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Saúde e inovação: um caminho inevitável para democratizar e melhorar o atendimento à população


Por Claudio Lottenberg
Claudio Lottenberg. FOTO: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

Ninguém tem dúvidas sobre quanto um sistema de saúde é central e essencial na vida de qualquer sociedade. Os modelos de atenção à saúde e organização do sistema variam de país para país, mas todos são totalmente estratégicos, especialmente quando submetidos a situações atípicas. A pandemia da COVID-19 realçou este fato, deixando um vasto aprendizado e trazendo novos desafios. E o principal legado é que práticas inovadoras, como a telessaúde, podem ampliar acesso e dar maior eficiência ao sistema.

No Brasil, o sistema nacional de saúde se organiza através de dois braços: o SUS, que responde ao direito constitucional à saúde e se propõe a garantir acesso universal e cobertura integral a todos os brasileiros; e a saúde suplementar, que responde pelos cuidados à cerca de 50 milhões de vida. Isto sem falar no sistema de desembolso direto dos cidadãos na compra de medicamentos e contratação de serviços privados.

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Em cada um dos dois subsistemas brasileiros - o SUS e a saúde suplementar - há limites, gargalos e desafios. A reforma sanitária brasileira de 1988 produziu um inequívoco avanço social. O SUS é uma política pública inclusiva que conquistou muitas vitórias e melhorou os indicadores de saúde do país. Mas é inegável que estamos longe de oferecer uma atenção de qualidade à população.

O subfinanciamento é crônico, existem grandes vazios assistenciais, há graves problemas de resolutividade e eficiência, dificuldades de acesso, carência de recursos humanos, fragmentação da oferta de serviços e judicialização excessiva. A equação que desafia o SUS é complexa e de difícil solução: direitos amplos e generosos assegurados pela Constituição, escassez de recursos, e custos crescente, graças à transição demográfica com o envelhecimento da população e a contínua incorporação de novas tecnologias, cada vez mais sofisticadas e caras.

A saúde suplementar tem um financiamento mais adequado, embora haja um obstáculo claro na expansão de sua cobertura: o baixo nível médio de renda da população. A cada crise econômica uma faixa limite perde a capacidade de pagar seus planos de saúde ou se desempregam perdendo a cobertura do plano empresarial. Foi assim na recessão entre 2014 e 2017, quando o segmento perdeu 3 milhões de usuários. Os direitos do cliente estão fixados nas leis, nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos respectivos contratos, embora a discussão sobre rol taxativo ou exemplificativo gere uma insegurança jurídica que deve trazer ainda mais aumento de custos e dificultar ainda mais o acesso ao setor. Do lado dos custos, assim como o SUS, a Saúde Suplementar sofre os efeitos das mudanças demográficas e da incorporação tecnológica.

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O encarecimento inevitável e permanente dos sistemas de saúde não é uma peculiaridade brasileira. Trata-se de um grande desafio e de uma preocupação compartilhada por todos os países. O cenário brasileiro - com inflação médica sempre acima dos índices gerais - também se repete em todo mundo. Como dito, tanto o SUS quanto a saúde suplementar, em escalas bastante diferentes, têm limites para a expansão de seu financiamento. Qual seriam então as saídas?

A primeira é a qualificação e estruturação de uma forte estrutura de atenção primária (APS) que consiga matar o mal na raiz, realizando as ações de prevenção e monitoramento das doenças crônicas, evitando que se tornam graves e agudos na porta dos hospitais e no balcão das farmácias, quando o leite já está derramado. Seria melhor para a qualidade de vida da população e menos oneroso para o sistema de saúde, especialmente porque hoje as demandas de APS correspondem a cerca de 70% de todos os atendimentos realizados pelo SUS e Saúde Suplementar.

