O Brasil entra no sexto mês de distanciamento social com sinais tímidos de diminuição de mortes e infectados pela pandemia do Covid-19. Enquanto esse cenário perdurar, a economia brasileira fica de mãos atadas, com pouca margem de manobra para reação. E, como em toda crise recente, cabe ao agronegócio, que mantém uma previsão de crescimento anual positiva mesmo em cenário tão preocupante, o papel de protagonista no esforço de segurar a queda do Produto Interno Bruto e o desemprego. De fato, segundo dados da Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), houve alta de 16,5% no primeiro semestre em relação a 2019 e, ainda melhor, um recorde de faturamento de US$ 52 bilhões, 11% a mais que o período anterior.
O fato de o setor supermercadista ser um dos poucos atingidos com menor intensidade gera falsa percepção de que o agronegócio passa incólume pela crise. Pois o mesmo não se pode dizer de estabelecimentos de serviços, como restaurantes, bares, hotéis - que registraram queda de mais de 60% em comparação ao mesmo período de 2019. O Caged (Cadastro Geral de Desempregados) apontou recuo de 18,5% no saldo líquido em empregos formais no setor de alojamento e alimentação, a queda mais intensa entre as atividades, ou 1,2 milhão em postos de trabalho de janeiro a abril.
O exemplo mais visível está no setor sucroalcooleiro. O consumo de combustível despencou 30% em relação a 2019, assim como o preço da gasolina e principalmente do etanol, com uma leve recuperação a partir do mês de maio, em razão da flexibilização da quarentena. Segundo especialistas, 23% das usinas no Brasil estão paradas. Das que operam, 20% passam por recuperação judicial ou faliram. Um cenário que pode ser ainda mais catastrófico caso essa flexibilização resulte em novas ondas de contaminação no Brasil e no mundo.
O setor teve uma sinalização muito ruim por parte do governo federal em maio, quando este anunciou que não irá aumentar a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) incidente sobre a gasolina. Esse aumento faria com que o preço da gasolina aumentasse e ficasse ainda menos competitivo em relação ao etanol. Atualmente, o derivado da cana está, em média, 66% mais barato que o do petróleo nos postos do País. Por outro lado, embora competitivo, o valor do etanol está muito baixo, perto do preço de mercado.
A nova gasolina que já está disponível no mercado brasileiro desde agosto será mais cara, embora tenha mais qualidade e preveja uma redução de 6% no consumo. Influenciará ou não o etanol?
Por outro lado, em setembro, o BNDES começa a operar mais uma linha de financiamento, o PASS (Programa de Apoio ao Setor Sucroalcooleiro) com dotação de R$ 1,5 bilhão. O programa vai disponibilizar crédito entre 10 e 200 milhões de reais, limitados a 50% do valor do financiamento. Ele estará disponível para organizações (cooperativas, empresas ou empresários individuais) cuja receita operacional bruta seja superior a R$ 300 milhões.De acordo com técnicos em crédito, a taxa atrelada ao risco de crédito da companhia pode chegar a até 2,5%.
Entre as contrapartidas, as companhias não poderão reduzir, por dois meses, o quadro permanente de trabalhadores. Quem conseguir manter os postos de trabalho por um ano, terá um custo mais baixo com o financiamento.
Isso porque a primeira linha de financiamento lançada pelo governo Federal e orçada em R$ 3 bilhões, não recebeu, até a segunda metade de julho, um único pedido de acesso ao recurso. Segundo o BNDES, isso se deve à "melhora da situação no mercado de combustíveis ocorrida após o lançamento" do crédito. Mas, não foi bem assim. Uma série de exigências tornava o pedido pouco atrativo e o compartilhamento do financiamento com bancos públicos inviabilizava as usinas em recuperação judicial de serem ajudadas.
O principal temor do setor agropecuário em geral, desde os pequenos até os grandes produtores, é sempre diminuição da oferta de crédito. O crédito é o elemento-chave responsável por fazer girar todo o capital do agronegócio. Quando cai a oferta, toda a cadeia de produção é afetada. Essa diminuição, provocada pelos bancos, é ocasionada principalmente pelo aumento da inadimplência, que acaba por provocar um efeito cascata.
Espera-se que, além das linhas de crédito do governo, duas ações diminuam tal impacto. A primeira é a nova Lei 13.986/20, que ajuda a desburocratizar o acesso ao crédito agrícola, trazendo mais garantias aos financiadores e redução nos custos dos financiamentos. A outra foi a antecipação do lançamento do Plano Safra 2020-2021, que disponibiliza R$ 236,3 bi de financiamento ao produtor rural a partir de julho, a juros razoáveis.
Outro ponto a ser atacado é a quantidade colossal de contratos em revisão que, inevitavelmente, já começaram a lotar os tribunais em razão dos estragos produzidos pela pandemia. Por um lado, há os segmentos muito afetados, como a cana-de-açúcar, em que é natural traçar um caminho benéfico para produtores e credores. Em outras culturas, como a soja, onde a crise foi pouco sentida, é imperativo que se mantenha estritamente o acordado.
Para diminuir a falta de celeridade das decisões judiciais, é importante incentivar a utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos, como mediação, conciliação e arbitragem, que tornam o caminho mais curto para uma solução parcimoniosa. São também artifícios menos onerosos, sobretudo para o pequeno produtor rural, que muitas vezes não têm condições financeiras para judicializar litígios.
Todas essas providências, se encaradas com seriedade, podem evitar cenários pessimistas e quebras sistemáticas no setor, o que causaria um efeito cascata em toda a cadeia, alcançado o consumidor final. Agora, mais do que nunca, é preciso que o agronegócio seja visto com a importância e a força que tem para a economia do País.
*Luiz Felipe Perrone dos Reis é sócio do escritório Reis Advogados e membro da Comissão Especial de Direito Bancário do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp)