Ao retomar a discussão sobre o porte de maconha para uso pessoal, o Supremo Tribunal Federal não está discutindo a descriminalização do tráfico de drogas, nem legalizando o entorpecente. A Corte discute a criação de um critério objetivo para eliminar ‘injustiças’ na distinção entre usuários da droga e vendedores - sem que haja a adoção de aspectos subjetivos, como o preconceito, para o enquadramento de suspeitos.
O alerta é do professor Sérgio Salomão Shecaira, titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. “Toda vez que se fala em descriminalização (do porte de maconha) para uso, não se fala em legalização de nenhuma droga. As drogas continuam ilegais. O que se está fazendo é estabelecer critérios de flexibilidade por se autopunirem”, pondera.
O professor entende que, com o julgamento sobre o porte de maconha para uso próprio, com um encaminhamento dos ministros para a fixação de critério objetivo para diferenciar usuários de acusados de tráfico, o Supremo tem nas mãos a ‘possibilidade de fazer real justiça’.
De outro lado, ele ressalva que é necessária uma decisão da Corte máxima para se analisar com precisão o seu impacto.
O debate sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio foi retomado nesta quarta-feira, 2, após um hiato de cinco anos. Há quatro votos no sentido de fixar uma quantidade de maconha como divisa entre o enquadramento como uso pessoal e tráfico de droga.
Segundo Shecaira, a fixação de tal critério permitirá uma ‘triagem mais objetiva e menos subjetiva’ de ocorrências no sistema de Justiça.
O professor citou as ponderações do ministro Alexandre de Moraes, que votou nesta quarta. O ministro apresentou estudos que mostram que o enquadramento após a apreensão de drogas varia de acordo com características do suspeito, como idade, instrução formal e etnia. Propôs que sejam presumidas como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas.
O julgamento foi suspenso a pedido do relator, Gilmar Mendes. Ele vai devolver o caso ao Plenário na próxima semana, com a apresentação de um voto de ‘consenso’ sobre o tema, segundo ele anunciou, levando em consideração as ponderações de outros ministros.
Shecaira saudou o voto de Alexandre ‘por destacar que 30 gramas de droga apreendidas na favela são as mesmas 30 gramas no Jardins’ (bairro nobre de São Paulo). “Por que por 30 gramas de maconha eu prendo o jovem da periferia por tráfico e deixo o jovem branco do Jardins livre por uso?”, questionou.
A avaliação do professor é a de que um critério objetivo para a diferenciação entre o acusado de tráfico e o usuário ‘elimina a possibilidade de julgamentos’ por policiais militares, delegados de Polícia e promotores de Justiça.
Para ele, o mecanismo vai deixar a Justiça com maior credibilidade. “Se hoje o julgamento sobre as 30 gramas é diferente é porque não se julga pela quantidade, mas por questões subjetivas”, indicou. “[Com o critério], deixo de julgar a pessoas por falta de direitos e passo a julgar por aquilo que efetivamente fizeram”, indicou.
De outro lado, Alexandre de Moraes propôs, nesta quarta, 2, que seja estabelecido que a prisão em flagrante por tráfico é possível, mesmo quando a quantidade de maconha for inferior ao critério a ser estabelecido, se forem comprovados outras características de tráfico, como a ‘forma de acondicionamento da droga, a diversidade de entorpecentes e a apreensão de instrumentos e celulares com contatos’.
Nessa linha, o criminalista José Carlos Abissamra Filho ressalva que, mesmo com uma decisão do STF sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, as prisões por tráfico podem continuar vez que a tipificação segue na lei de drogas, com previsão de pena de cinco anos a 15 dias de reclusão. “Se você não conseguir provar que é usuário, a pena continuará a ser aplicada”, indica.