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Opinião|Só intenção não basta


Por José Renato Nalini e Patrícia André Camargo Ferraz*

Merece atenta leitura o texto “Lira monta ‘força-tarefa’ por agenda verde” (Porcella e Neves, Estadão, 26.11.2023), a enfatizar a intenção do presidente da Câmara dos Deputados de aprovar a regulamentação do Mercado de Créditos de Carbono (MCC), para poder apresentá-la na COP 28, em Dubai.

A medida, mais do que oportuna, é urgente. O Brasil detém cerca de 30% das florestas tropicais do planeta, o verde regulador do clima regional e global, natural sumidouro de carbono e o mais significativo repositório de biomassa terrestre, segundo o Climate Change 2022, publicado pelo IPCC, da ONU.

Vista aérea da Amazônia; mercado de crédito de carbono é questão global, e legislações locais precisam estar articuladas entre si Foto: Bruno Kelly/Reuters
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Nosso país tem um tem um papel chave nas estratégias de enfrentamento da mudança climática. Isso é reconhecido por toda a comunidade internacional. Caso permaneçamos no ceticismo ou na inércia, inevitável o advento de um sexto evento de extinção em massa, como previsto pelo IPCC.

Já passou a hora de efetiva adoção de todas as medidas adequadas ao adensamento da resiliência das comunidades vulneráveis. Dentre estas, a implementação de confiáveis MCC, ou seja, mecanismos de mercado para captar investimentos em projetos de redução de emissão e captura de GEE – gases de efeito estufa.

Para convencer o investidor estrangeiro a acreditar nesses projetos é preciso oferecer um MCC provido de integridade e transparência, além de ser garantido pelo Estado brasileiro. Isso demanda um arranjo institucional com inquestionáveis atributos como segurança, confiança, controle e publicidade. Algo que está pronto e funciona, não está no radar dos legisladores.

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Os projetos legislativos para regulação do MCC em trâmite na Câmara dos Deputados contam com vários pontos positivos. Saudável a boa intenção. Todavia, ausente a falta de mecanismo eficiente que satisfaça a demanda de um mercado singular e muito especializado. Por outro enfoque, o viés especulativo foi contemplado: adota-se o modelo Cap & Trade, como se ele fosse bastante a conferir certeza quanto à existência dos créditos de carbono.

O investidor quer saber se a floresta existe e é preservada, quem é seu proprietário, público ou privado, se há métrica hábil a saber qual o montante de carbono capaz de ser exaurido e quais as garantias de que a reserva continuará invulnerável e por quanto tempo. Além disso, indispensável deixar evidentes os benefícios às comunidades envolvidas nos projetos, além de proporcionar eficaz controle quanto à sua não duplicidade e titularidade.

Existe certa vulnerabilidade no setor, como o comprovam as empresas que adquiriram créditos de carbono certificados por empresa de renome, mas que eram produtos contaminados por greenwashing.

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Os projetos de Créditos de Carbono Florestal (CCF), que envolvem ações de reflorestamento, preservação e manejo florestal são indissociáveis de bens imóveis e consistem em obrigações propter rem, como definido pelo Código Florestal. Assim, a sanidade e transparência desses projetos passam pela regularidade fundiária das áreas que os recebem. Regularidade que demanda a atuação do Registro de Imóveis, estrutura de controle e publicidade dos direitos sobre imóveis, distribuída em 3.627 unidades por todo o país e fiscalizada pelo Poder Judiciário.

Esses créditos de carbono, uma vez registrados nas circunscrições imobiliárias competentes, contarão com a mesma segurança e confiança dos direitos de propriedade imobiliária no país, inegável conquista da inteligência brasileira e a mais sábia estratégia do constituinte de 1988.