A segunda é o emprego intensivo e generalizado de ferramentas inovadoras na gestão dos sistemas e na atenção à saúde das pessoas. Se os recursos são escassos há que se melhorar sua produtividade, fazendo mais e melhor com cada real investido. Estamos aqui falando de prontuário eletrônico, protocolo clínico digital, telessaúde, educação permanente em saúde à distância, receituário digital, sistemas informatizados de regulação de acesso e classificação de risco.

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Em boa hora, a Câmara dos Deputados pautou a votação do Projeto de Lei No. 1998 de 2020, de autoria da Deputada Adriana Ventura e outros, que autoriza e disciplina a prática da telessaúde, prática testada e aprovada amplamente durante a pandemia. Embora já haja normas e portarias publicadas ou em processo de discussão por parte do Ministério da Saúde, do CFM, da ANVISA e ANS, a existência de uma Lei garantiria a segurança jurídica necessária para a consolidação desta importante inovação.

No entanto, é preocupante a presença no texto de adendos introduzidos recentemente pelo Senado Federal, sem chance de discussão detalhada pelos setores e pelo governo. A preocupação não é pelo mérito em si, mas pelos impactos que não foram contemplados, principalmente com relação à sobreposição da LGPD no compartilhamento de informações do paciente; sobre os impactos em políticas públicas de digitalização do SUS; além da potencial discriminação na experiência do paciente que se consulta em telessaúde.

Assim como a discussão do texto inicial, que foi feita por cerca de três anos de forma cuidadosa, é imprescindível e prudente que as alterações feitas pelo Senado em poucos minutos sejam endereçadas em fórum específico, para contemplar as preocupações pertinentes. Os adendos, como estão, impõem insegurança jurídica sobre políticas públicas, assim como impacta a construção da principal ferramenta digital de gestão e atenção à saúde, o prontuário eletrônico. Também inibe o florescimento de plataformas de receituário digital, quem têm contribuído para o aumento de eficiência das redes assistenciais de hospitais e clínicas, já que esses serviços são utilizados por mais de 10% dos principais hospitais do país e por aproximadamente 300 mil profissionais de saúde.

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Esperamos que a Câmara dos Deputados consiga aprovar o núcleo central da proposta de regulamentação da telessaúde e possibilite que os outros temas incluídos pelo Senado sejam discutidos em fóruns apropriados, afastando entraves incalculáveis à inovação tecnológica. Só assim, tornaremos menos tortuoso o já complexo caminho do financiamento e da sustentabilidade do sistema de saúde no Brasil.

*Claudio Lottenberg, mestre e doutor em Oftalmologia e presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde

Claudio Lottenberg. FOTO: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

Ninguém tem dúvidas sobre quanto um sistema de saúde é central e essencial na vida de qualquer sociedade. Os modelos de atenção à saúde e organização do sistema variam de país para país, mas todos são totalmente estratégicos, especialmente quando submetidos a situações atípicas. A pandemia da COVID-19 realçou este fato, deixando um vasto aprendizado e trazendo novos desafios. E o principal legado é que práticas inovadoras, como a telessaúde, podem ampliar acesso e dar maior eficiência ao sistema.

No Brasil, o sistema nacional de saúde se organiza através de dois braços: o SUS, que responde ao direito constitucional à saúde e se propõe a garantir acesso universal e cobertura integral a todos os brasileiros; e a saúde suplementar, que responde pelos cuidados à cerca de 50 milhões de vida. Isto sem falar no sistema de desembolso direto dos cidadãos na compra de medicamentos e contratação de serviços privados.

Em cada um dos dois subsistemas brasileiros - o SUS e a saúde suplementar - há limites, gargalos e desafios. A reforma sanitária brasileira de 1988 produziu um inequívoco avanço social. O SUS é uma política pública inclusiva que conquistou muitas vitórias e melhorou os indicadores de saúde do país. Mas é inegável que estamos longe de oferecer uma atenção de qualidade à população.

