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Opinião|Suprema esquizofrenia: novos entendimentos sobre soberania do júri revelam contradição ou tendência?


Os entendimentos recentes indicam falta de coerência intrínseca, mas, também, revelam a tendência de relativizar direitos e garantias individuais e prol de uma pretensa efetividade do direito. São causa de insegurança de insegurança

Por Alexandre de Oliveira Ribeiro Filho
Atualização:

Em um intervalo de poucos dias, o Supremo Tribunal Federal conseguiu proferir decisões que ora sobrevalorizam ora desvalorizam a soberania do júri, sempre, como sói ocorrer, em detrimento do réu e de sua defesa.

Primeiro, em julgamento concluído aos 12/09, a Suprema Corte assentou, em decisão com repercussão geral, que a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada (RE 1.235.340).

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Prevaleceu o voto do Min. Barroso, segundo o qual a execução imediata não viola o princípio da presunção de inocência. Sua Excelência também destacou que só o Tribunal do Júri pode julgar crimes dolosos contra a vida, o que justifica que nenhuma corte possa substituir a decisão do júri:

“O Direito à vida é expressão do valor intrínseco da pessoa humana, constituindo bem jurídico merecedor de proteção expressa na Constituição e na legislação penal. A Constituição prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e prevê, ademais, a soberania do Tribunal do Júri, a significar que sua decisão não pode ser substituída pelo pronunciamento de qualquer outro tribunal.”

Alinhado ao relator, o Min. Alexandre de Morais complementou:

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“O júri é a sociedade julgando aquela pessoa. A sociedade disse que aquela pessoa deve ser condenada. A presunção de inocência dele foi afastada pela sociedade. A sociedade, naquele momento, de forma soberana, representada pelo conselho de jurados, inverteu a presunção de inocência. Não é possível dizer que ele (o condenado) permanece inocente.”

Alguns dias depois, em julgamento concluído em 02/10, a Suprema Corte assentou, em nova decisão que terá repercussão geral, ser cabível recurso de apelação nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico (ARE 1.225.185).

O entendimento que prevaleceu, neste segundo caso, é o de que o princípio da soberania do júri não impede a cassação da decisão pelos Tribunais. Segundo o Min. Fachin, a anulação de decisões absolutórias, com determinação de novo júri, não fere a soberania dos vereditos.

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Decidiu-se que pode haver controle judicial mínimo sobre as decisões do júri, dias depois de se decidir que a decisão do júri não poderia ser substituída por pronunciamento de qualquer tribunal, pois o júri seria a sociedade julgando a pessoa.

Ou seja, aqui no Brasil o júri é soberano pero no mucho. Com efeito, será soberano quando o veredicto for pela condenação, para fins de prisão imediata, ao argumento de que a “presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal”. Por outro lado, ensejará controle judicial se for exculpatório, porque quando absolve o jurado seria merecedor de uma espécie de capitis deminutio.

Diferentemente dos juízes togados, não se exige dos jurados fundamentação para os seus votos. Seu único compromisso é com a própria ciência e consciência, a partir do que presenciaram na sessão plenária. O jurado é o representante da sociedade. Daí porque, não faz sentido cercear o voto absolutório, ainda que eventualmente seja fruto clemência.

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No Estado de Direito Democrático, não cabe ao Estado tutelar o ânimo do jurado, corrigindo-o ou adequando-o ao interesse do Estado repressor, assim como também não deveria ser possível flexibilizar a garantia constitucional à presunção de inocência, sobretudo, contrariando texto expresso da Constituição.

Como bem colocado por Carlos Andreazza, em análise audiovisual para o Estadão (cf. Instagram, 01/10/24): o Supremo, em sua atual composição, tem se apresentado majoritariamente como uma espécie de “re-civilizador”; sua função seria a de civilizar, novamente, o Brasil e os brasileiros, do que exsurge que nós, os jurisdicionados, seríamos os bárbaros, selvagens que precisam ser guiados, norteados.

Aparentemente, então, essa “re-civilização” se daria através da reescritura da Constituição pelas mãos supremas dos Ministros, casuisticamente, de acordo com suas próprias e íntimas convicções. Reescreve-se o direito com precedentes que, na realidade, são novas regras dirigidas ao futuro.

