Um mês após ter sua casa vasculhada na Operação Churrascada - investigação sobre suposta venda de decisões judiciais a partir do gabinete do desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo -, o empresário Wilson Vital de Menezes Júnior, apontado como “intermediário” do esquema, afirmou à Polícia Federal que “nunca entrou nesse assunto” com o magistrado. Ele sustenta que seu padrasto, Valmi Lacerda Sampaio, que morreu em 2019, “estava vendendo ilusões em nome de Ivo de Almeida, sem este saber de nada”.
Wilson Júnior depôs nesta segunda-feira, 22, na Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros da PF em São Paulo. Ele foi ouvido pelo delegado André Luiz Barbieri e negou ter repassado ao desembargador ou a algum funcionário do gabinete do magistrado pedidos referentes a processos.
A Operação Churrascada foi deflagrada no dia 20 de junho por ordem do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça. O alvo principal da investigação é o desembargador, afastado por um ano da presidência da 1.ª Câmara de Direito Criminal do TJ paulista.
A Procuradoria-Geral da República suspeita da ligação de Ivo em pelo menos quatro casos, um deles referente a um narcotraficante internacional, que seria homem de confiança de Fernandinho Beira-Mar, preso na penitenciária de segurança máxima de Mossoró (RN).
Aos 66 anos, desde 1987 na magistratura, Ivo nega categoricamente envolvimento com o esquema apontado nos autos da Churrascada.
Segundo a investigação, Wilson fazia a intermediação da suposta venda de decisões judiciais após a morte do padrasto, a quem chama de ‘pai’. Os investigadores apontam que o empresário tratou de venda de sentenças até durante a “missa” de Valmi.
Em seu depoimento à PF, ele disse que “não recebeu ou ofereceu” dinheiro ao desembargador. Sustenta que “ficava enrolando” o guarda civil metropolitano Wellington Pires - outro alvo da Operação Churrascada - que, segundo ele, o procurava para tratar da venda de sentenças.
Wilson disse à PF que agia assim na tentativa de “buscar uma saída à situação que Valmi o colocou”.
Wilson Júnior declarou que manteve as tratativas acerca de processos em curso no gabinete de Ivo de Almeida sob “ameaças de pessoas que não gostaria de dizer o nome”. Segundo ele, essas pessoas diziam que “se não cumprisse as promessas que Valmi tinha feito, alguma coisa de ruim ia acontecer”.
Wilson disse que o celular que usava para conversar com o guarda civil - e no qual recebia as supostas ameaças - foi roubado um mês antes da deflagração da Operação Churrascada. Os investigadores, no entanto, alegam ter identificado registros de conversas, a partir do mesmo aparelho, no dia anterior à operação.
A relação com Wellington
O delegado da PF insistiu em detalhes sobre a relação de Wilson Júnior com Wellington Pires - bacharel em Direito que trabalharia para o advogado Luiz Pires Moraes Neto, também investigado. Wellington teve a prisão preventiva decretada. Os investigadores encontraram em seu celular mensagens entre ele e Wilson.
O empresário afirmou que “foi procurado” por Wellington. Contou que, pelo que “havia entendido, Valmi tinha indicado Wellington para ser o contato com umas pessoas, que não gostaria de dizer o nome pois foi ameaçado”.
Wilson alegou que as ameaças não eram feitas por Wellington, mas por “outras pessoas, que falavam que se não cumprisse as promessas que Valmi tinha feito, alguma coisa de ruim ia acontecer”.
Afirmou que “pensou em falar” com Ivo sobre as ameaças “mas não saberia sua reação”.
Segundo Wilson, as pessoas que o ameaçavam diziam que Wellington ou Valmi estavam com o dinheiro delas. O empresário disse ter sido cobrado pelo guarda civil para que “resolvesse as coisas”, no caso “as ilusões que Valmi vendia”.
Wilson disse também que “entraram na casa de sua mãe, procurando algo” e que não registrou boletim de ocorrência sobre o caso “pois falaram que, se falasse para alguém, seria cobrado por isso”.
Narrou ter encontrado Wellington uma única vez, em sua loja. Disse que não confiava no guarda civil e que “não sabia se ele estava junto com o pessoal que o ameaça”.
Mensagens
A PF questionou Wilson acerca das mensagens que ele trocou com Wellington. Sobre conversas datadas de fevereiro de 2019, por exemplo, o empresário afirmou que já havia sido ameaçado e que a partir dessas ameaças “se inteirou do que estava ocorrendo”.
O delegado André Luiz Barbieri o indagou sobre mensagens datadas de março de 2019, ocasião em que Wellington encaminhou um print do site do Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre o caso de Adomervil Vieira Santana, condenado por estelionato e roubo a 7 anos de prisão.
