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STF legisla sobre foro especial


Por Daniel Gerber e Marcelo Marcante
Fachada do Supremo Tribunal Federal. FOTO: WILSON PEDROSA/ESTADÃO Foto: Estadão

O Supremo Tribunal Federal utilizou, nos últimos anos, os processos da Lava Jato para exercer o papel de legislar em algumas matérias - função típica do Poder Legislativo - sobretudo diante da pressão da opinião pública, seja por fundamentos morais e sociais. O indulto natalino e a liminar que gerou o polêmico auxílio-moradia são exemplos que podem ser mencionados para ilustrar o argumento. Várias foram as oportunidades em que a Suprema Corte interferiu em questões de competência dos Poderes Legislativo e Executivo, o que gera uma problemática disfunção no sistema de pesos e contrapesos, base para o Estado Democrático de Direito.

Agora, em relação à matéria de competência penal pela prerrogativa de função, o STF reescreve as regras constitucionais e processuais penais sobre a matéria. A partir do julgamento da Ação Penal nº 937, no início deste mês, várias mudanças irão interferir decisivamente no tratamento que deve ser dado.

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A principal mudança diz em limitar a prerrogativa de foro aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e que estejam relacionados com as funções exercidas. Outra alteração significativa é a perpetuação da jurisdição após o encerramento da instrução, mesmo que o parlamentar renuncie, seja cassado ou se encerre o mandato. Assim, o processo permanecerá no STF, evitando o "efeito elevador" dos processos de acordo com o cargo exercido.

Entretanto, o que causa maior perplexidade é o fato de que tais mudanças estão dirigidas exclusivamente ao poder político. Significa que apenas 513 deputados federais e 81 senadores foram implicados pelas novas regras delineadas pela Corte Constitucional. Portanto, surgem diversos questionamentos acerca das consequências dessas novas regras. Como ficam as prerrogativas dos ministros de Estado, ministros dos Tribunais Superiores, desembargadores, chefes do Executivo e membros do Ministério Público?

A consequência dessas mudanças acarreta uma maior atribuição de poder ao juiz de primeiro grau frente aos membros do Poder Legislativo federal, fomentando o já problemático ativismo judicial. Além disso, o julgamento de um senador ou deputado federal em exercício na primeira instância facilita eventuais influências, pressões, constrangimentos ou, até mesmo, perseguições políticas que afetam a independência e a imparcialidade do julgamento. Basta imaginarmos um exemplo de um deputado federal sendo julgado em seu colégio eleitoral numa cidade do interior, onde possui grande popularidade e aprovação popular. No entendimento anterior, todos os fatos pelos quais responde (independente de sua relação com o cargo) seriam levados ao foro da prerrogativa enquanto perdurasse o mandato.

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Em contrapartida, as demais autoridades com prerrogativa de foro permanecem sendo submetidas à mesma regra processual. Buscando estabelecer coerência e isonomia, o ministro Dias Toffoli elaborou duas propostas de súmulas vinculantes para restringir a prerrogativa de foro das demais autoridades.

Ele deixou claro que a nova regra deve valer para todas as autoridades, não podendo se restringir apenas aos deputados e senadores (aproximadamente 1% das autoridades com prerrogativa de foro). Ou seja, se está sendo alterada a regra de competência que isso seja feito de forma isonômica.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, depois que o STF decidiu limitar o alcance da prerrogativa, é necessário esclarecer as dúvidas decorrentes. Tudo isso para "impedir insegurança jurídica". A proposta da primeira súmula é aplicar a decisão do STF para membros de todos os poderes e do Ministério Público e apenas aos casos de "crimes cometidos no exercício e em razão do cargo ou da função pública".

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Os demais casos ficariam a cargo da primeira instância.

A proposta da segunda súmula é declarar inconstitucionais quaisquer regras de constituições estaduais que tratem de prerrogativas de foro não previstas na Constituição Federal. Segundo o ministro, somente a Constituição Federal pode tratar do assunto. E isso, inclusive, foi o que ele defendeu em seu voto sobre o tema, no dia 3 de maio.

O ministro Luiz Fux criticou esse posicionamento, argumentando que caberia apenas ao Poder Legislativo tal equiparação. Ora, se o STF se sentiu à vontade para legislar na prerrogativa de foro em relação aos deputados federais e senadores, o que justifica devolver ao Poder Legislativo sua competência quando da necessária modulação equitativa do último julgado? O que justifica esse contrassenso!? A resposta parece estar relacionada com a necessidade de se alterar as regras aplicáveis a si próprios e aos pares. Estas seguem preservadas.

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É necessário que sejam delineados os limites dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para evitar indevidas usurpações de competências entre os poderes. Se o ativismo judicial já é tormentoso para toda a sociedade, pior ainda é o surgimento de "novas regras seletivas" em matéria processual penal, afastando eventuais efeitos negativos daquilo que julgam e impõem aos demais em relação aos seus interesses.