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Os entendimentos recentes acerca da soberania do júri indicam, portanto, falta de coerência intrínseca, mas, também, revelam a tendência de relativizar direitos e garantias individuais e prol de uma pretensa efetividade do direito. São causa de insegurança de insegurança.

Em um intervalo de poucos dias, o Supremo Tribunal Federal conseguiu proferir decisões que ora sobrevalorizam ora desvalorizam a soberania do júri, sempre, como sói ocorrer, em detrimento do réu e de sua defesa.

Primeiro, em julgamento concluído aos 12/09, a Suprema Corte assentou, em decisão com repercussão geral, que a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada (RE 1.235.340).

Prevaleceu o voto do Min. Barroso, segundo o qual a execução imediata não viola o princípio da presunção de inocência. Sua Excelência também destacou que só o Tribunal do Júri pode julgar crimes dolosos contra a vida, o que justifica que nenhuma corte possa substituir a decisão do júri:

“O Direito à vida é expressão do valor intrínseco da pessoa humana, constituindo bem jurídico merecedor de proteção expressa na Constituição e na legislação penal. A Constituição prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e prevê, ademais, a soberania do Tribunal do Júri, a significar que sua decisão não pode ser substituída pelo pronunciamento de qualquer outro tribunal.”

Alinhado ao relator, o Min. Alexandre de Morais complementou:

“O júri é a sociedade julgando aquela pessoa. A sociedade disse que aquela pessoa deve ser condenada. A presunção de inocência dele foi afastada pela sociedade. A sociedade, naquele momento, de forma soberana, representada pelo conselho de jurados, inverteu a presunção de inocência. Não é possível dizer que ele (o condenado) permanece inocente.”

Alguns dias depois, em julgamento concluído em 02/10, a Suprema Corte assentou, em nova decisão que terá repercussão geral, ser cabível recurso de apelação nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico (ARE 1.225.185).

O entendimento que prevaleceu, neste segundo caso, é o de que o princípio da soberania do júri não impede a cassação da decisão pelos Tribunais. Segundo o Min. Fachin, a anulação de decisões absolutórias, com determinação de novo júri, não fere a soberania dos vereditos.

Decidiu-se que pode haver controle judicial mínimo sobre as decisões do júri, dias depois de se decidir que a decisão do júri não poderia ser substituída por pronunciamento de qualquer tribunal, pois o júri seria a sociedade julgando a pessoa.

Ou seja, aqui no Brasil o júri é soberano pero no mucho. Com efeito, será soberano quando o veredicto for pela condenação, para fins de prisão imediata, ao argumento de que a “presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal”. Por outro lado, ensejará controle judicial se for exculpatório, porque quando absolve o jurado seria merecedor de uma espécie de capitis deminutio.

Diferentemente dos juízes togados, não se exige dos jurados fundamentação para os seus votos. Seu único compromisso é com a própria ciência e consciência, a partir do que presenciaram na sessão plenária. O jurado é o representante da sociedade. Daí porque, não faz sentido cercear o voto absolutório, ainda que eventualmente seja fruto clemência.

No Estado de Direito Democrático, não cabe ao Estado tutelar o ânimo do jurado, corrigindo-o ou adequando-o ao interesse do Estado repressor, assim como também não deveria ser possível flexibilizar a garantia constitucional à presunção de inocência, sobretudo, contrariando texto expresso da Constituição.

Como bem colocado por Carlos Andreazza, em análise audiovisual para o Estadão (cf. Instagram, 01/10/24): o Supremo, em sua atual composição, tem se apresentado majoritariamente como uma espécie de “re-civilizador”; sua função seria a de civilizar, novamente, o Brasil e os brasileiros, do que exsurge que nós, os jurisdicionados, seríamos os bárbaros, selvagens que precisam ser guiados, norteados.

Aparentemente, então, essa “re-civilização” se daria através da reescritura da Constituição pelas mãos supremas dos Ministros, casuisticamente, de acordo com suas próprias e íntimas convicções. Reescreve-se o direito com precedentes que, na realidade, são novas regras dirigidas ao futuro.

Os entendimentos recentes acerca da soberania do júri indicam, portanto, falta de coerência intrínseca, mas, também, revelam a tendência de relativizar direitos e garantias individuais e prol de uma pretensa efetividade do direito. São causa de insegurança de insegurança.

