O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nesta quarta-feira, 29, que jornais, revistas e portais jornalísticos podem ser responsabilizados por declarações de seus entrevistados contra terceiros se houver “indícios concretos” de que a informação é falsa.
O julgamento foi concluído em agosto, no plenário virtual, mas a tese ainda não havia sido definida. Os ministros decidiram que os veículos da imprensa podem ser punidos na esfera cível, por danos morais e materiais, por exemplo, mas apenas se ficar provado que não checaram as informações divulgadas.
A tese fixada foi a seguinte: “Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.”
O STF também reiterou que a censura prévia é proibida. Se ficar comprovado que os veículos divulgaram “informações injuriosas, difamantes, caluniosas ou mentirosas” o conteúdo poderá ser removido por ordem judicial.
“Os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”, diz outro trecho da tese.
Os ministros debateram o assunto a partir de um processo movido pelo ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, que já morreu, mas a decisão tem repercussão geral, ou seja, vale como diretriz para todas os juízes e tribunais do País.
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Reação
Associações da imprensa divulgaram uma nota conjunta em que manifestam preocupação com o julgamento do STF. As entidades temem que a decisão abra caminho para o crescimento do assédio judicial a jornalistas.
“É imperativo que o jornalismo seja exercido com ética e respeito aos princípios fundamentais da profissão, como a verificação dos fatos e a abertura ao contraditório, (...) mas isso não pode ser confundido com a permanente ameaça de processos resultantes de um dos formatos e instrumentos mais importantes para o jornalismo: as entrevistas”, diz o texto.
As associações avaliam ainda que a tese pode inviabilizar as entrevistas, sobretudo quando forem ao ar em tempo real.
“Imputar uma responsabilidade que não cabe aos veículos pode forçá-los, por exemplo, a ter que fazer um controle prévio das respostas de seus entrevistados ou então a deixar de entrevistar, principalmente ao vivo, muitas pessoas, sob risco de terem que enfrentar posteriormente ações judiciais que podem esgotar os recursos do meio de comunicação ou do próprio jornalista processado”, afirmam as entidades.
O texto é assinado pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).
‘Embaraço’
O ministro Marco Aurélio Mello, aposentado do Supremo Tribunal Federal, era o relator do recurso. Quando votou no julgamento, o ministro foi contra a tese agora aprovada por maioria pelo tribunal. Ao Estadão, Marco Aurélio afirma que a decisão vai na contramão da liberdade jornalística. “Eu não queria estar na pele da imprensa”, afirma.
Ao votar, em maio de 2020, o ministro defendeu que os jornais não podem responder, sem emitir opinião, por declarações dos entrevistados. “Não se concebe que o Judiciário implemente censura prévia”, escreveu na ocasião. “O que deve haver é a responsabilização de algum desvio de conduta cometido pela imprensa, o que não ocorre quando se limita a divulgar entrevista.”
Não há restrição à liberdade de expressão, diz Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, saiu em defesa da decisão em conversa com jornalistas após a sessão. “É preciso fazer a leitura correta da decisão que nós tomamos hoje”, disse. “Não há nenhuma restrição à liberdade de expressão, não há censura prévia.”
Segundo Barroso, os veículos só podem ser punidos se ficar comprovado que houve má-fé ou “grosseira negligência” na apuração das declarações dos entrevistados. “A regra geral é que o veículo não é responsável, apenas que tenha havido uma grosseira negligência à apuração de fato que fosse de conhecimento”, afirmou.