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Opinião|Sem partidos fortes não há democracia estável


No Brasil os partidos políticos não são fortes, nem coerentes ou estáveis ideologicamente. Antagonistas se unem e se coligam visando apenas o ganho eleitoral. O palanque vira palco de constrangimentos – se é que político ainda sabe o que é constrangimento

Por Luiz Carlos Borges da Silveira
Atualização:

Nestes tempos em que um dos principais assuntos mais comentados é o fortalecimento, consolidação e defesa da democracia no Brasil, momento apropriado para reflexões sobre a indissociável relação entre o sistema democrático e partidos políticos fortes. Talvez, nossa democracia interna de vez em quando sofre solavancos devido à postura frágil do demasiadamente numeroso elenco de siglas cheias de vícios e defeitos, comprovando que quantidade não quer dizer qualidade.

Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio, obteve 400 mil votos para prefeito Foto: Acervo/TRE-RJ

Até meados do século XX, houve uma relativa estabilidade do quadro partidário no país, com siglas fortes e ideologicamente firmes e definidas. A maioria dos partidos possuía uma identidade imutável, eram agremiações de representação nacional. Seus líderes, adeptos e militância mostravam fidelidade quase religiosa. Partidos como PSD, UDN, PTB, PDC, PSP entre outros, eram os verdadeiros protagonistas da política brasileira seguidos por agremiações mais regionalizadas, no entanto representativas e com um relevante peso eleitoral. Foi o tempo da militância espontânea e engajada.

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Em meados de 1960 o governo militar extinguiu o pluripartidarismo e implantou o bipartidarismo, representado pela ARENA - Aliança Renovadora Nacional (alinhada ao regime) e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro (oposição consentida). O sistema existiu enquanto o regime tinha interesse. No ano de 1979, por Lei Federal o pluripartidarismo foi restabelecido. E, de lá para cá houve uma verdadeira sanha pela criação de todo tipo de partido até chegarmos ao número atual, um absurdo, 29 siglas estão registradas na Justiça Eleitoral. Algumas dessas siglas têm denominação que definitivamente não parece pertencer a um partido político, como Podemos, Rede, Mobiliza, Agir, Avante e Novo.

O progressivo acréscimo no número de partidos foi de início uma conveniência para acomodar as diversas correntes do pensamento e ideologias. Decorreu também de dissidências em siglas já consolidadas. Foi o caso do PSDB, em junho de 1988, criado a partir de movimento de importantes lideranças do PMDB que estavam descontentes com a linha que o partido estava seguindo na época. Entre essas lideranças estavam FHC, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa.

Em 1959, rinoceronte Cacareco recebeu 100 mil votos na eleição para vereador Foto: Acervo Estadão
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Bem mais tarde, a proliferação se deu pela facilidade de formar uma agremiação política. Os chamados “caciques”, interessados em ser donos de um partido arrebanhavam adeptos e criavam a sigla. Hoje, com Fundo Partidário e outras fontes públicas de recursos, ser dirigente partidário é uma rentável ocupação. Os partidos têm ganância por verba pública, como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, instituídos por leis aprovadas pelos próprios interessados. Não raro, vão além em busca de dinheiro não definido pela lei.

Assim, as mentalidades políticas se deturpam e os partidos perdem de vista sua real missão. Portanto, há sim necessidade de alterar as normas. O risco é que os agentes capazes da mudança são os mesmos beneficiários do status quo. A lei de Cláusula de Barreira, aplicada pela primeira vez nas eleições gerais de 2018, brecou em parte o processo de criação de partidos, aplicando restrições. Todavia não foi suficiente. Partidos ameaçados de desaparecimento se aproveitaram de brechas na legislação para formar coligações e federações. E assim sobrevivem, quase nulos de representatividade.

No Brasil os partidos políticos não são fortes, nem coerentes ou estáveis ideologicamente. Antagonistas se unem e se coligam visando apenas o ganho eleitoral. É o que se vê novamente nestas eleições municipais, quando em quase cem municípios PT e PL de Lula e Bolsonaro (que mais do que adversários são inimigos políticos) estão apoiando um mesmo candidato. O palanque vira palco de constrangimentos – se é que político ainda sabe o que é constrangimento.