*Daniel Gerber é criminalista, professor de Direito Processual e Direito Processual Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal

*Marcelo Marcante é criminalista, professor de Direito Penal e Processual Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal

Fachada do Supremo Tribunal Federal. FOTO: WILSON PEDROSA/ESTADÃO Foto: Estadão

O Supremo Tribunal Federal utilizou, nos últimos anos, os processos da Lava Jato para exercer o papel de legislar em algumas matérias - função típica do Poder Legislativo - sobretudo diante da pressão da opinião pública, seja por fundamentos morais e sociais. O indulto natalino e a liminar que gerou o polêmico auxílio-moradia são exemplos que podem ser mencionados para ilustrar o argumento. Várias foram as oportunidades em que a Suprema Corte interferiu em questões de competência dos Poderes Legislativo e Executivo, o que gera uma problemática disfunção no sistema de pesos e contrapesos, base para o Estado Democrático de Direito.

Agora, em relação à matéria de competência penal pela prerrogativa de função, o STF reescreve as regras constitucionais e processuais penais sobre a matéria. A partir do julgamento da Ação Penal nº 937, no início deste mês, várias mudanças irão interferir decisivamente no tratamento que deve ser dado.

A principal mudança diz em limitar a prerrogativa de foro aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e que estejam relacionados com as funções exercidas. Outra alteração significativa é a perpetuação da jurisdição após o encerramento da instrução, mesmo que o parlamentar renuncie, seja cassado ou se encerre o mandato. Assim, o processo permanecerá no STF, evitando o "efeito elevador" dos processos de acordo com o cargo exercido.

Entretanto, o que causa maior perplexidade é o fato de que tais mudanças estão dirigidas exclusivamente ao poder político. Significa que apenas 513 deputados federais e 81 senadores foram implicados pelas novas regras delineadas pela Corte Constitucional. Portanto, surgem diversos questionamentos acerca das consequências dessas novas regras. Como ficam as prerrogativas dos ministros de Estado, ministros dos Tribunais Superiores, desembargadores, chefes do Executivo e membros do Ministério Público?

A consequência dessas mudanças acarreta uma maior atribuição de poder ao juiz de primeiro grau frente aos membros do Poder Legislativo federal, fomentando o já problemático ativismo judicial. Além disso, o julgamento de um senador ou deputado federal em exercício na primeira instância facilita eventuais influências, pressões, constrangimentos ou, até mesmo, perseguições políticas que afetam a independência e a imparcialidade do julgamento. Basta imaginarmos um exemplo de um deputado federal sendo julgado em seu colégio eleitoral numa cidade do interior, onde possui grande popularidade e aprovação popular. No entendimento anterior, todos os fatos pelos quais responde (independente de sua relação com o cargo) seriam levados ao foro da prerrogativa enquanto perdurasse o mandato.

Em contrapartida, as demais autoridades com prerrogativa de foro permanecem sendo submetidas à mesma regra processual. Buscando estabelecer coerência e isonomia, o ministro Dias Toffoli elaborou duas propostas de súmulas vinculantes para restringir a prerrogativa de foro das demais autoridades.

Ele deixou claro que a nova regra deve valer para todas as autoridades, não podendo se restringir apenas aos deputados e senadores (aproximadamente 1% das autoridades com prerrogativa de foro). Ou seja, se está sendo alterada a regra de competência que isso seja feito de forma isonômica.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, depois que o STF decidiu limitar o alcance da prerrogativa, é necessário esclarecer as dúvidas decorrentes. Tudo isso para "impedir insegurança jurídica". A proposta da primeira súmula é aplicar a decisão do STF para membros de todos os poderes e do Ministério Público e apenas aos casos de "crimes cometidos no exercício e em razão do cargo ou da função pública".

Os demais casos ficariam a cargo da primeira instância.

A proposta da segunda súmula é declarar inconstitucionais quaisquer regras de constituições estaduais que tratem de prerrogativas de foro não previstas na Constituição Federal. Segundo o ministro, somente a Constituição Federal pode tratar do assunto. E isso, inclusive, foi o que ele defendeu em seu voto sobre o tema, no dia 3 de maio.

O ministro Luiz Fux criticou esse posicionamento, argumentando que caberia apenas ao Poder Legislativo tal equiparação. Ora, se o STF se sentiu à vontade para legislar na prerrogativa de foro em relação aos deputados federais e senadores, o que justifica devolver ao Poder Legislativo sua competência quando da necessária modulação equitativa do último julgado? O que justifica esse contrassenso!? A resposta parece estar relacionada com a necessidade de se alterar as regras aplicáveis a si próprios e aos pares. Estas seguem preservadas.

É necessário que sejam delineados os limites dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para evitar indevidas usurpações de competências entre os poderes. Se o ativismo judicial já é tormentoso para toda a sociedade, pior ainda é o surgimento de "novas regras seletivas" em matéria processual penal, afastando eventuais efeitos negativos daquilo que julgam e impõem aos demais em relação aos seus interesses.