Em um intervalo de poucos dias, o Supremo Tribunal Federal conseguiu proferir decisões que ora sobrevalorizam ora desvalorizam a soberania do júri, sempre, como sói ocorrer, em detrimento do réu e de sua defesa.

Primeiro, em julgamento concluído aos 12/09, a Suprema Corte assentou, em decisão com repercussão geral, que a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada (RE 1.235.340).

Prevaleceu o voto do Min. Barroso, segundo o qual a execução imediata não viola o princípio da presunção de inocência. Sua Excelência também destacou que só o Tribunal do Júri pode julgar crimes dolosos contra a vida, o que justifica que nenhuma corte possa substituir a decisão do júri:

“O Direito à vida é expressão do valor intrínseco da pessoa humana, constituindo bem jurídico merecedor de proteção expressa na Constituição e na legislação penal. A Constituição prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e prevê, ademais, a soberania do Tribunal do Júri, a significar que sua decisão não pode ser substituída pelo pronunciamento de qualquer outro tribunal.”

Alinhado ao relator, o Min. Alexandre de Morais complementou:

“O júri é a sociedade julgando aquela pessoa. A sociedade disse que aquela pessoa deve ser condenada. A presunção de inocência dele foi afastada pela sociedade. A sociedade, naquele momento, de forma soberana, representada pelo conselho de jurados, inverteu a presunção de inocência. Não é possível dizer que ele (o condenado) permanece inocente.”

Alguns dias depois, em julgamento concluído em 02/10, a Suprema Corte assentou, em nova decisão que terá repercussão geral, ser cabível recurso de apelação nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico (ARE 1.225.185).

O entendimento que prevaleceu, neste segundo caso, é o de que o princípio da soberania do júri não impede a cassação da decisão pelos Tribunais. Segundo o Min. Fachin, a anulação de decisões absolutórias, com determinação de novo júri, não fere a soberania dos vereditos.

Decidiu-se que pode haver controle judicial mínimo sobre as decisões do júri, dias depois de se decidir que a decisão do júri não poderia ser substituída por pronunciamento de qualquer tribunal, pois o júri seria a sociedade julgando a pessoa.

Ou seja, aqui no Brasil o júri é soberano pero no mucho. Com efeito, será soberano quando o veredicto for pela condenação, para fins de prisão imediata, ao argumento de que a “presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal”. Por outro lado, ensejará controle judicial se for exculpatório, porque quando absolve o jurado seria merecedor de uma espécie de capitis deminutio.

Diferentemente dos juízes togados, não se exige dos jurados fundamentação para os seus votos. Seu único compromisso é com a própria ciência e consciência, a partir do que presenciaram na sessão plenária. O jurado é o representante da sociedade. Daí porque, não faz sentido cercear o voto absolutório, ainda que eventualmente seja fruto clemência.

No Estado de Direito Democrático, não cabe ao Estado tutelar o ânimo do jurado, corrigindo-o ou adequando-o ao interesse do Estado repressor, assim como também não deveria ser possível flexibilizar a garantia constitucional à presunção de inocência, sobretudo, contrariando texto expresso da Constituição.

Como bem colocado por Carlos Andreazza, em análise audiovisual para o Estadão (cf. Instagram, 01/10/24): o Supremo, em sua atual composição, tem se apresentado majoritariamente como uma espécie de “re-civilizador”; sua função seria a de civilizar, novamente, o Brasil e os brasileiros, do que exsurge que nós, os jurisdicionados, seríamos os bárbaros, selvagens que precisam ser guiados, norteados.

Aparentemente, então, essa “re-civilização” se daria através da reescritura da Constituição pelas mãos supremas dos Ministros, casuisticamente, de acordo com suas próprias e íntimas convicções. Reescreve-se o direito com precedentes que, na realidade, são novas regras dirigidas ao futuro.

Os entendimentos recentes acerca da soberania do júri indicam, portanto, falta de coerência intrínseca, mas, também, revelam a tendência de relativizar direitos e garantias individuais e prol de uma pretensa efetividade do direito. São causa de insegurança de insegurança.

Opinião por Alexandre de Oliveira Ribeiro Filho

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