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A estrutura eleitoral brasileira carece de siglas de espectro e consistência nacionais, não apenas identificadas com regiões, estados ou municípios sem se preocupar em ter uma bandeira mais ampla. E assim deixam de defender grandes e importantes propostas para o país. Ao contrário, permanecem no varejo, praticando a chamada política paroquial; adversários em um local e aliados em outro sem se importar com a coerência e com o eleitorado, que por sua vez igualmente não tem coerência, porque não vota em propostas e programas, mas sim por outros motivos que podem até ser promessas pessoais. Esse é o nosso caldeirão político-partidário. O único partido que ainda não perdeu totalmente o perfil de sigla nacionalmente identificada é o PT, embora ao longo do tempo tenha promovido alguns ajustes programáticos.

Essa amálgama ideológica que corre de norte a sul e de leste a oeste seria aceitável em um segundo turno eleitoral, quando todos partidos no primeiro tempo tenham apresentado seus candidatos e debatido suas propostas durante a campanha. Então, aqueles alijados da segunda rodada, naturalmente buscam aliar-se com um ou outro que vai decidir a eleição e com o qual se identifiquem. Assim como recentemente ocorreu na França, quando houve no segundo turno uma união de partidos heterogêneos contra o que foi definido como adversário comum a ser batido: a extrema direita.

É também preocupante observar que por aqui a política está à beira da desmoralização. Os próprios candidatos não a levam muito a sério e se encarregam do deboche. Já tivemos o Tiririca, que usou sua condição de humorista circense para criar jocoso lema de campanha: “Vote em Tiririca que pior (a política) não fica”, e eleito em 2012 melhor deputado do Congresso por jornalistas que cobriam a instituição. No presente, Pablo Marçal, candidato a prefeito da maior capital brasileira e maior colégio eleitoral do país lança mão de debochada ironia como arma de campanha.

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Já houve no passado baixarias semelhantes, mas por iniciativa do próprio eleitorado. Em 1959, Cacareco, um rinoceronte levado para São Paulo recebeu espontaneamente 100 mil votos na eleição para vereador. Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio de Janeiro, obteve 400 mil votos para prefeito. Os votos em Cacareco e Tião, superiores a muitos candidatos formais, não foram apenas de protesto, foram de escárnio com a política e os políticos da época.

No Brasil a política partidária causa embaraços também à própria governabilidade. Em países onde a política é exercida com seriedade, os partidos obedecem a uma liderança e é com esta que os executivos discutem e negociam suas diferenças antes das votações. Aqui o líder não lidera e o governo tem de negociar individualmente com cada parlamentar. Por isso surgiram “mensalão”, “petrolão” e outras excrescências na relação governo-congresso. É preciso considerar que partidos políticos são base, sustentação e aval às maiores e mais estáveis democracias do mundo. No Brasil, porém, a situação é outra...

Nestes tempos em que um dos principais assuntos mais comentados é o fortalecimento, consolidação e defesa da democracia no Brasil, momento apropriado para reflexões sobre a indissociável relação entre o sistema democrático e partidos políticos fortes. Talvez, nossa democracia interna de vez em quando sofre solavancos devido à postura frágil do demasiadamente numeroso elenco de siglas cheias de vícios e defeitos, comprovando que quantidade não quer dizer qualidade.

Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio, obteve 400 mil votos para prefeito Foto: Acervo/TRE-RJ

Até meados do século XX, houve uma relativa estabilidade do quadro partidário no país, com siglas fortes e ideologicamente firmes e definidas. A maioria dos partidos possuía uma identidade imutável, eram agremiações de representação nacional. Seus líderes, adeptos e militância mostravam fidelidade quase religiosa. Partidos como PSD, UDN, PTB, PDC, PSP entre outros, eram os verdadeiros protagonistas da política brasileira seguidos por agremiações mais regionalizadas, no entanto representativas e com um relevante peso eleitoral. Foi o tempo da militância espontânea e engajada.

Em meados de 1960 o governo militar extinguiu o pluripartidarismo e implantou o bipartidarismo, representado pela ARENA - Aliança Renovadora Nacional (alinhada ao regime) e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro (oposição consentida). O sistema existiu enquanto o regime tinha interesse. No ano de 1979, por Lei Federal o pluripartidarismo foi restabelecido. E, de lá para cá houve uma verdadeira sanha pela criação de todo tipo de partido até chegarmos ao número atual, um absurdo, 29 siglas estão registradas na Justiça Eleitoral. Algumas dessas siglas têm denominação que definitivamente não parece pertencer a um partido político, como Podemos, Rede, Mobiliza, Agir, Avante e Novo.