*Daniel Gerber é criminalista, professor de Direito Processual e Direito Processual Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal

*Marcelo Marcante é criminalista, professor de Direito Penal e Processual Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal

Fachada do Supremo Tribunal Federal. FOTO: WILSON PEDROSA/ESTADÃO Foto: Estadão

O Supremo Tribunal Federal utilizou, nos últimos anos, os processos da Lava Jato para exercer o papel de legislar em algumas matérias - função típica do Poder Legislativo - sobretudo diante da pressão da opinião pública, seja por fundamentos morais e sociais. O indulto natalino e a liminar que gerou o polêmico auxílio-moradia são exemplos que podem ser mencionados para ilustrar o argumento. Várias foram as oportunidades em que a Suprema Corte interferiu em questões de competência dos Poderes Legislativo e Executivo, o que gera uma problemática disfunção no sistema de pesos e contrapesos, base para o Estado Democrático de Direito.

Agora, em relação à matéria de competência penal pela prerrogativa de função, o STF reescreve as regras constitucionais e processuais penais sobre a matéria. A partir do julgamento da Ação Penal nº 937, no início deste mês, várias mudanças irão interferir decisivamente no tratamento que deve ser dado.

A principal mudança diz em limitar a prerrogativa de foro aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e que estejam relacionados com as funções exercidas. Outra alteração significativa é a perpetuação da jurisdição após o encerramento da instrução, mesmo que o parlamentar renuncie, seja cassado ou se encerre o mandato. Assim, o processo permanecerá no STF, evitando o "efeito elevador" dos processos de acordo com o cargo exercido.

Entretanto, o que causa maior perplexidade é o fato de que tais mudanças estão dirigidas exclusivamente ao poder político. Significa que apenas 513 deputados federais e 81 senadores foram implicados pelas novas regras delineadas pela Corte Constitucional. Portanto, surgem diversos questionamentos acerca das consequências dessas novas regras. Como ficam as prerrogativas dos ministros de Estado, ministros dos Tribunais Superiores, desembargadores, chefes do Executivo e membros do Ministério Público?

A consequência dessas mudanças acarreta uma maior atribuição de poder ao juiz de primeiro grau frente aos membros do Poder Legislativo federal, fomentando o já problemático ativismo judicial. Além disso, o julgamento de um senador ou deputado federal em exercício na primeira instância facilita eventuais influências, pressões, constrangimentos ou, até mesmo, perseguições políticas que afetam a independência e a imparcialidade do julgamento. Basta imaginarmos um exemplo de um deputado federal sendo julgado em seu colégio eleitoral numa cidade do interior, onde possui grande popularidade e aprovação popular. No entendimento anterior, todos os fatos pelos quais responde (independente de sua relação com o cargo) seriam levados ao foro da prerrogativa enquanto perdurasse o mandato.

Em contrapartida, as demais autoridades com prerrogativa de foro permanecem sendo submetidas à mesma regra processual. Buscando estabelecer coerência e isonomia, o ministro Dias Toffoli elaborou duas propostas de súmulas vinculantes para restringir a prerrogativa de foro das demais autoridades.

Ele deixou claro que a nova regra deve valer para todas as autoridades, não podendo se restringir apenas aos deputados e senadores (aproximadamente 1% das autoridades com prerrogativa de foro). Ou seja, se está sendo alterada a regra de competência que isso seja feito de forma isonômica.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, depois que o STF decidiu limitar o alcance da prerrogativa, é necessário esclarecer as dúvidas decorrentes. Tudo isso para "impedir insegurança jurídica". A proposta da primeira súmula é aplicar a decisão do STF para membros de todos os poderes e do Ministério Público e apenas aos casos de "crimes cometidos no exercício e em razão do cargo ou da função pública".

Os demais casos ficariam a cargo da primeira instância.

A proposta da segunda súmula é declarar inconstitucionais quaisquer regras de constituições estaduais que tratem de prerrogativas de foro não previstas na Constituição Federal. Segundo o ministro, somente a Constituição Federal pode tratar do assunto. E isso, inclusive, foi o que ele defendeu em seu voto sobre o tema, no dia 3 de maio.

O ministro Luiz Fux criticou esse posicionamento, argumentando que caberia apenas ao Poder Legislativo tal equiparação. Ora, se o STF se sentiu à vontade para legislar na prerrogativa de foro em relação aos deputados federais e senadores, o que justifica devolver ao Poder Legislativo sua competência quando da necessária modulação equitativa do último julgado? O que justifica esse contrassenso!? A resposta parece estar relacionada com a necessidade de se alterar as regras aplicáveis a si próprios e aos pares. Estas seguem preservadas.

É necessário que sejam delineados os limites dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para evitar indevidas usurpações de competências entre os poderes. Se o ativismo judicial já é tormentoso para toda a sociedade, pior ainda é o surgimento de "novas regras seletivas" em matéria processual penal, afastando eventuais efeitos negativos daquilo que julgam e impõem aos demais em relação aos seus interesses.

*Daniel Gerber é criminalista, professor de Direito Processual e Direito Processual Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal

*Marcelo Marcante é criminalista, professor de Direito Penal e Processual Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal

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