Todo o sistema imobiliário está interligado eletronicamente e a aquisição de maior eficiência deriva do protagonismo dos delegatários, acolitados pelo Poder Judiciário. É notório o avanço das delegações extrajudiciais, notadamente após a edição das Leis 11.977/2009, 13.465/2017 e 14.382/2022 e provimentos vários do Conselho Nacional de Justiça. Esse conjunto de normas permite aos usuários visualizar, na internet, seus atos 24 horas por dia, 7 dias por semana, e interagir eletronicamente com cada unidade registral imobiliária, sem necessidade de deslocamento físico. Essa facilidade proporciona uma publicidade real e eficaz. E as regras operacionais de segurança, ao lado do controle judicial, garantem a tão almejada segurança jurídica.

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A estrutura está pronta, funciona de maneira exitosa, é testada há 180 anos, e se mostrou altamente confiável. Nesse ponto, o Brasil está em melhor situação do que várias prestigiadas democracias mundiais, inclusive os Estados Unidos. O Estado não investe um centavo na atividade, cujo sucesso deriva da gestão sob inspiração privada e os emolumentos (valores pagos pelos atos de registro) são fixados em lei pelo Poder Legislativo, o que retira a possibilidade de majoração oportunista de preços, como ocorre no mercado, em razão de dinâmicas de demanda e oferta.

A emergência climática não nos permite aventuras baseadas em modelos trazidos do estrangeiro, onde a cultura e a situação ambiental e institucional são diversas das nossas. Sirvamo-nos daquilo que já é bom e tem condições de se tornar ainda melhor.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral e docente da pós-graduação da Uninove

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*Patrícia André de Camargo Ferraz é registradora de imóveis e mestre em Direito Público - PUC-SP

Merece atenta leitura o texto “Lira monta ‘força-tarefa’ por agenda verde” (Porcella e Neves, Estadão, 26.11.2023), a enfatizar a intenção do presidente da Câmara dos Deputados de aprovar a regulamentação do Mercado de Créditos de Carbono (MCC), para poder apresentá-la na COP 28, em Dubai.

A medida, mais do que oportuna, é urgente. O Brasil detém cerca de 30% das florestas tropicais do planeta, o verde regulador do clima regional e global, natural sumidouro de carbono e o mais significativo repositório de biomassa terrestre, segundo o Climate Change 2022, publicado pelo IPCC, da ONU.

Vista aérea da Amazônia; mercado de crédito de carbono é questão global, e legislações locais precisam estar articuladas entre si Foto: Bruno Kelly/Reuters

Nosso país tem um tem um papel chave nas estratégias de enfrentamento da mudança climática. Isso é reconhecido por toda a comunidade internacional. Caso permaneçamos no ceticismo ou na inércia, inevitável o advento de um sexto evento de extinção em massa, como previsto pelo IPCC.

Já passou a hora de efetiva adoção de todas as medidas adequadas ao adensamento da resiliência das comunidades vulneráveis. Dentre estas, a implementação de confiáveis MCC, ou seja, mecanismos de mercado para captar investimentos em projetos de redução de emissão e captura de GEE – gases de efeito estufa.

Para convencer o investidor estrangeiro a acreditar nesses projetos é preciso oferecer um MCC provido de integridade e transparência, além de ser garantido pelo Estado brasileiro. Isso demanda um arranjo institucional com inquestionáveis atributos como segurança, confiança, controle e publicidade. Algo que está pronto e funciona, não está no radar dos legisladores.

Os projetos legislativos para regulação do MCC em trâmite na Câmara dos Deputados contam com vários pontos positivos. Saudável a boa intenção. Todavia, ausente a falta de mecanismo eficiente que satisfaça a demanda de um mercado singular e muito especializado. Por outro enfoque, o viés especulativo foi contemplado: adota-se o modelo Cap & Trade, como se ele fosse bastante a conferir certeza quanto à existência dos créditos de carbono.

O investidor quer saber se a floresta existe e é preservada, quem é seu proprietário, público ou privado, se há métrica hábil a saber qual o montante de carbono capaz de ser exaurido e quais as garantias de que a reserva continuará invulnerável e por quanto tempo. Além disso, indispensável deixar evidentes os benefícios às comunidades envolvidas nos projetos, além de proporcionar eficaz controle quanto à sua não duplicidade e titularidade.