O progressivo acréscimo no número de partidos foi de início uma conveniência para acomodar as diversas correntes do pensamento e ideologias. Decorreu também de dissidências em siglas já consolidadas. Foi o caso do PSDB, em junho de 1988, criado a partir de movimento de importantes lideranças do PMDB que estavam descontentes com a linha que o partido estava seguindo na época. Entre essas lideranças estavam FHC, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa.

Em 1959, rinoceronte Cacareco recebeu 100 mil votos na eleição para vereador Foto: Acervo Estadão

Bem mais tarde, a proliferação se deu pela facilidade de formar uma agremiação política. Os chamados “caciques”, interessados em ser donos de um partido arrebanhavam adeptos e criavam a sigla. Hoje, com Fundo Partidário e outras fontes públicas de recursos, ser dirigente partidário é uma rentável ocupação. Os partidos têm ganância por verba pública, como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, instituídos por leis aprovadas pelos próprios interessados. Não raro, vão além em busca de dinheiro não definido pela lei.

Assim, as mentalidades políticas se deturpam e os partidos perdem de vista sua real missão. Portanto, há sim necessidade de alterar as normas. O risco é que os agentes capazes da mudança são os mesmos beneficiários do status quo. A lei de Cláusula de Barreira, aplicada pela primeira vez nas eleições gerais de 2018, brecou em parte o processo de criação de partidos, aplicando restrições. Todavia não foi suficiente. Partidos ameaçados de desaparecimento se aproveitaram de brechas na legislação para formar coligações e federações. E assim sobrevivem, quase nulos de representatividade.

No Brasil os partidos políticos não são fortes, nem coerentes ou estáveis ideologicamente. Antagonistas se unem e se coligam visando apenas o ganho eleitoral. É o que se vê novamente nestas eleições municipais, quando em quase cem municípios PT e PL de Lula e Bolsonaro (que mais do que adversários são inimigos políticos) estão apoiando um mesmo candidato. O palanque vira palco de constrangimentos – se é que político ainda sabe o que é constrangimento.

A estrutura eleitoral brasileira carece de siglas de espectro e consistência nacionais, não apenas identificadas com regiões, estados ou municípios sem se preocupar em ter uma bandeira mais ampla. E assim deixam de defender grandes e importantes propostas para o país. Ao contrário, permanecem no varejo, praticando a chamada política paroquial; adversários em um local e aliados em outro sem se importar com a coerência e com o eleitorado, que por sua vez igualmente não tem coerência, porque não vota em propostas e programas, mas sim por outros motivos que podem até ser promessas pessoais. Esse é o nosso caldeirão político-partidário. O único partido que ainda não perdeu totalmente o perfil de sigla nacionalmente identificada é o PT, embora ao longo do tempo tenha promovido alguns ajustes programáticos.

Essa amálgama ideológica que corre de norte a sul e de leste a oeste seria aceitável em um segundo turno eleitoral, quando todos partidos no primeiro tempo tenham apresentado seus candidatos e debatido suas propostas durante a campanha. Então, aqueles alijados da segunda rodada, naturalmente buscam aliar-se com um ou outro que vai decidir a eleição e com o qual se identifiquem. Assim como recentemente ocorreu na França, quando houve no segundo turno uma união de partidos heterogêneos contra o que foi definido como adversário comum a ser batido: a extrema direita.

É também preocupante observar que por aqui a política está à beira da desmoralização. Os próprios candidatos não a levam muito a sério e se encarregam do deboche. Já tivemos o Tiririca, que usou sua condição de humorista circense para criar jocoso lema de campanha: “Vote em Tiririca que pior (a política) não fica”, e eleito em 2012 melhor deputado do Congresso por jornalistas que cobriam a instituição. No presente, Pablo Marçal, candidato a prefeito da maior capital brasileira e maior colégio eleitoral do país lança mão de debochada ironia como arma de campanha.

Já houve no passado baixarias semelhantes, mas por iniciativa do próprio eleitorado. Em 1959, Cacareco, um rinoceronte levado para São Paulo recebeu espontaneamente 100 mil votos na eleição para vereador. Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio de Janeiro, obteve 400 mil votos para prefeito. Os votos em Cacareco e Tião, superiores a muitos candidatos formais, não foram apenas de protesto, foram de escárnio com a política e os políticos da época.

No Brasil a política partidária causa embaraços também à própria governabilidade. Em países onde a política é exercida com seriedade, os partidos obedecem a uma liderança e é com esta que os executivos discutem e negociam suas diferenças antes das votações. Aqui o líder não lidera e o governo tem de negociar individualmente com cada parlamentar. Por isso surgiram “mensalão”, “petrolão” e outras excrescências na relação governo-congresso. É preciso considerar que partidos políticos são base, sustentação e aval às maiores e mais estáveis democracias do mundo. No Brasil, porém, a situação é outra...

