Por maioria de votos, os ministros do Superior Tribunal Militar decidiram nesta quinta-feira, 23, libertar nove militares presos pelo assassinato do músico Evaldo Rosa dos Santos, de 46 anos, que estava em um veículo alvejado com mais de 80 tiros no Rio de Janeiro no dia 7 de abril. O catador de recicláveis Luciano Macedo, baleado ao tentar ajudar a família que estava no carro, também morreu cerca de 10 dias depois.
O julgamento havia sido interrompido em 8 de maio por um pedido de vista e foi retomado na tarde desta quinta. O STM é composto por 15 ministros, mas 14 julgaram o caso. O presidente não votou.
Do total, 11 ministros votaram pela soltura dos militares. A ministra Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha foi o único voto contra a liberdade do grupo.
Durante a sessão, os ministros José Barroso Filho e José Coêlho Ferreira sugeriram a aplicação de medidas cautelares aos militares. Barroso determinou em seu voto que o tenente fique preso e que aos outros militares sejam impostas cautelares. Coêlho ordenou, em seu voto, que as medidas sejam aplicadas a todo o grupo.
Para o ministro, a manutenção da prisão do tenente se justifica pelo fato de ele ostentar a condição de superior hierárquico dos demais militares. Por essa razão, deveria zelar, antes de todos, pelos valores da hierarquia e disciplina militares. Além disso, devido à posição que ocupa, a sua soltura poderia resultar no constrangimento dos demais militares que respondem ao processo.
Já para os demais militares (praças), o ministro pediu a aplicação da medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno - prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal comum (CPP) -, que se estenderia das 20h às 5h da manhã do dia seguinte, a ser observada também nos dias de folga, até o ato de qualificação e interrogatório dos réus. Decidiu aplicar também a vedação de portarem armas em situação de atividade, como, por exemplo, no âmbito das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
O relator do pedido da defesa, ministro Lúcio Mário de Barros Góes, havia negado liminarmente habeas corpus aos militares no dia 12 de abril, contra decisão de primeira instância que havia determinado a prisão preventiva. No julgamento do mérito pedido, no dia 8, o ministro se manifestou pela soltura.
Veja a sessão que libertou os militares
O relator do pedido da defesa, Lúcio Mário de Barros Góes, negou liminarmente habeas corpus aos militares no dia 12 de abril, contra decisão de primeira instância que havia determinado a prisão preventiva.
No julgamento do mérito pedido, que se iniciou no dia 8, ele se manifestou pela soltura. "Não emergem sobre os documentos evidências que levem a crer que a hierarquia e as disciplina militares ficarão ameaçados ou atingidos no caso de os pacientes serem postos em liberdade".
"Verifico que neste momento processual decorrido um mês dos fatos, não mais subsistem os motivos para justificar a manutenção da custódia dos pacientes, eis que as medidas adotadas pela autoridade policial revelaram-se suficientes para cessar a apontada ameaça à hierarquia militar", afirmou.
Embate. A sessão do dia 8 foi protagonizada por um embate entre Artur Vidigal de Oliveira e a ministra Maria Elizabeth, que representou o único voto divergente. Enquanto o ministro se manifestou favoravelmente somente a analisar a decisão liminar que mandou os militares para a prisão, Maria Elizabeth defendeu que provas posteriores nos autos do processo. "As vítimas só foram ouvidas depois, porque os militares mentiram para o Comando".
O ministro afirmou que ela avaliou provas que devem ser julgadas em ação penal, e não para julgar a prisão preventiva. "Eles disseram que foram atacados por traficantes porque foram atacados. Se isso é objeto de ação penal, então os Nardoni, a Suzane von Richthofen, também não se aplicaria a preventiva?".
A ministra relatou que, ao todo, o pelotão disparou 249 vezes contra o carro do músico e 'à esmo'."Os militares mentiram para o comando e venderam a informação de que foram atacados. Atiraram lateralmente e por trás em um carro que vislumbraram a 320 metros de distância. Inventaram, disseram que tinham sido atacados por traficantes, o que não é verdade. Não há um fuzil, uma bala (na viatura do pelotão)".
"Então, para que existe a prisão preventiva? Os réus mentiram, os réus forjaram um esquema mentiroso, comprometeram o comando, comprometam as Forças Armadas. Isso já é um indício de que podem comprometer o curso processual da investigação. A juíza (de primeiro grau) não tinha esses dados, por isso não colocou na decisão (do decreto de prisão dos militares). Atiraram por baixo, pelas costas e a esmo sem se preocupar com os civis inocentes. Então prá que existir a prisão preventiva na nossa legislação? Não há denúncia ainda porque estão esperando juntar todos os laudos. Os réus mentiram, os acusados mentiram.", ressaltou.
Relembre o caso
Evaldo Rosa dirigia seu carro, um Ford Ka sedan branco, rumo a um chá de bebê, e transportava a mulher, um filho, o sogro e uma adolescente. Ao passar por uma patrulha do Exército na Estrada do Camboatá, o veículo foi alvejado com 80 disparos pelos militares. O motorista morreu no local. O sogro ficou ferido, mas sobreviveu. O catador Luciano Macedo, que passava a pé pelo local, também foi atingido e morreu dias depois.
Inicialmente, o Comando Militar do Leste (CML) emitiu nota dizendo que a ação havia sido uma resposta a um assalto e sugeriu que os militares haviam sido alvo de uma "agressão" por parte dos ocupantes do carro. A família contestou a versão e só então o Exército recuou e mandou prender dez dos 12 militares envolvidos na ação. Um deles foi solto após alegar que não fez nenhum disparo.
Os militares teriam confundido o carro do músico com o de criminosos que, minutos antes, havia praticado um assalto perto dali. Esse crime foi flagrado por uma patrulha do Exército. Havia sido roubado um carro da mesma cor, mas de outra marca e modelo - um Honda City.
Foram presos o tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira. Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, na zona oeste do Rio.