A Polícia Federal abriu nesta terça, 26, a Operação Sisamnes para investigar um suposto esquema de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso e no Superior Tribunal de Justiça envolvendo advogados, lobistas, empresários, assessores, chefes de gabinete e magistrados. A PF prendeu preventivamente o alvo principal da operação: Andreson de Oliveira Gonçalves, considerado um lobista de sentenças que teria “influência” em gabinetes de ministros do STJ. Também são alvo da ofensiva importantes auxiliares de ministros da Corte superior.
A operação foi decretada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal. Ele determinou o afastamento dos desembargadores Sebastião Moraes Filho e João Ferreira Filho - os quais já estavam fora de suas funções do Tribunal de Justiça de Mato Grosso desde agosto por ordem do Conselho Nacional de Justiça.
A operação cerca chefes de gabinetes de ministros do STJ. São investigados dois importantes auxiliares do ministro Og Fernandes e da ministra Maria Isabel Galotti, além de uma servidora que teria atuado nos gabinetes de outros três ministros - Nancy Andrighi, Antonio Carlos Ferreira e Paulo Dias de Moura Ribeiro.
O Estadão busca contato com os magistrados afastados do TJ de Mato Grosso e com os gabinetes dos ministros do STJ. O espaço está aberto para manifestações. Ao CNJ, Sebastião de Moraes Filho negou com veemência envolvimento com corrupção. O STJ nega ligação de ministros no caso, A Corte informou, em outubro, que já investigava quatro servidores que teriam ligações com a venda de sentenças - dois foram afastados administrativamente.
Alvo principal da ofensiva e preso nesta terça, 26, Andreson teve sua casa vasculhada no mês passado na Operação Ultima Ratio - investigação sobre a suposta venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Ele é considerado peça central nas apurações da PF e do Conselho Nacional de Justiça, apontado como elo do suposto esquema de corrupção em tribunais estaduais e no STJ.
O TJ de Mato Grosso apontou que se colocou à disposição para o fornecimento de informações necessárias ao andamento das investigações. “O Poder Judiciário enfatiza que cumpre integralmente as determinações do Supremo Tribunal Federal e adota as medidas cabíveis para assegurar o esclarecimento dos fatos”, registrou a Corte em nota.
Na manhã desta terça, 26, agentes cumpriram 23 ordens de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e no Distrito Federal. As ordens foram expedidas por Zanin, que ainda impôs o uso de tornozeleira eletrônica a alguns dos alvos e bloqueou bens de investigados.
Segundo a PF, as investigações apontam que os magistrados sob suspeita “pediam valores para beneficiar partes em processos judiciais, por meio de decisões favoráveis aos seus interesses”. Também são investigadas “negociações relacionadas ao vazamento de informações sigilosas, incluindo detalhes de operações policiais”, indica ainda a PF.
A corporação aponta que o nome da operação faz referência a um episódio da mitologia persa, durante o reinado de Cambises II, que narra a história do juiz Sisamnes. “Ele teria aceitado um suborno para proferir uma sentença injusta”, diz a Polícia Federal.
A ofensiva apura supostos crimes de organização criminosa, corrupção, exploração de prestígio e violação de sigilo funcional.
Trata-se da primeira fase ostensiva da PF em Mato Grosso em uma investigação que já era conhecida no Judiciário. A suposta venda de sentenças no TJ-MT já era objeto de investigação do Conselho Nacional de Justiça quando a Polícia Federal encontrou elos do esquema e aquele desbaratado na Operação Última Ratio, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Os nomes que ligam os esquemas são dois: o advogado Roberto Zampieri, assassinado a tiros em dezembro de 2023, apontado como “lobista dos tribunais” com “amizade íntima” com desembargadores da Corte estadual; e Andreson de Oliveira Gonçalves, considerado um lobista de sentenças que teria “influência” no Superior Tribunal de Justiça.
Foi justamente a citação a ministros do STJ que alçou o caso ao Supremo Tribunal Federal. O procurador-geral da República Paulo Gonet pediu que a investigação ficasse na Corte máxima, pelo menos por hora, para verificar se há ou não o envolvimento de algum ministro do STJ com o caso. A ideia é a de que quaisquer suspeitas sejam dirimidas já no Supremo, inclusive para evitar eventuais argumentos de nulidade dos inquéritos.
A Operação Sisamnes está ligada aos personagens chave do inquérito - Zampieri e Andreson. O advogado se referia ao lobista como o “cara lá de Brasília” e chegou a pedir que sua mulher, advogada, escrevesse uma minuta de decisão para um desembargador “amigo” assinar.
Nas apurações sobre o esquema em Mato Grosso, o CNJ já havia afastado os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho e o juiz Ivan Lúcio Amarante. Segundo a apuração do órgão de correição da Justiça, os magistrados recebiam presentes e propinas em vez de se declararem impedidos para julgar os processos. Há suspeitas de venda de decisões judiciais com pagamentos via Pix e até em barra de ouro.
Quanto determinou o afastamento dos magistrados sob suspeita, o então corregedor nacional de Justiça Luís Felipe Salomão viu um cenário de graves faltas funcionais e indícios de recebimento de vantagens indevidas, “esquema organizado de venda de decisões”, com até nepotismo. Ele destacou “muito possivelmente, prática de crimes no exercício da jurisdição”.
Como mostrou o Estadão, as apurações sobre venda de sentenças em MT e em MS estão inseridas dentro de uma tempestade que preocupa o Judiciário desde o meio do ano. As investigações abertas sobre o tema já levaram ao afastamento de 16 desembargadores, sete juízes em seis tribunais de três regiões do País.
COM A PALAVRA, O TJMT
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) informa que tomou ciência da deflagração da Operação Sisamnes, conduzida pela Polícia Federal nesta terça-feira (26/11).
O TJMT reafirma seu compromisso com a transparência, a legalidade e a colaboração com as autoridades competentes, colocando-se à disposição para o fornecimento de informações necessárias ao andamento das investigações.
O Poder Judiciário enfatiza que cumpre integralmente as determinações do Supremo Tribunal Federal e adota as medidas cabíveis para assegurar o esclarecimento dos fatos.
A instituição mantém suas atividades regularmente, reforçando sua missão de servir à sociedade e ao Estado por meio da distribuição da justiça.