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Opinião|Sanha demolitória


Por José Renato Nalini

Enquanto o Velho Continente preserva sua história, apondo placas indicativas de quem residiu naquelas construções milenares, o Brasil derruba tudo o que deveria permanecer como testemunho. Impressionante verificar que a maioria dos templos na Toscana são anteriores à chegada dos portugueses nesta Terra de Santa Cruz e que a conservação é obrigação ética de cada italiano. A juventude já cresce com esse nítido respeito pela História e pelos antepassados.

São Paulo é um exemplo de como tudo se põe abaixo, como se a vida em sociedade fosse um eterno reinício. Sem recordações, sem reverências, num deliberado ostracismo pelos que já se foram.

Mas o Rio de Janeiro, que foi capital imperial e capital federal, também não é pródigo em conservar seu patrimônio arquitetônico. Se o Centro fora mantido e restaurado, seria um dos lugares mais bonitos do planeta. Confiando nas belezas naturais, que resistem à barbárie, os cariocas não hesitam em demolir tesouros.

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Um deles, a casa em que residiu, por longos anos, José Maria Machado de Assis e sua mulher Carolina. Esta era portuguesa, irmã do poeta Faustino Xavier de Novaes, mais velha do que o marido.

Nela residiu o casal por quase um quarto de século. Rua do Cosme Velho, 48. Pequeno chalé dentro de um jardim minúsculo. O casal não teve filhos e vivia só. Mobília simples. Coisa alguma de luxo. Na sala de jantar havia uma cadeira de balanço dupla, em que duas pessoas podiam se sentar, simultaneamente, uma para cada lado se balançavam aos impulsos sincrônicos, encarando-se, frente a frente.

É a cadeira que Machado menciona no “Memorial de Ayres”, o último livro de Machado, escrito após a morte de Carolina. Ali está descrita, idealizada e poetizada, a vida incomparável do casal.

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Nessa casa, hoje inexistente, após a morte de Machado, a Academia Brasileira de Letras fez colocar uma lápide, com a seguinte inscrição: “Machado de Assis. Nascido nesta cidade a 21.8.1839. Habitou esta casa 24 anos. Nela escreveu a maior parte de sua obra e faleceu a 29.9.1908. A Academia Brasileira da qual ele foi o Primeiro Presidente colocou esta lápide a 28.9.1909″.

Quanta diferença entre esse escritor universal, um talento que nunca chegou a ser igualado e aquelas criaturas que investem na construção de enormes mansões, todas elas protegidas por enormes muralhas, verdadeiros bunkers que evidenciam o medo que os ricos têm dos pobres.

Para que erguer enormes cômodos, inúmeros ambientes, se o tempo reservado para neles residir se reduz a algumas décadas, não mais?

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Quem ostenta, ainda que só para um círculo diminuto de íntimos, pois não quer que as pessoas comuns saibam qual a sua real condição financeira, enfrentará – mais dia, menos dia – a mesma democrática ocorrência que recai sobre todos os mortais. Esse encontro com a ceifadeira das vidas, com a indesejada, com a malfadada, morigerada mas inevitável morte.

Se a humanidade fosse provida de uma dose de módica solidariedade, haveria recurso suficiente para oferecer aos excluídos o mínimo existencial. Uma vida digna, uma visibilidade que hoje lhes é negada porque muitos têm cada vez mais; a maioria tem cada vez menos.

Machado de Assis viveu asceticamente. Trabalhador incessante, não falava do livro em que estava trabalhando, ou mesmo daquele cujas provas já estava revendo. Mantinha-se discreto, reservado, até em relação aos seus mais próximos. Raros souberam, como ele, guardar a altiva dignidade, o recato, o pudor do obreiro do pensamento e da palavra.

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Entretanto, está a cada dia mais vivo e permanece na consciência da lucidez que remanesce no planeta. Os que não se preocupam com sua obra, mas querem aparecer porque são proprietários de imóveis de luxo, nunca chegarão a compreender que a um ser humano verdadeiramente ético e consciente de sua pequenez, pouco importam os bens materiais.

Os tempos são dinâmicos e incontroláveis. Assim como o bucólico chalé da rua do Cosme Velho veio ao chão, mansões também um dia encontrarão o seu fim. Só que o morador da Cosme Velho, 48, continuará a figurar na História da civilização. Quantos desses preocupados com luxo e riqueza encontrarão nela um abrigo?