O subfinanciamento é crônico, existem grandes vazios assistenciais, há graves problemas de resolutividade e eficiência, dificuldades de acesso, carência de recursos humanos, fragmentação da oferta de serviços e judicialização excessiva. A equação que desafia o SUS é complexa e de difícil solução: direitos amplos e generosos assegurados pela Constituição, escassez de recursos, e custos crescente, graças à transição demográfica com o envelhecimento da população e a contínua incorporação de novas tecnologias, cada vez mais sofisticadas e caras.

A saúde suplementar tem um financiamento mais adequado, embora haja um obstáculo claro na expansão de sua cobertura: o baixo nível médio de renda da população. A cada crise econômica uma faixa limite perde a capacidade de pagar seus planos de saúde ou se desempregam perdendo a cobertura do plano empresarial. Foi assim na recessão entre 2014 e 2017, quando o segmento perdeu 3 milhões de usuários. Os direitos do cliente estão fixados nas leis, nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos respectivos contratos, embora a discussão sobre rol taxativo ou exemplificativo gere uma insegurança jurídica que deve trazer ainda mais aumento de custos e dificultar ainda mais o acesso ao setor. Do lado dos custos, assim como o SUS, a Saúde Suplementar sofre os efeitos das mudanças demográficas e da incorporação tecnológica.

O encarecimento inevitável e permanente dos sistemas de saúde não é uma peculiaridade brasileira. Trata-se de um grande desafio e de uma preocupação compartilhada por todos os países. O cenário brasileiro - com inflação médica sempre acima dos índices gerais - também se repete em todo mundo. Como dito, tanto o SUS quanto a saúde suplementar, em escalas bastante diferentes, têm limites para a expansão de seu financiamento. Qual seriam então as saídas?

A primeira é a qualificação e estruturação de uma forte estrutura de atenção primária (APS) que consiga matar o mal na raiz, realizando as ações de prevenção e monitoramento das doenças crônicas, evitando que se tornam graves e agudos na porta dos hospitais e no balcão das farmácias, quando o leite já está derramado. Seria melhor para a qualidade de vida da população e menos oneroso para o sistema de saúde, especialmente porque hoje as demandas de APS correspondem a cerca de 70% de todos os atendimentos realizados pelo SUS e Saúde Suplementar.

A segunda é o emprego intensivo e generalizado de ferramentas inovadoras na gestão dos sistemas e na atenção à saúde das pessoas. Se os recursos são escassos há que se melhorar sua produtividade, fazendo mais e melhor com cada real investido. Estamos aqui falando de prontuário eletrônico, protocolo clínico digital, telessaúde, educação permanente em saúde à distância, receituário digital, sistemas informatizados de regulação de acesso e classificação de risco.

Em boa hora, a Câmara dos Deputados pautou a votação do Projeto de Lei No. 1998 de 2020, de autoria da Deputada Adriana Ventura e outros, que autoriza e disciplina a prática da telessaúde, prática testada e aprovada amplamente durante a pandemia. Embora já haja normas e portarias publicadas ou em processo de discussão por parte do Ministério da Saúde, do CFM, da ANVISA e ANS, a existência de uma Lei garantiria a segurança jurídica necessária para a consolidação desta importante inovação.

No entanto, é preocupante a presença no texto de adendos introduzidos recentemente pelo Senado Federal, sem chance de discussão detalhada pelos setores e pelo governo. A preocupação não é pelo mérito em si, mas pelos impactos que não foram contemplados, principalmente com relação à sobreposição da LGPD no compartilhamento de informações do paciente; sobre os impactos em políticas públicas de digitalização do SUS; além da potencial discriminação na experiência do paciente que se consulta em telessaúde.

Assim como a discussão do texto inicial, que foi feita por cerca de três anos de forma cuidadosa, é imprescindível e prudente que as alterações feitas pelo Senado em poucos minutos sejam endereçadas em fórum específico, para contemplar as preocupações pertinentes. Os adendos, como estão, impõem insegurança jurídica sobre políticas públicas, assim como impacta a construção da principal ferramenta digital de gestão e atenção à saúde, o prontuário eletrônico. Também inibe o florescimento de plataformas de receituário digital, quem têm contribuído para o aumento de eficiência das redes assistenciais de hospitais e clínicas, já que esses serviços são utilizados por mais de 10% dos principais hospitais do país e por aproximadamente 300 mil profissionais de saúde.

Esperamos que a Câmara dos Deputados consiga aprovar o núcleo central da proposta de regulamentação da telessaúde e possibilite que os outros temas incluídos pelo Senado sejam discutidos em fóruns apropriados, afastando entraves incalculáveis à inovação tecnológica. Só assim, tornaremos menos tortuoso o já complexo caminho do financiamento e da sustentabilidade do sistema de saúde no Brasil.

*Claudio Lottenberg, mestre e doutor em Oftalmologia e presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde

Claudio Lottenberg. FOTO: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

Ninguém tem dúvidas sobre quanto um sistema de saúde é central e essencial na vida de qualquer sociedade. Os modelos de atenção à saúde e organização do sistema variam de país para país, mas todos são totalmente estratégicos, especialmente quando submetidos a situações atípicas. A pandemia da COVID-19 realçou este fato, deixando um vasto aprendizado e trazendo novos desafios. E o principal legado é que práticas inovadoras, como a telessaúde, podem ampliar acesso e dar maior eficiência ao sistema.

No Brasil, o sistema nacional de saúde se organiza através de dois braços: o SUS, que responde ao direito constitucional à saúde e se propõe a garantir acesso universal e cobertura integral a todos os brasileiros; e a saúde suplementar, que responde pelos cuidados à cerca de 50 milhões de vida. Isto sem falar no sistema de desembolso direto dos cidadãos na compra de medicamentos e contratação de serviços privados.

Em cada um dos dois subsistemas brasileiros - o SUS e a saúde suplementar - há limites, gargalos e desafios. A reforma sanitária brasileira de 1988 produziu um inequívoco avanço social. O SUS é uma política pública inclusiva que conquistou muitas vitórias e melhorou os indicadores de saúde do país. Mas é inegável que estamos longe de oferecer uma atenção de qualidade à população.

O subfinanciamento é crônico, existem grandes vazios assistenciais, há graves problemas de resolutividade e eficiência, dificuldades de acesso, carência de recursos humanos, fragmentação da oferta de serviços e judicialização excessiva. A equação que desafia o SUS é complexa e de difícil solução: direitos amplos e generosos assegurados pela Constituição, escassez de recursos, e custos crescente, graças à transição demográfica com o envelhecimento da população e a contínua incorporação de novas tecnologias, cada vez mais sofisticadas e caras.

A saúde suplementar tem um financiamento mais adequado, embora haja um obstáculo claro na expansão de sua cobertura: o baixo nível médio de renda da população. A cada crise econômica uma faixa limite perde a capacidade de pagar seus planos de saúde ou se desempregam perdendo a cobertura do plano empresarial. Foi assim na recessão entre 2014 e 2017, quando o segmento perdeu 3 milhões de usuários. Os direitos do cliente estão fixados nas leis, nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos respectivos contratos, embora a discussão sobre rol taxativo ou exemplificativo gere uma insegurança jurídica que deve trazer ainda mais aumento de custos e dificultar ainda mais o acesso ao setor. Do lado dos custos, assim como o SUS, a Saúde Suplementar sofre os efeitos das mudanças demográficas e da incorporação tecnológica.

O encarecimento inevitável e permanente dos sistemas de saúde não é uma peculiaridade brasileira. Trata-se de um grande desafio e de uma preocupação compartilhada por todos os países. O cenário brasileiro - com inflação médica sempre acima dos índices gerais - também se repete em todo mundo. Como dito, tanto o SUS quanto a saúde suplementar, em escalas bastante diferentes, têm limites para a expansão de seu financiamento. Qual seriam então as saídas?

A primeira é a qualificação e estruturação de uma forte estrutura de atenção primária (APS) que consiga matar o mal na raiz, realizando as ações de prevenção e monitoramento das doenças crônicas, evitando que se tornam graves e agudos na porta dos hospitais e no balcão das farmácias, quando o leite já está derramado. Seria melhor para a qualidade de vida da população e menos oneroso para o sistema de saúde, especialmente porque hoje as demandas de APS correspondem a cerca de 70% de todos os atendimentos realizados pelo SUS e Saúde Suplementar.

A segunda é o emprego intensivo e generalizado de ferramentas inovadoras na gestão dos sistemas e na atenção à saúde das pessoas. Se os recursos são escassos há que se melhorar sua produtividade, fazendo mais e melhor com cada real investido. Estamos aqui falando de prontuário eletrônico, protocolo clínico digital, telessaúde, educação permanente em saúde à distância, receituário digital, sistemas informatizados de regulação de acesso e classificação de risco.

Em boa hora, a Câmara dos Deputados pautou a votação do Projeto de Lei No. 1998 de 2020, de autoria da Deputada Adriana Ventura e outros, que autoriza e disciplina a prática da telessaúde, prática testada e aprovada amplamente durante a pandemia. Embora já haja normas e portarias publicadas ou em processo de discussão por parte do Ministério da Saúde, do CFM, da ANVISA e ANS, a existência de uma Lei garantiria a segurança jurídica necessária para a consolidação desta importante inovação.

No entanto, é preocupante a presença no texto de adendos introduzidos recentemente pelo Senado Federal, sem chance de discussão detalhada pelos setores e pelo governo. A preocupação não é pelo mérito em si, mas pelos impactos que não foram contemplados, principalmente com relação à sobreposição da LGPD no compartilhamento de informações do paciente; sobre os impactos em políticas públicas de digitalização do SUS; além da potencial discriminação na experiência do paciente que se consulta em telessaúde.

Assim como a discussão do texto inicial, que foi feita por cerca de três anos de forma cuidadosa, é imprescindível e prudente que as alterações feitas pelo Senado em poucos minutos sejam endereçadas em fórum específico, para contemplar as preocupações pertinentes. Os adendos, como estão, impõem insegurança jurídica sobre políticas públicas, assim como impacta a construção da principal ferramenta digital de gestão e atenção à saúde, o prontuário eletrônico. Também inibe o florescimento de plataformas de receituário digital, quem têm contribuído para o aumento de eficiência das redes assistenciais de hospitais e clínicas, já que esses serviços são utilizados por mais de 10% dos principais hospitais do país e por aproximadamente 300 mil profissionais de saúde.

Esperamos que a Câmara dos Deputados consiga aprovar o núcleo central da proposta de regulamentação da telessaúde e possibilite que os outros temas incluídos pelo Senado sejam discutidos em fóruns apropriados, afastando entraves incalculáveis à inovação tecnológica. Só assim, tornaremos menos tortuoso o já complexo caminho do financiamento e da sustentabilidade do sistema de saúde no Brasil.

*Claudio Lottenberg, mestre e doutor em Oftalmologia e presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde

Claudio Lottenberg. FOTO: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

Ninguém tem dúvidas sobre quanto um sistema de saúde é central e essencial na vida de qualquer sociedade. Os modelos de atenção à saúde e organização do sistema variam de país para país, mas todos são totalmente estratégicos, especialmente quando submetidos a situações atípicas. A pandemia da COVID-19 realçou este fato, deixando um vasto aprendizado e trazendo novos desafios. E o principal legado é que práticas inovadoras, como a telessaúde, podem ampliar acesso e dar maior eficiência ao sistema.