Existe certa vulnerabilidade no setor, como o comprovam as empresas que adquiriram créditos de carbono certificados por empresa de renome, mas que eram produtos contaminados por greenwashing.

Os projetos de Créditos de Carbono Florestal (CCF), que envolvem ações de reflorestamento, preservação e manejo florestal são indissociáveis de bens imóveis e consistem em obrigações propter rem, como definido pelo Código Florestal. Assim, a sanidade e transparência desses projetos passam pela regularidade fundiária das áreas que os recebem. Regularidade que demanda a atuação do Registro de Imóveis, estrutura de controle e publicidade dos direitos sobre imóveis, distribuída em 3.627 unidades por todo o país e fiscalizada pelo Poder Judiciário.

Esses créditos de carbono, uma vez registrados nas circunscrições imobiliárias competentes, contarão com a mesma segurança e confiança dos direitos de propriedade imobiliária no país, inegável conquista da inteligência brasileira e a mais sábia estratégia do constituinte de 1988.

Todo o sistema imobiliário está interligado eletronicamente e a aquisição de maior eficiência deriva do protagonismo dos delegatários, acolitados pelo Poder Judiciário. É notório o avanço das delegações extrajudiciais, notadamente após a edição das Leis 11.977/2009, 13.465/2017 e 14.382/2022 e provimentos vários do Conselho Nacional de Justiça. Esse conjunto de normas permite aos usuários visualizar, na internet, seus atos 24 horas por dia, 7 dias por semana, e interagir eletronicamente com cada unidade registral imobiliária, sem necessidade de deslocamento físico. Essa facilidade proporciona uma publicidade real e eficaz. E as regras operacionais de segurança, ao lado do controle judicial, garantem a tão almejada segurança jurídica.

A estrutura está pronta, funciona de maneira exitosa, é testada há 180 anos, e se mostrou altamente confiável. Nesse ponto, o Brasil está em melhor situação do que várias prestigiadas democracias mundiais, inclusive os Estados Unidos. O Estado não investe um centavo na atividade, cujo sucesso deriva da gestão sob inspiração privada e os emolumentos (valores pagos pelos atos de registro) são fixados em lei pelo Poder Legislativo, o que retira a possibilidade de majoração oportunista de preços, como ocorre no mercado, em razão de dinâmicas de demanda e oferta.

A emergência climática não nos permite aventuras baseadas em modelos trazidos do estrangeiro, onde a cultura e a situação ambiental e institucional são diversas das nossas. Sirvamo-nos daquilo que já é bom e tem condições de se tornar ainda melhor.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral e docente da pós-graduação da Uninove

*Patrícia André de Camargo Ferraz é registradora de imóveis e mestre em Direito Público - PUC-SP

Merece atenta leitura o texto “Lira monta ‘força-tarefa’ por agenda verde” (Porcella e Neves, Estadão, 26.11.2023), a enfatizar a intenção do presidente da Câmara dos Deputados de aprovar a regulamentação do Mercado de Créditos de Carbono (MCC), para poder apresentá-la na COP 28, em Dubai.

A medida, mais do que oportuna, é urgente. O Brasil detém cerca de 30% das florestas tropicais do planeta, o verde regulador do clima regional e global, natural sumidouro de carbono e o mais significativo repositório de biomassa terrestre, segundo o Climate Change 2022, publicado pelo IPCC, da ONU.

Vista aérea da Amazônia; mercado de crédito de carbono é questão global, e legislações locais precisam estar articuladas entre si Foto: Bruno Kelly/Reuters

Nosso país tem um tem um papel chave nas estratégias de enfrentamento da mudança climática. Isso é reconhecido por toda a comunidade internacional. Caso permaneçamos no ceticismo ou na inércia, inevitável o advento de um sexto evento de extinção em massa, como previsto pelo IPCC.

Já passou a hora de efetiva adoção de todas as medidas adequadas ao adensamento da resiliência das comunidades vulneráveis. Dentre estas, a implementação de confiáveis MCC, ou seja, mecanismos de mercado para captar investimentos em projetos de redução de emissão e captura de GEE – gases de efeito estufa.