Nestes tempos em que um dos principais assuntos mais comentados é o fortalecimento, consolidação e defesa da democracia no Brasil, momento apropriado para reflexões sobre a indissociável relação entre o sistema democrático e partidos políticos fortes. Talvez, nossa democracia interna de vez em quando sofre solavancos devido à postura frágil do demasiadamente numeroso elenco de siglas cheias de vícios e defeitos, comprovando que quantidade não quer dizer qualidade.

Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio, obteve 400 mil votos para prefeito Foto: Acervo/TRE-RJ

Até meados do século XX, houve uma relativa estabilidade do quadro partidário no país, com siglas fortes e ideologicamente firmes e definidas. A maioria dos partidos possuía uma identidade imutável, eram agremiações de representação nacional. Seus líderes, adeptos e militância mostravam fidelidade quase religiosa. Partidos como PSD, UDN, PTB, PDC, PSP entre outros, eram os verdadeiros protagonistas da política brasileira seguidos por agremiações mais regionalizadas, no entanto representativas e com um relevante peso eleitoral. Foi o tempo da militância espontânea e engajada.

Em meados de 1960 o governo militar extinguiu o pluripartidarismo e implantou o bipartidarismo, representado pela ARENA - Aliança Renovadora Nacional (alinhada ao regime) e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro (oposição consentida). O sistema existiu enquanto o regime tinha interesse. No ano de 1979, por Lei Federal o pluripartidarismo foi restabelecido. E, de lá para cá houve uma verdadeira sanha pela criação de todo tipo de partido até chegarmos ao número atual, um absurdo, 29 siglas estão registradas na Justiça Eleitoral. Algumas dessas siglas têm denominação que definitivamente não parece pertencer a um partido político, como Podemos, Rede, Mobiliza, Agir, Avante e Novo.

O progressivo acréscimo no número de partidos foi de início uma conveniência para acomodar as diversas correntes do pensamento e ideologias. Decorreu também de dissidências em siglas já consolidadas. Foi o caso do PSDB, em junho de 1988, criado a partir de movimento de importantes lideranças do PMDB que estavam descontentes com a linha que o partido estava seguindo na época. Entre essas lideranças estavam FHC, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa.

Em 1959, rinoceronte Cacareco recebeu 100 mil votos na eleição para vereador Foto: Acervo Estadão

Bem mais tarde, a proliferação se deu pela facilidade de formar uma agremiação política. Os chamados “caciques”, interessados em ser donos de um partido arrebanhavam adeptos e criavam a sigla. Hoje, com Fundo Partidário e outras fontes públicas de recursos, ser dirigente partidário é uma rentável ocupação. Os partidos têm ganância por verba pública, como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, instituídos por leis aprovadas pelos próprios interessados. Não raro, vão além em busca de dinheiro não definido pela lei.

Assim, as mentalidades políticas se deturpam e os partidos perdem de vista sua real missão. Portanto, há sim necessidade de alterar as normas. O risco é que os agentes capazes da mudança são os mesmos beneficiários do status quo. A lei de Cláusula de Barreira, aplicada pela primeira vez nas eleições gerais de 2018, brecou em parte o processo de criação de partidos, aplicando restrições. Todavia não foi suficiente. Partidos ameaçados de desaparecimento se aproveitaram de brechas na legislação para formar coligações e federações. E assim sobrevivem, quase nulos de representatividade.

No Brasil os partidos políticos não são fortes, nem coerentes ou estáveis ideologicamente. Antagonistas se unem e se coligam visando apenas o ganho eleitoral. É o que se vê novamente nestas eleições municipais, quando em quase cem municípios PT e PL de Lula e Bolsonaro (que mais do que adversários são inimigos políticos) estão apoiando um mesmo candidato. O palanque vira palco de constrangimentos – se é que político ainda sabe o que é constrangimento.

A estrutura eleitoral brasileira carece de siglas de espectro e consistência nacionais, não apenas identificadas com regiões, estados ou municípios sem se preocupar em ter uma bandeira mais ampla. E assim deixam de defender grandes e importantes propostas para o país. Ao contrário, permanecem no varejo, praticando a chamada política paroquial; adversários em um local e aliados em outro sem se importar com a coerência e com o eleitorado, que por sua vez igualmente não tem coerência, porque não vota em propostas e programas, mas sim por outros motivos que podem até ser promessas pessoais. Esse é o nosso caldeirão político-partidário. O único partido que ainda não perdeu totalmente o perfil de sigla nacionalmente identificada é o PT, embora ao longo do tempo tenha promovido alguns ajustes programáticos.