Enquanto o Velho Continente preserva sua história, apondo placas indicativas de quem residiu naquelas construções milenares, o Brasil derruba tudo o que deveria permanecer como testemunho. Impressionante verificar que a maioria dos templos na Toscana são anteriores à chegada dos portugueses nesta Terra de Santa Cruz e que a conservação é obrigação ética de cada italiano. A juventude já cresce com esse nítido respeito pela História e pelos antepassados.

São Paulo é um exemplo de como tudo se põe abaixo, como se a vida em sociedade fosse um eterno reinício. Sem recordações, sem reverências, num deliberado ostracismo pelos que já se foram.

Mas o Rio de Janeiro, que foi capital imperial e capital federal, também não é pródigo em conservar seu patrimônio arquitetônico. Se o Centro fora mantido e restaurado, seria um dos lugares mais bonitos do planeta. Confiando nas belezas naturais, que resistem à barbárie, os cariocas não hesitam em demolir tesouros.

Um deles, a casa em que residiu, por longos anos, José Maria Machado de Assis e sua mulher Carolina. Esta era portuguesa, irmã do poeta Faustino Xavier de Novaes, mais velha do que o marido.

Nela residiu o casal por quase um quarto de século. Rua do Cosme Velho, 48. Pequeno chalé dentro de um jardim minúsculo. O casal não teve filhos e vivia só. Mobília simples. Coisa alguma de luxo. Na sala de jantar havia uma cadeira de balanço dupla, em que duas pessoas podiam se sentar, simultaneamente, uma para cada lado se balançavam aos impulsos sincrônicos, encarando-se, frente a frente.

É a cadeira que Machado menciona no “Memorial de Ayres”, o último livro de Machado, escrito após a morte de Carolina. Ali está descrita, idealizada e poetizada, a vida incomparável do casal.

Nessa casa, hoje inexistente, após a morte de Machado, a Academia Brasileira de Letras fez colocar uma lápide, com a seguinte inscrição: “Machado de Assis. Nascido nesta cidade a 21.8.1839. Habitou esta casa 24 anos. Nela escreveu a maior parte de sua obra e faleceu a 29.9.1908. A Academia Brasileira da qual ele foi o Primeiro Presidente colocou esta lápide a 28.9.1909″.

Quanta diferença entre esse escritor universal, um talento que nunca chegou a ser igualado e aquelas criaturas que investem na construção de enormes mansões, todas elas protegidas por enormes muralhas, verdadeiros bunkers que evidenciam o medo que os ricos têm dos pobres.

Para que erguer enormes cômodos, inúmeros ambientes, se o tempo reservado para neles residir se reduz a algumas décadas, não mais?

Quem ostenta, ainda que só para um círculo diminuto de íntimos, pois não quer que as pessoas comuns saibam qual a sua real condição financeira, enfrentará – mais dia, menos dia – a mesma democrática ocorrência que recai sobre todos os mortais. Esse encontro com a ceifadeira das vidas, com a indesejada, com a malfadada, morigerada mas inevitável morte.

Se a humanidade fosse provida de uma dose de módica solidariedade, haveria recurso suficiente para oferecer aos excluídos o mínimo existencial. Uma vida digna, uma visibilidade que hoje lhes é negada porque muitos têm cada vez mais; a maioria tem cada vez menos.

Machado de Assis viveu asceticamente. Trabalhador incessante, não falava do livro em que estava trabalhando, ou mesmo daquele cujas provas já estava revendo. Mantinha-se discreto, reservado, até em relação aos seus mais próximos. Raros souberam, como ele, guardar a altiva dignidade, o recato, o pudor do obreiro do pensamento e da palavra.

Entretanto, está a cada dia mais vivo e permanece na consciência da lucidez que remanesce no planeta. Os que não se preocupam com sua obra, mas querem aparecer porque são proprietários de imóveis de luxo, nunca chegarão a compreender que a um ser humano verdadeiramente ético e consciente de sua pequenez, pouco importam os bens materiais.

Os tempos são dinâmicos e incontroláveis. Assim como o bucólico chalé da rua do Cosme Velho veio ao chão, mansões também um dia encontrarão o seu fim. Só que o morador da Cosme Velho, 48, continuará a figurar na História da civilização. Quantos desses preocupados com luxo e riqueza encontrarão nela um abrigo?

