Para o jurista Walter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, as decisões do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspenderam o pagamento das multas dos acordos de leniência da J&F e da Odebrecht são o “absurdo do absurdo”.
Na avaliação do desembargador aposentado, as irregularidades agora levantadas pelas empresas não afetam a confissão de que elas participaram de esquemas de corrupção.
As companhias pediram acesso ao material da Operação Spoofing, que prendeu os hackers da Lava Jato, e buscam conversas que possam comprovar que houve atuação irregular da força-tarefa na negociação dos acordos.
“A J&F e a antiga Odebrecht estão querendo se aproveitar da própria torpeza. Elas usaram da corrupção, tiveram vantagem ilícita, criminal. De repente, alegam uma nulidade meramente formal, sem correlação com os fatos. Elas foram representadas pelos melhores advogados do País, eles é que tiveram a iniciativa de propor os acordos”, critica.
Para o jurista, Toffoli sequer deveria ter julgado os pedidos. A mulher do ministro, a advogada Roberta Rangel, prestou serviços ao frigorífico. Ele não precisou se dar por impedido para analisar o caso porque o STF liberou juízes para julgarem ações em que as partes sejam clientes de escritórios de advocacia de cônjuges, parceiros e parentes.
“Tudo aquilo que, de alguma forma, possa gerar suspeita de que a Justiça não foi imparcial, isso é causa que o juiz deve se afastar”, defende Maierovitch.
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Por outro lado, o desembargador concorda com a decisão que mandou investigar a participação da ONG Transparência Internacional no acordo de leniência da J&F. “O que fica estranho é uma entidade de fora do Brasil se envolver em questões nacionais sem previsão legal”, avalia.
Maierovitch acredita que o resultado da investigação não será capaz de comprometer a validade da leniência. “Essa participação (da Transparência Internacional) é auxiliar. Não tem nada a ver com o acordo de leniência, que é válido entre as partes”, explica.
Toffoli mandou investigar se a Transparência Internacional se apropriou indevidamente de parte dos recursos. A entidade ajudou a definir diretrizes para gastos da parcela da multa (R$ 2,3 bilhões) reservada a investimentos em projetos sociais.
A ONG nega ter recebido valores do acordo, direta ou indiretamente. A informação também foi desmentida, em 2020, pela subprocuradora Samantha Dobrowolski, que coordenou a extinta comissão do MPF para assessoramento de acordos de leniência e colaboração premiada.
Leia a entrevista completa:
Considera correta a decisão que mandou investigar a Transparência Internacional?
Eu achei a decisão absolutamente correta tendo em vista que o acordo não fala em remuneração e de repente há essa suspeita. É um fato, em tese, grave, porque extrapola atribuições do Ministério Público, envolve uma entidade privada, sem fiscalização, sem legislação. O Tribunal de Contas da União não foi cientificado. Tem uma série de coisas estranhas que merecem apuração. Esses órgãos devem ser oficiados, porque são órgãos de controle. Eu acho que aqui o Toffoli acertou.
O que fica estranho é uma entidade de fora do Brasil se envolver em questões nacionais sem previsão legal, sobretudo em um tempo em que a gente está vendo problemas de araponagem, de Abin paralela, de suspeitas de ONG na Amazônia...
Se forem comprovadas irregularidades na atuação da ONG, isso compromete a validade do acordo de leniência?
Não. Essa participação é auxiliar. Não tem nada a ver com o acordo de leniência, que é válido entre as partes. A Transparência Internacional não é parte do acordo.
Falta regulamentar a participação de entidades da sociedade civil em acordos de leniência ou esse não é um bom exemplo para levantar o debate?
A regulamentação só poderia vir por lei. O foco no momento é a suspeita de irregularidade.
Como avalia as decisões do ministro Dias Toffoli que suspenderam o pagamento das multas dos acordos de leniência da J&F e da Odebrecht?
Tem um princípio do Direito, muito antigo, que diz que ninguém pode se aproveitar da própria torpeza. Isso se aprende nos bancos de faculdade e o Toffoli passou batido. Até um reprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil conhece esse princípio. O que a gente está vendo nesses acordos? A J&F e a antiga Odebrecht estão querendo se aproveitar da própria torpeza. Elas usaram da corrupção, tiveram vantagem ilícita, criminal. De repente, alegam uma nulidade meramente formal, sem correlação com os fatos. Elas foram representadas pelos melhores advogados do País, eles é que tiveram a iniciativa de propor os acordos. Essa decisão do Toffoli é o absurdo do absurdo.
Havia urgência para uma decisão?
Para acolhimento liminar é preciso ter a aparência do bom Direito. Qual a aparência do bom Direito que tinham a J&F e a Odebrecht? Nenhuma. Tem outro ponto: a liminar é para irreparabilidade de ano. Veja, se essas empresas depositarem valores que não são devidos, a União pode restituir. Não tinha perigo de demora.
Toffoli deveria ter se declarado suspeito?
Os ministros do Supremo Tribunal Federal têm familiares que são associados a escritórios de advocacia. O caso dele (Toffoli) é mais um. Embora do Supremo tenha entendido que não, há uma suspeição evidente. Se o escritório foi procurado, quem disse que não foi por causa dela? E quem disse que ela não falou com o Toffoli? Tem uma presunção no ar. Tudo aquilo que, de alguma forma, possa gerar suspeita de que a Justiça não foi imparcial, isso é causa que o juiz deve se afastar.
Estamos em um período de revisionismo da Lava Jato?
O revisionismo, no campo do Direito, é um instrumento válido. O que não pode ter é má-fé, torpeza, imoralidade. No processo criminal, por exemplo, tem a revisão criminal. No processo civil tem as ações rescisórias. Os instrumentos existem. É preciso verificar se há procedência nas demandas ou não.