O delegado lembrou a Wilson que tratava-se de um novo caso - o de Adomervil -, “o que não poderia ter gerado ameaças anteriores”. Wilson disse que não se lembrava de tais mensagens e argumentou que “não olhava” para os casos enviados por Wellington.
“Eu ficava enrolando (Wellington) e não repassava os casos a ninguém.”
Segundo ele, todas as mensagens que enviava a Wellington “era para enrolar ele, tentando buscar uma saída para a situação que Valmi o colocou”.
O delegado destacou que, em março de 2019, Wilson procurou Wellington espontaneamente para informar que o ‘’amigo’ falou para fazer uma boa oferta”. Wilson disse que não se recordava dessa passagem e que “em geral, fingia que estava resolvendo os casos que apareciam, e quando foi ameaçado falaram para resolver todos os casos”.
Ele deu a mesma resposta quando questionado sobre outras mensagens. Disse que, em uma ocasião, “chegou a criar uma mensagem com outro número seu, tirando print, para repassar a Wellington como se estivesse fazendo alguma coisa”.
Wilson afirmou que “apenas repassava” o que o guarda civil queria e que “nem sabia o que estava dizendo”. Anotou ainda que, algumas vezes, “havia pessoas que o estavam ameaçando no momento do envio das mensagens”
Ele foi contestado novamente nessa altura do depoimento. Os policiais o lembraram que, em abril de 2019, Wellington passou uma mensagem indicando que “estava tentando conseguir o dinheiro”, o que, para os agentes, “dá a entender que não havia motivo para suposta ameaça, pois não havia pagamento anterior”.
Wilson disse que “estava tentando resolver, apesar de não lembrar da mensagem em específico”.
Celular roubado
A Polícia Federal apreendeu apenas um celular quando vasculhou a casa de Wilson - o aparelho não era o que ele usava para conversar com Wellington.
Em seu depoimento, ele disse que o celular foi roubado e que era por meio dele que recebia as ameaças. Ele não fez boletim de ocorrência sobre o roubo, que teria ocorrido cerca de 30 dias antes da abertura da Operação Churrascada.
Os policiais o informaram que a quebra de sigilo indicou troca de mensagens, na véspera da operação, entre o número do aparelho supostamente roubado e o da mulher de Wilson. O empresário disse não saber o motivo desse registro e que o aparelho “não foi roubado nesse dia”.
Os investigadores também o questionaram sobre o paradeiro de outros dois celulares de Valmi. Segundo Wilson, um ficou com sua mãe e o outro, que havia sido dado pela família de Ivo, teria sido devolvido a familiares do desembargador.
A PF deu 24 horas para Wilson apresentar o celular “sem qualquer adulteração ou exclusão de conteúdo, caso estivesse em sua posse”.
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‘Valmi’
Wilson Júnior afirmou que foi através de ‘Valmi’ - a quem chama de ‘pai’ -, que conheceu o desembargador Ivo de Almeida. Segundo o empresário, o magistrado e seu padrasto eram amigos e que as “famílias frequentavam suas respectivas casas”.
Valmi morreu em 2019, de “câncer no cérebro”, segundo Wilson. O empresário disse que por volta de 2016, o padrasto “mudou seu comportamento”.
Posto de gasolina
A PF também o indagou sobre os postos de gasolina que, segundo a Procuradoria-Geral da República, podem ter sido usados para receber e ‘lavar’ propinas da venda de decisões judiciais.
Wilson Júnior confirmou aos investigadores que Valmi era dono de um posto na Rua Conselheiro Furtado, mesma rua onde fica o gabinete de Ivo de Almeida, região central da capital paulista.
O empresário disse que entrou como “sócio no negócio”, através de uma outra empresa. Segundo ele, Valmi pediu para que “emprestasse seu nome” porque teve a inscrição estadual cassada. Wilson Júnior declarou que não sabe se Ivo de Almeida frequentava o posto e que acredita que o magistrado “deixava o carro para lavar ou para trocar óleo”.
Apartamento
Durante a oitiva, os investigadores também abordaram detalhes de um apartamento, cuja negociação teria envolvimento de Valmi e do filho do magistrado, Ivo de Almeida Júnior. A Procuradoria-Geral da República vê indícios de lavagem de dinheiro na transação.
Sobre esse tema, Wilson afirmou apenas que Valmi comprou um apartamento, mas não estava conseguindo pagar, então repassou a seu sócio.
Segundo a PF, Ivo de Almeida Júnior foi sócio de uma incorporadora constituída para a construção do prédio. A empresa vendeu um apartamento para a ‘provável esposa’ de Valmi, que, posteriormente, vendeu o apartamento à mulher de José Santoro - sócio de Wilson Júnior.