A discussão envolvia uma Lei 9.514/1997, que criou a alienação fiduciária, sistema no qual o próprio imóvel que está sendo comprado é apresentado como garantia para o banco liberar o valor por meio do financiamento. Essa lei prevê que, em caso de não pagamento, a instituição credora pode realizar uma execução extrajudicial e retomar o imóvel. O procedimento é feito por meio de um cartório e não passa pela Justiça.
A forma mais simples de explicar como funciona a alienação fiduciária e para que ela serve no dia a dia das pessoas é com um exemplo:
Vamos supor que Pedro quer comprar um apartamento do João. Pedro não possui capital suficiente para comprar o apartamento à vista, então busca junto a um banco o valor necessário. O banco, por sua vez, concorda em emprestar o dinheiro, desde que o apartamento fique em seu nome até a quitação da dívida. Pedro, assim, ficará com a posse, morando no apartamento, e efetuando o pagamento em parcelas até a quitação integral, momento em que a propriedade será transferida para Pedro.
Isso, de forma prática, é uma relação de alienação fiduciária. É a transmissão de um bem ao credor, para que o mesmo fique com o bem em seu nome enquanto o devedor o paga, como garantia de que a dívida será quitada.
Ocorre que, caso Pedro se torne inadimplente, o banco possui a possibilidade de vender para um terceiro aquele imóvel, já que a propriedade é sua, buscando, desta forma, a quitação do bem. O banco não possui interesse na propriedade do apartamento, apenas interesse em receber o valor emprestado.
No caso que motivou o julgamento, um homem questionou a venda de seu imóvel realizada pela Caixa Econômica Federal, alegando que não houve direito à ampla defesa, ao contraditório. É que, embora haja a previsão legal para que o procedimento seja feito por meio de um cartório e não pela Justiça, muitos eram os casos em que a questão era Judicializada, entendendo, alguns juízes, que seria necessário o acesso à justiça para garantia da ampla defesa do devedor.
Desta forma, no recurso ao STF que motivou este entendimento que terá efeito vinculante aos demais casos, o devedor alegou que a permissão para que o credor execute o patrimônio sem a participação do Judiciário viola os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, representando uma forma de autotutela “repudiada pelo Estado democrático de Direito”.
O relator do processo, Ministro Fux, apontou que a Lei 9.514/1997 foi editada para facilitar o financiamento de imóveis, destacando que, nos contratos de empréstimo pelo Sistema Financeiro Imobiliário com alienação fiduciária, não há transmissão da propriedade ao devedor, apenas a transferência da posse direta do bem. A propriedade é do banco até a quitação da dívida.
“Eu entendo que essa previsão legal diminui o custo do crédito, o que considero muito importante, e minimiza a demanda pelo Poder Judiciário, já sobrecarregado”, afirmou Barroso.
A mudança é que a referida decisão do STF possui repercussão geral, ou seja, terá de ser seguida nos demais casos semelhantes em todo o país. Ou seja, a partir deste momento, com a publicação da tese afirmando o direito do banco de realizar a venda sem necessidade de uma decisão judicial, muitos devedores que antes possuíam um prazo maior para tentar quitar a dívida, perderão o seu imóvel de forma célere, diminuindo desta forma a possibilidade de defesa pela via judicial.
*Samira de Mendonça Tanus Madeira é advogada (OAB/ RJ 174.354), com especialização em Direito Processual Civil, Planejamento Sucessório e Direito Imobiliário. Extensão em Contract Law; From Trust to Promisse to Contract - Harvard University e Direitos Humanos e Novas Tecnologias pela Universidade de Coimbra. Sócia do escritório Tanus Madeira Advogados Associados, fundado em 1983, com unidades nas cidades do Rio de Janeiro e Macaé- RJ