Essa amálgama ideológica que corre de norte a sul e de leste a oeste seria aceitável em um segundo turno eleitoral, quando todos partidos no primeiro tempo tenham apresentado seus candidatos e debatido suas propostas durante a campanha. Então, aqueles alijados da segunda rodada, naturalmente buscam aliar-se com um ou outro que vai decidir a eleição e com o qual se identifiquem. Assim como recentemente ocorreu na França, quando houve no segundo turno uma união de partidos heterogêneos contra o que foi definido como adversário comum a ser batido: a extrema direita.

É também preocupante observar que por aqui a política está à beira da desmoralização. Os próprios candidatos não a levam muito a sério e se encarregam do deboche. Já tivemos o Tiririca, que usou sua condição de humorista circense para criar jocoso lema de campanha: “Vote em Tiririca que pior (a política) não fica”, e eleito em 2012 melhor deputado do Congresso por jornalistas que cobriam a instituição. No presente, Pablo Marçal, candidato a prefeito da maior capital brasileira e maior colégio eleitoral do país lança mão de debochada ironia como arma de campanha.

Já houve no passado baixarias semelhantes, mas por iniciativa do próprio eleitorado. Em 1959, Cacareco, um rinoceronte levado para São Paulo recebeu espontaneamente 100 mil votos na eleição para vereador. Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio de Janeiro, obteve 400 mil votos para prefeito. Os votos em Cacareco e Tião, superiores a muitos candidatos formais, não foram apenas de protesto, foram de escárnio com a política e os políticos da época.

No Brasil a política partidária causa embaraços também à própria governabilidade. Em países onde a política é exercida com seriedade, os partidos obedecem a uma liderança e é com esta que os executivos discutem e negociam suas diferenças antes das votações. Aqui o líder não lidera e o governo tem de negociar individualmente com cada parlamentar. Por isso surgiram “mensalão”, “petrolão” e outras excrescências na relação governo-congresso. É preciso considerar que partidos políticos são base, sustentação e aval às maiores e mais estáveis democracias do mundo. No Brasil, porém, a situação é outra...

Nestes tempos em que um dos principais assuntos mais comentados é o fortalecimento, consolidação e defesa da democracia no Brasil, momento apropriado para reflexões sobre a indissociável relação entre o sistema democrático e partidos políticos fortes. Talvez, nossa democracia interna de vez em quando sofre solavancos devido à postura frágil do demasiadamente numeroso elenco de siglas cheias de vícios e defeitos, comprovando que quantidade não quer dizer qualidade.

Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio, obteve 400 mil votos para prefeito Foto: Acervo/TRE-RJ

Até meados do século XX, houve uma relativa estabilidade do quadro partidário no país, com siglas fortes e ideologicamente firmes e definidas. A maioria dos partidos possuía uma identidade imutável, eram agremiações de representação nacional. Seus líderes, adeptos e militância mostravam fidelidade quase religiosa. Partidos como PSD, UDN, PTB, PDC, PSP entre outros, eram os verdadeiros protagonistas da política brasileira seguidos por agremiações mais regionalizadas, no entanto representativas e com um relevante peso eleitoral. Foi o tempo da militância espontânea e engajada.

Em meados de 1960 o governo militar extinguiu o pluripartidarismo e implantou o bipartidarismo, representado pela ARENA - Aliança Renovadora Nacional (alinhada ao regime) e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro (oposição consentida). O sistema existiu enquanto o regime tinha interesse. No ano de 1979, por Lei Federal o pluripartidarismo foi restabelecido. E, de lá para cá houve uma verdadeira sanha pela criação de todo tipo de partido até chegarmos ao número atual, um absurdo, 29 siglas estão registradas na Justiça Eleitoral. Algumas dessas siglas têm denominação que definitivamente não parece pertencer a um partido político, como Podemos, Rede, Mobiliza, Agir, Avante e Novo.

O progressivo acréscimo no número de partidos foi de início uma conveniência para acomodar as diversas correntes do pensamento e ideologias. Decorreu também de dissidências em siglas já consolidadas. Foi o caso do PSDB, em junho de 1988, criado a partir de movimento de importantes lideranças do PMDB que estavam descontentes com a linha que o partido estava seguindo na época. Entre essas lideranças estavam FHC, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa.

