgamentos Tributários de 2024 nos Tribunais Superiores
No ano de 2024, os Tribunais Superiores, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), trataram de matérias tributárias de grande impacto econômico e jurídico. Abaixo, sintetizamos alguns dos julgamentos mais significativos.
Tema 1245 – Cabimento da Ação Rescisória para Modulação do Tema 69
O STJ analisou o cabimento da ação rescisória para adequar decisões ao Tema 69 do STF, que discute a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Nos Recursos Especiais 2054759/RS e 2066696/RS, sob relatoria do ministro Gurgel de Faria, o Tribunal concluiu que a rescisória é viável para revisar decisões com base na modulação, beneficiando contribuintes que desejam ajustar julgados em discordância com o entendimento do STF. Essa decisão deverá impactar numerosos contribuintes que buscam defesa em ações rescisórias, visando conformar sentenças à modulação de efeitos, e coloca mais um desdobramento relevante para a “tese do século”.
Tema 1226 – Tributação de Stock Options para Fins de IR
Nos Recursos Especiais 2069644/SP e 2074564/SP, relatados pelo ministro Sérgio Kukina, o STJ estabeleceu que as stock options têm natureza mercantil e que o IR só incide no momento de alienação das ações, como ganho de capital, e não na aquisição. Essa decisão favoreceu os contribuintes ao definir que não há caráter laboral no recebimento de stock options, o que reduz a carga tributária e posterga o momento de tributação.
Tema 1079 – Limite das Contribuições ao Sistema S
A discussão sobre as contribuições para o Sistema S foi decidida no REsp 1898532/CE e no 1905870/PR, relatados pela ministra Regina Helena Costa, que entendeu não haver limite para as contribuições a terceiros, deixando de aplicar o teto de 20 salários-mínimos previsto anteriormente. Essa decisão, desfavorável aos contribuintes, trouxe uma mudança expressiva na jurisprudência, provocando inédita modulação de efeitos para garantir segurança jurídica a quem que possuía decisões favoráveis anteriores ao julgamento.
Tema 986 – Inclusão da TUSD/TUST na Base do ICMS
No Tema 986, o STJ decidiu que as tarifas de transmissão e distribuição de energia elétrica (TUSD e TUST) devem compor a base do ICMS, pois a transmissão é essencial para o consumo de energia, devendo compor valor da operação. Relatado pelo ministro Herman Benjamin, o acórdão decidiu que tais tarifas são suportadas pelo consumidor final, integrando o valor da operação, conforme previsto na Lei Complementar nº 86/1996. Essa decisão, desfavorável aos contribuintes, impactou diversos processos em que se discute a tese e limita, ainda mais, a discussão – já que o STF, em 2017, fechou a porta para a discussão constitucional da matéria no Tema 956.
Tema 684 – Incidência de PIS/COFINS sobre Receitas de Locação
O STF, ao analisar o RE 659412, decidiu que o PIS e a Cofins incidem sobre receitas de locação de bens imóveis e móveis, quando resultantes de atividade comercial. O entendimento desfavorece contribuintes que até então gozavam de desoneração em atividades, como é o caso das empresas que exploram locação de veículos. Segundo a Corte Constitucional, as receitas decorrentes de locação se enquadram no conceito de faturamento para fins de incidência de tais contribuições.
Conclusão
A partir dos casos expostos, verifica-se que o STJ teve papel proeminente na jurisprudência tributária deste ano, proferindo decisões que impactaram amplamente contribuintes de diversos setores e que, de modo geral, foram favoráveis às teses levadas ao Poder Judiciário pelas Administrações Tributárias.
Dentre os julgados selecionados, destacamos (i) a tese do Sistema S, em que houve uma virada de entendimento na jurisprudência da Corte; e (ii) o cabimento das ações rescisórias que trataram da modulação de efeitos no Tema 69, o que impactará diversos contribuintes que já compensaram seus indébitos em função de trânsito julgado sobre decisão contrária ao recorte temporal proposto pelo STF.
[1] Nesta retrospectiva, deixaremos de abordar o Tema 118 porque, ainda, não houve conclusão do julgamento que trata matéria da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS.