Por Rayssa Motta, Weslley Galzo e Daniel Weterman
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início nesta quarta-feira, 7, ao julgamento do pacote de ações que questionam o orçamento secreto. O esquema foi relevado pelo Estadão e é operado no Congresso por meio das chamadas emendas de relator (RP-9) - mecanismo que permite a distribuição de verbas a deputados e senadores sem transparência ou critérios técnicos, em troca de apoio parlamentar.
Os ministros ainda não começaram a votar. As sustentações ocuparam toda a sessão de hoje. O julgamento deve ser retomado na próxima semana. Isso porque não haverá expediente no STF nesta quinta-feira, 9, quando é comemorado o Dia da Justiça. O tribunal só tem mais três sessões de julgamento antes do recesso de final de ano.
A presidente do STF, Rosa Weber, é a relatora do processo e abriu a sessão com a leitura do relatório dos processos - um resumo do andamento até o momento. Ela será a primeira a votar na retomada do julgamento.
Representantes do governo do presidente Jair Bolsonaro e do Congresso Nacional apresentaram argumentos para justificar o pagamento de emendas nos últimos três anos e para defender a manutenção do mecanismo, sob o pretexto de aumentar a transparência e discutir novas regras para os próximos anos, o que é contestado por especialistas. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também aderiu à defesa do esquema. Coube aos partidos políticos que pediram o fim do orçamento secreto e representantes da sociedade defender a derrubada dos pagamentos.
AGU
O advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, defendeu que o orçamento secreto é constitucional. Ele disse que as emendas de relator são "assunto interno" do Congresso Nacional e que o Poder Judiciário não deveria interferir nos repasses.
"Esse regime não ofende princípios constitucionais, em especial com os aperfeiçoamentos efetivados após a decisão cautelar desta Suprema Corte [que mandou o o Congresso dar transparência ao orçamento secreto]", disse.
Leal ainda afirmou que há respaldo constitucional e infraconstitucional às emendas de relator. Ele citou os atos da mesa do Congresso e da Comissão Mista do Orçamento que criaram o mecanismo.
O AGU chegou a afirmar no plenário que esse tipo de destinação de recursos buscou "a rastreabilidade e o acompanhamento segregado da execução dessas emendas, permitindo maior transparência".
Na contramão do que alegou a Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente Jair Bolsonaro (PL) já assumiu em uma transmissão ao vivo, em outubro deste ano, durante a campanha eleitoral, que os recursos apontados pelo relator são de fato secretos e ainda afirmou que preferiria controlar os recursos do orçamento secreto em vez de cedê-los ao Congresso.
"Eu não queria esse orçamento dito secreto. Não é secreto porque é publicado no Diário Oficial da União. O que é secreto é o relator que manda o recurso para lá. Eu preferia R$ 19 bilhões comigo, eu não ia abrir mão de poder", disse na ocasião.
Congresso
O advogado-geral da Câmara dos Deputados, Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva, defendeu que o Poder Legislativo tem autonomia para decidir sobre o orçamento.
"Os parlamentares têm legitimidade constitucional, eleitoral e política para deliberar sobre o orçamento", defendeu.
Silva também lembrou que, para 2023, o Congresso acabou com o chamado "usuário externo" - o que permitia o cadastro de propostas de direcionamento de verbas por terceiros, no lugar de deputados e senadores.
"Agora, qualquer indicação de emenda de relator deve ser obrigatoriamente associada a algum parlamentar", lembrou.
O advogado-geral do Senado Federal, Thomaz Henrique Gomma de Azevedo, foi na mesma linha e defendeu que o Congresso fez um "esforço" para ampliar a publicidade e a transparência em torno dos repasses por meio das emendas de relator.
PGR
A vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo disse que o STF não poderia virar um "palco político". Ela também destacou que o julgamento deve se limitar aos critérios para ampliar a transparência do orçamento e que melhorias já estão sendo implementadas.
"Os políticos estão lá [no Congresso] pelo voto popular, que deve ser respeitado. A transparência deve ser feita, já foi determinada e pelo que eu entendi já está sendo efetuada", defendeu. "A pobreza do Brasil não foi criada há um ou dois anos, não foi pelo orçamento secreto."
Também falaram:
- Os advogados do PSOL, André Brandão Henriques Maimoni, e do PV, Lauro Rodrigues de Moraes Rêgo Júnior, que defenderam a derrubada do dispositivo. As ações analisadas pelo STF são movidas pelos partidos e também pelo Cidadania e pelo PSB. "A questão aqui não é política. O que se questiona é a forma como o dinheiro público tem sido destinado", disse Maimoni.
- O advogado Paulo Roque Khouri, em nome do Partido Novo, disse que o orçamento secreto abre caminho para o Legislativo avançar sobre uma função clássica do Executivo: a definição e a execução do orçamento. "Não há como salvar essa jabuticaba que o Parlamento brasileiro está criando", criticou.
- Marlon Jacinto Reis, em nome da Secretaria Executiva do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), disse que a sistemática do orçamento secreto é "indefensável" e que as mudanças promovidas pelo Congresso Nacional para ampliar a transparência dos repasses não "restituem a constitucionalidade" do mecanismo. "Não nos é dado saber os usuários que operam como autores de emenda usurpando função do Parlamento", destacou.
- Guilherme Amorim Campos da Silva, em nome da Associação Contas Abertas, da Transparência Brasil e da Transparência Internacional, disse que a distribuição de recursos do orçamento secreto não obedece uma "lógica técnica e objetiva".
Relatora
Rosa Weber fez questão de manter as ações sobre o orçamento do secreto em seu gabinete, mesmo após assumir a direção do tribunal, quando é de praxe que o acervo seja redistribuído ao antecessor na presidência. A expectativa é que ela vote para declarar inconstitucional a falta de transparência do orçamento secreto.
O STF chegou a congelar, em novembro do ano passado, os repasses das emendas de relator. Após apelos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o tribunal reviu o posicionamento e escolheu uma posição intermediária: liberou os pagamentos, desde que o Congresso desse transparência aos repasses.