Em 1959, rinoceronte Cacareco recebeu 100 mil votos na eleição para vereador Foto: Acervo Estadão

Bem mais tarde, a proliferação se deu pela facilidade de formar uma agremiação política. Os chamados “caciques”, interessados em ser donos de um partido arrebanhavam adeptos e criavam a sigla. Hoje, com Fundo Partidário e outras fontes públicas de recursos, ser dirigente partidário é uma rentável ocupação. Os partidos têm ganância por verba pública, como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, instituídos por leis aprovadas pelos próprios interessados. Não raro, vão além em busca de dinheiro não definido pela lei.

Assim, as mentalidades políticas se deturpam e os partidos perdem de vista sua real missão. Portanto, há sim necessidade de alterar as normas. O risco é que os agentes capazes da mudança são os mesmos beneficiários do status quo. A lei de Cláusula de Barreira, aplicada pela primeira vez nas eleições gerais de 2018, brecou em parte o processo de criação de partidos, aplicando restrições. Todavia não foi suficiente. Partidos ameaçados de desaparecimento se aproveitaram de brechas na legislação para formar coligações e federações. E assim sobrevivem, quase nulos de representatividade.

No Brasil os partidos políticos não são fortes, nem coerentes ou estáveis ideologicamente. Antagonistas se unem e se coligam visando apenas o ganho eleitoral. É o que se vê novamente nestas eleições municipais, quando em quase cem municípios PT e PL de Lula e Bolsonaro (que mais do que adversários são inimigos políticos) estão apoiando um mesmo candidato. O palanque vira palco de constrangimentos – se é que político ainda sabe o que é constrangimento.

A estrutura eleitoral brasileira carece de siglas de espectro e consistência nacionais, não apenas identificadas com regiões, estados ou municípios sem se preocupar em ter uma bandeira mais ampla. E assim deixam de defender grandes e importantes propostas para o país. Ao contrário, permanecem no varejo, praticando a chamada política paroquial; adversários em um local e aliados em outro sem se importar com a coerência e com o eleitorado, que por sua vez igualmente não tem coerência, porque não vota em propostas e programas, mas sim por outros motivos que podem até ser promessas pessoais. Esse é o nosso caldeirão político-partidário. O único partido que ainda não perdeu totalmente o perfil de sigla nacionalmente identificada é o PT, embora ao longo do tempo tenha promovido alguns ajustes programáticos.

Essa amálgama ideológica que corre de norte a sul e de leste a oeste seria aceitável em um segundo turno eleitoral, quando todos partidos no primeiro tempo tenham apresentado seus candidatos e debatido suas propostas durante a campanha. Então, aqueles alijados da segunda rodada, naturalmente buscam aliar-se com um ou outro que vai decidir a eleição e com o qual se identifiquem. Assim como recentemente ocorreu na França, quando houve no segundo turno uma união de partidos heterogêneos contra o que foi definido como adversário comum a ser batido: a extrema direita.

É também preocupante observar que por aqui a política está à beira da desmoralização. Os próprios candidatos não a levam muito a sério e se encarregam do deboche. Já tivemos o Tiririca, que usou sua condição de humorista circense para criar jocoso lema de campanha: “Vote em Tiririca que pior (a política) não fica”, e eleito em 2012 melhor deputado do Congresso por jornalistas que cobriam a instituição. No presente, Pablo Marçal, candidato a prefeito da maior capital brasileira e maior colégio eleitoral do país lança mão de debochada ironia como arma de campanha.

Já houve no passado baixarias semelhantes, mas por iniciativa do próprio eleitorado. Em 1959, Cacareco, um rinoceronte levado para São Paulo recebeu espontaneamente 100 mil votos na eleição para vereador. Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio de Janeiro, obteve 400 mil votos para prefeito. Os votos em Cacareco e Tião, superiores a muitos candidatos formais, não foram apenas de protesto, foram de escárnio com a política e os políticos da época.

No Brasil a política partidária causa embaraços também à própria governabilidade. Em países onde a política é exercida com seriedade, os partidos obedecem a uma liderança e é com esta que os executivos discutem e negociam suas diferenças antes das votações. Aqui o líder não lidera e o governo tem de negociar individualmente com cada parlamentar. Por isso surgiram “mensalão”, “petrolão” e outras excrescências na relação governo-congresso. É preciso considerar que partidos políticos são base, sustentação e aval às maiores e mais estáveis democracias do mundo. No Brasil, porém, a situação é outra...

Opinião por Luiz Carlos Borges da Silveira

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