No Brasil, o sistema nacional de saúde se organiza através de dois braços: o SUS, que responde ao direito constitucional à saúde e se propõe a garantir acesso universal e cobertura integral a todos os brasileiros; e a saúde suplementar, que responde pelos cuidados à cerca de 50 milhões de vida. Isto sem falar no sistema de desembolso direto dos cidadãos na compra de medicamentos e contratação de serviços privados.

Em cada um dos dois subsistemas brasileiros - o SUS e a saúde suplementar - há limites, gargalos e desafios. A reforma sanitária brasileira de 1988 produziu um inequívoco avanço social. O SUS é uma política pública inclusiva que conquistou muitas vitórias e melhorou os indicadores de saúde do país. Mas é inegável que estamos longe de oferecer uma atenção de qualidade à população.

O subfinanciamento é crônico, existem grandes vazios assistenciais, há graves problemas de resolutividade e eficiência, dificuldades de acesso, carência de recursos humanos, fragmentação da oferta de serviços e judicialização excessiva. A equação que desafia o SUS é complexa e de difícil solução: direitos amplos e generosos assegurados pela Constituição, escassez de recursos, e custos crescente, graças à transição demográfica com o envelhecimento da população e a contínua incorporação de novas tecnologias, cada vez mais sofisticadas e caras.

A saúde suplementar tem um financiamento mais adequado, embora haja um obstáculo claro na expansão de sua cobertura: o baixo nível médio de renda da população. A cada crise econômica uma faixa limite perde a capacidade de pagar seus planos de saúde ou se desempregam perdendo a cobertura do plano empresarial. Foi assim na recessão entre 2014 e 2017, quando o segmento perdeu 3 milhões de usuários. Os direitos do cliente estão fixados nas leis, nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos respectivos contratos, embora a discussão sobre rol taxativo ou exemplificativo gere uma insegurança jurídica que deve trazer ainda mais aumento de custos e dificultar ainda mais o acesso ao setor. Do lado dos custos, assim como o SUS, a Saúde Suplementar sofre os efeitos das mudanças demográficas e da incorporação tecnológica.

O encarecimento inevitável e permanente dos sistemas de saúde não é uma peculiaridade brasileira. Trata-se de um grande desafio e de uma preocupação compartilhada por todos os países. O cenário brasileiro - com inflação médica sempre acima dos índices gerais - também se repete em todo mundo. Como dito, tanto o SUS quanto a saúde suplementar, em escalas bastante diferentes, têm limites para a expansão de seu financiamento. Qual seriam então as saídas?

A primeira é a qualificação e estruturação de uma forte estrutura de atenção primária (APS) que consiga matar o mal na raiz, realizando as ações de prevenção e monitoramento das doenças crônicas, evitando que se tornam graves e agudos na porta dos hospitais e no balcão das farmácias, quando o leite já está derramado. Seria melhor para a qualidade de vida da população e menos oneroso para o sistema de saúde, especialmente porque hoje as demandas de APS correspondem a cerca de 70% de todos os atendimentos realizados pelo SUS e Saúde Suplementar.

A segunda é o emprego intensivo e generalizado de ferramentas inovadoras na gestão dos sistemas e na atenção à saúde das pessoas. Se os recursos são escassos há que se melhorar sua produtividade, fazendo mais e melhor com cada real investido. Estamos aqui falando de prontuário eletrônico, protocolo clínico digital, telessaúde, educação permanente em saúde à distância, receituário digital, sistemas informatizados de regulação de acesso e classificação de risco.

Em boa hora, a Câmara dos Deputados pautou a votação do Projeto de Lei No. 1998 de 2020, de autoria da Deputada Adriana Ventura e outros, que autoriza e disciplina a prática da telessaúde, prática testada e aprovada amplamente durante a pandemia. Embora já haja normas e portarias publicadas ou em processo de discussão por parte do Ministério da Saúde, do CFM, da ANVISA e ANS, a existência de uma Lei garantiria a segurança jurídica necessária para a consolidação desta importante inovação.