Enquanto o Velho Continente preserva sua história, apondo placas indicativas de quem residiu naquelas construções milenares, o Brasil derruba tudo o que deveria permanecer como testemunho. Impressionante verificar que a maioria dos templos na Toscana são anteriores à chegada dos portugueses nesta Terra de Santa Cruz e que a conservação é obrigação ética de cada italiano. A juventude já cresce com esse nítido respeito pela História e pelos antepassados.

São Paulo é um exemplo de como tudo se põe abaixo, como se a vida em sociedade fosse um eterno reinício. Sem recordações, sem reverências, num deliberado ostracismo pelos que já se foram.

Mas o Rio de Janeiro, que foi capital imperial e capital federal, também não é pródigo em conservar seu patrimônio arquitetônico. Se o Centro fora mantido e restaurado, seria um dos lugares mais bonitos do planeta. Confiando nas belezas naturais, que resistem à barbárie, os cariocas não hesitam em demolir tesouros.

Um deles, a casa em que residiu, por longos anos, José Maria Machado de Assis e sua mulher Carolina. Esta era portuguesa, irmã do poeta Faustino Xavier de Novaes, mais velha do que o marido.

Nela residiu o casal por quase um quarto de século. Rua do Cosme Velho, 48. Pequeno chalé dentro de um jardim minúsculo. O casal não teve filhos e vivia só. Mobília simples. Coisa alguma de luxo. Na sala de jantar havia uma cadeira de balanço dupla, em que duas pessoas podiam se sentar, simultaneamente, uma para cada lado se balançavam aos impulsos sincrônicos, encarando-se, frente a frente.

É a cadeira que Machado menciona no “Memorial de Ayres”, o último livro de Machado, escrito após a morte de Carolina. Ali está descrita, idealizada e poetizada, a vida incomparável do casal.

Nessa casa, hoje inexistente, após a morte de Machado, a Academia Brasileira de Letras fez colocar uma lápide, com a seguinte inscrição: “Machado de Assis. Nascido nesta cidade a 21.8.1839. Habitou esta casa 24 anos. Nela escreveu a maior parte de sua obra e faleceu a 29.9.1908. A Academia Brasileira da qual ele foi o Primeiro Presidente colocou esta lápide a 28.9.1909″.

Quanta diferença entre esse escritor universal, um talento que nunca chegou a ser igualado e aquelas criaturas que investem na construção de enormes mansões, todas elas protegidas por enormes muralhas, verdadeiros bunkers que evidenciam o medo que os ricos têm dos pobres.

Para que erguer enormes cômodos, inúmeros ambientes, se o tempo reservado para neles residir se reduz a algumas décadas, não mais?

Quem ostenta, ainda que só para um círculo diminuto de íntimos, pois não quer que as pessoas comuns saibam qual a sua real condição financeira, enfrentará – mais dia, menos dia – a mesma democrática ocorrência que recai sobre todos os mortais. Esse encontro com a ceifadeira das vidas, com a indesejada, com a malfadada, morigerada mas inevitável morte.

Se a humanidade fosse provida de uma dose de módica solidariedade, haveria recurso suficiente para oferecer aos excluídos o mínimo existencial. Uma vida digna, uma visibilidade que hoje lhes é negada porque muitos têm cada vez mais; a maioria tem cada vez menos.

Machado de Assis viveu asceticamente. Trabalhador incessante, não falava do livro em que estava trabalhando, ou mesmo daquele cujas provas já estava revendo. Mantinha-se discreto, reservado, até em relação aos seus mais próximos. Raros souberam, como ele, guardar a altiva dignidade, o recato, o pudor do obreiro do pensamento e da palavra.

Entretanto, está a cada dia mais vivo e permanece na consciência da lucidez que remanesce no planeta. Os que não se preocupam com sua obra, mas querem aparecer porque são proprietários de imóveis de luxo, nunca chegarão a compreender que a um ser humano verdadeiramente ético e consciente de sua pequenez, pouco importam os bens materiais.

Os tempos são dinâmicos e incontroláveis. Assim como o bucólico chalé da rua do Cosme Velho veio ao chão, mansões também um dia encontrarão o seu fim. Só que o morador da Cosme Velho, 48, continuará a figurar na História da civilização. Quantos desses preocupados com luxo e riqueza encontrarão nela um abrigo?

Opinião por José Renato Nalini

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