Para convencer o investidor estrangeiro a acreditar nesses projetos é preciso oferecer um MCC provido de integridade e transparência, além de ser garantido pelo Estado brasileiro. Isso demanda um arranjo institucional com inquestionáveis atributos como segurança, confiança, controle e publicidade. Algo que está pronto e funciona, não está no radar dos legisladores.

Os projetos legislativos para regulação do MCC em trâmite na Câmara dos Deputados contam com vários pontos positivos. Saudável a boa intenção. Todavia, ausente a falta de mecanismo eficiente que satisfaça a demanda de um mercado singular e muito especializado. Por outro enfoque, o viés especulativo foi contemplado: adota-se o modelo Cap & Trade, como se ele fosse bastante a conferir certeza quanto à existência dos créditos de carbono.

O investidor quer saber se a floresta existe e é preservada, quem é seu proprietário, público ou privado, se há métrica hábil a saber qual o montante de carbono capaz de ser exaurido e quais as garantias de que a reserva continuará invulnerável e por quanto tempo. Além disso, indispensável deixar evidentes os benefícios às comunidades envolvidas nos projetos, além de proporcionar eficaz controle quanto à sua não duplicidade e titularidade.

Existe certa vulnerabilidade no setor, como o comprovam as empresas que adquiriram créditos de carbono certificados por empresa de renome, mas que eram produtos contaminados por greenwashing.

Os projetos de Créditos de Carbono Florestal (CCF), que envolvem ações de reflorestamento, preservação e manejo florestal são indissociáveis de bens imóveis e consistem em obrigações propter rem, como definido pelo Código Florestal. Assim, a sanidade e transparência desses projetos passam pela regularidade fundiária das áreas que os recebem. Regularidade que demanda a atuação do Registro de Imóveis, estrutura de controle e publicidade dos direitos sobre imóveis, distribuída em 3.627 unidades por todo o país e fiscalizada pelo Poder Judiciário.

Esses créditos de carbono, uma vez registrados nas circunscrições imobiliárias competentes, contarão com a mesma segurança e confiança dos direitos de propriedade imobiliária no país, inegável conquista da inteligência brasileira e a mais sábia estratégia do constituinte de 1988.

Todo o sistema imobiliário está interligado eletronicamente e a aquisição de maior eficiência deriva do protagonismo dos delegatários, acolitados pelo Poder Judiciário. É notório o avanço das delegações extrajudiciais, notadamente após a edição das Leis 11.977/2009, 13.465/2017 e 14.382/2022 e provimentos vários do Conselho Nacional de Justiça. Esse conjunto de normas permite aos usuários visualizar, na internet, seus atos 24 horas por dia, 7 dias por semana, e interagir eletronicamente com cada unidade registral imobiliária, sem necessidade de deslocamento físico. Essa facilidade proporciona uma publicidade real e eficaz. E as regras operacionais de segurança, ao lado do controle judicial, garantem a tão almejada segurança jurídica.

A estrutura está pronta, funciona de maneira exitosa, é testada há 180 anos, e se mostrou altamente confiável. Nesse ponto, o Brasil está em melhor situação do que várias prestigiadas democracias mundiais, inclusive os Estados Unidos. O Estado não investe um centavo na atividade, cujo sucesso deriva da gestão sob inspiração privada e os emolumentos (valores pagos pelos atos de registro) são fixados em lei pelo Poder Legislativo, o que retira a possibilidade de majoração oportunista de preços, como ocorre no mercado, em razão de dinâmicas de demanda e oferta.

A emergência climática não nos permite aventuras baseadas em modelos trazidos do estrangeiro, onde a cultura e a situação ambiental e institucional são diversas das nossas. Sirvamo-nos daquilo que já é bom e tem condições de se tornar ainda melhor.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral e docente da pós-graduação da Uninove

*Patrícia André de Camargo Ferraz é registradora de imóveis e mestre em Direito Público - PUC-SP

Opinião por José Renato Nalini e Patrícia André Camargo Ferraz*

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