No entanto, é preocupante a presença no texto de adendos introduzidos recentemente pelo Senado Federal, sem chance de discussão detalhada pelos setores e pelo governo. A preocupação não é pelo mérito em si, mas pelos impactos que não foram contemplados, principalmente com relação à sobreposição da LGPD no compartilhamento de informações do paciente; sobre os impactos em políticas públicas de digitalização do SUS; além da potencial discriminação na experiência do paciente que se consulta em telessaúde.

Assim como a discussão do texto inicial, que foi feita por cerca de três anos de forma cuidadosa, é imprescindível e prudente que as alterações feitas pelo Senado em poucos minutos sejam endereçadas em fórum específico, para contemplar as preocupações pertinentes. Os adendos, como estão, impõem insegurança jurídica sobre políticas públicas, assim como impacta a construção da principal ferramenta digital de gestão e atenção à saúde, o prontuário eletrônico. Também inibe o florescimento de plataformas de receituário digital, quem têm contribuído para o aumento de eficiência das redes assistenciais de hospitais e clínicas, já que esses serviços são utilizados por mais de 10% dos principais hospitais do país e por aproximadamente 300 mil profissionais de saúde.

Esperamos que a Câmara dos Deputados consiga aprovar o núcleo central da proposta de regulamentação da telessaúde e possibilite que os outros temas incluídos pelo Senado sejam discutidos em fóruns apropriados, afastando entraves incalculáveis à inovação tecnológica. Só assim, tornaremos menos tortuoso o já complexo caminho do financiamento e da sustentabilidade do sistema de saúde no Brasil.

*Claudio Lottenberg, mestre e doutor em Oftalmologia e presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde

Claudio Lottenberg. FOTO: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

Ninguém tem dúvidas sobre quanto um sistema de saúde é central e essencial na vida de qualquer sociedade. Os modelos de atenção à saúde e organização do sistema variam de país para país, mas todos são totalmente estratégicos, especialmente quando submetidos a situações atípicas. A pandemia da COVID-19 realçou este fato, deixando um vasto aprendizado e trazendo novos desafios. E o principal legado é que práticas inovadoras, como a telessaúde, podem ampliar acesso e dar maior eficiência ao sistema.

No Brasil, o sistema nacional de saúde se organiza através de dois braços: o SUS, que responde ao direito constitucional à saúde e se propõe a garantir acesso universal e cobertura integral a todos os brasileiros; e a saúde suplementar, que responde pelos cuidados à cerca de 50 milhões de vida. Isto sem falar no sistema de desembolso direto dos cidadãos na compra de medicamentos e contratação de serviços privados.

Em cada um dos dois subsistemas brasileiros - o SUS e a saúde suplementar - há limites, gargalos e desafios. A reforma sanitária brasileira de 1988 produziu um inequívoco avanço social. O SUS é uma política pública inclusiva que conquistou muitas vitórias e melhorou os indicadores de saúde do país. Mas é inegável que estamos longe de oferecer uma atenção de qualidade à população.

O subfinanciamento é crônico, existem grandes vazios assistenciais, há graves problemas de resolutividade e eficiência, dificuldades de acesso, carência de recursos humanos, fragmentação da oferta de serviços e judicialização excessiva. A equação que desafia o SUS é complexa e de difícil solução: direitos amplos e generosos assegurados pela Constituição, escassez de recursos, e custos crescente, graças à transição demográfica com o envelhecimento da população e a contínua incorporação de novas tecnologias, cada vez mais sofisticadas e caras.

A saúde suplementar tem um financiamento mais adequado, embora haja um obstáculo claro na expansão de sua cobertura: o baixo nível médio de renda da população. A cada crise econômica uma faixa limite perde a capacidade de pagar seus planos de saúde ou se desempregam perdendo a cobertura do plano empresarial. Foi assim na recessão entre 2014 e 2017, quando o segmento perdeu 3 milhões de usuários. Os direitos do cliente estão fixados nas leis, nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos respectivos contratos, embora a discussão sobre rol taxativo ou exemplificativo gere uma insegurança jurídica que deve trazer ainda mais aumento de custos e dificultar ainda mais o acesso ao setor. Do lado dos custos, assim como o SUS, a Saúde Suplementar sofre os efeitos das mudanças demográficas e da incorporação tecnológica.

O encarecimento inevitável e permanente dos sistemas de saúde não é uma peculiaridade brasileira. Trata-se de um grande desafio e de uma preocupação compartilhada por todos os países. O cenário brasileiro - com inflação médica sempre acima dos índices gerais - também se repete em todo mundo. Como dito, tanto o SUS quanto a saúde suplementar, em escalas bastante diferentes, têm limites para a expansão de seu financiamento. Qual seriam então as saídas?

A primeira é a qualificação e estruturação de uma forte estrutura de atenção primária (APS) que consiga matar o mal na raiz, realizando as ações de prevenção e monitoramento das doenças crônicas, evitando que se tornam graves e agudos na porta dos hospitais e no balcão das farmácias, quando o leite já está derramado. Seria melhor para a qualidade de vida da população e menos oneroso para o sistema de saúde, especialmente porque hoje as demandas de APS correspondem a cerca de 70% de todos os atendimentos realizados pelo SUS e Saúde Suplementar.

A segunda é o emprego intensivo e generalizado de ferramentas inovadoras na gestão dos sistemas e na atenção à saúde das pessoas. Se os recursos são escassos há que se melhorar sua produtividade, fazendo mais e melhor com cada real investido. Estamos aqui falando de prontuário eletrônico, protocolo clínico digital, telessaúde, educação permanente em saúde à distância, receituário digital, sistemas informatizados de regulação de acesso e classificação de risco.

Em boa hora, a Câmara dos Deputados pautou a votação do Projeto de Lei No. 1998 de 2020, de autoria da Deputada Adriana Ventura e outros, que autoriza e disciplina a prática da telessaúde, prática testada e aprovada amplamente durante a pandemia. Embora já haja normas e portarias publicadas ou em processo de discussão por parte do Ministério da Saúde, do CFM, da ANVISA e ANS, a existência de uma Lei garantiria a segurança jurídica necessária para a consolidação desta importante inovação.

No entanto, é preocupante a presença no texto de adendos introduzidos recentemente pelo Senado Federal, sem chance de discussão detalhada pelos setores e pelo governo. A preocupação não é pelo mérito em si, mas pelos impactos que não foram contemplados, principalmente com relação à sobreposição da LGPD no compartilhamento de informações do paciente; sobre os impactos em políticas públicas de digitalização do SUS; além da potencial discriminação na experiência do paciente que se consulta em telessaúde.

Assim como a discussão do texto inicial, que foi feita por cerca de três anos de forma cuidadosa, é imprescindível e prudente que as alterações feitas pelo Senado em poucos minutos sejam endereçadas em fórum específico, para contemplar as preocupações pertinentes. Os adendos, como estão, impõem insegurança jurídica sobre políticas públicas, assim como impacta a construção da principal ferramenta digital de gestão e atenção à saúde, o prontuário eletrônico. Também inibe o florescimento de plataformas de receituário digital, quem têm contribuído para o aumento de eficiência das redes assistenciais de hospitais e clínicas, já que esses serviços são utilizados por mais de 10% dos principais hospitais do país e por aproximadamente 300 mil profissionais de saúde.

Esperamos que a Câmara dos Deputados consiga aprovar o núcleo central da proposta de regulamentação da telessaúde e possibilite que os outros temas incluídos pelo Senado sejam discutidos em fóruns apropriados, afastando entraves incalculáveis à inovação tecnológica. Só assim, tornaremos menos tortuoso o já complexo caminho do financiamento e da sustentabilidade do sistema de saúde no Brasil.

*Claudio Lottenberg, mestre e doutor em Oftalmologia e presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde

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