Imagine se todo o recurso humano e dinheiro envolvidos no processo de abertura e legalização de uma empresa no Brasil fossem utilizados para promover mais eficiência e valor agregado para a sociedade?
O cenário da legalização de empresas por aqui ainda sofre forte influência de uma herança enraizada que vem desde o sistema colonial. Naquele período, Portugal mantinha no país 'pessoas de sua confiança', encarregadas de auditar, autorizar e taxar qualquer processo ou protocolo, por uma necessidade de gerenciamento, afirmação do poder e controle. Por sua vez, quem detinha o poder de protocolar no Brasil reforçava ainda mais a necessidade de diversas etapas, papéis, processos, carimbos e taxações.
Essa mentalidade nunca abandonou o país, e ainda temos a sensação de que os gatekeepers -- profissionais que se encarregam de administrar e organizar o dia a dia de um outro profissional -- são parte inerente ao processo de abrir, legalizar e manter ativa uma empresa. A teia de processos, órgãos e etapas se tornou extremamente complexa no Brasil, criando e sustentando um mercado rentável de intermediários.
Há quem diga que a burocracia brasileira é uma grande bagunça, mas, na verdade, temos processos bem definidos. A dor é que contamos com muitas etapas, e várias delas são totalmente desnecessárias a partir do avanço da tecnologia em pleno século 21. São tantos trâmites que apenas os sábios veteranos da burocracia sabem navegar; e isso gera um enorme desperdício de tempo, investimento e grande insegurança para quem quer empreender -- mas também produz uma máquina de empregos e custos que beneficiam quem está na teia do sistema.
O sistema é tão arraigado que qualquer alteração provoca um impacto significativo em receitas e empregabilidade. Por esse motivo, existe uma forte resistência das autoridades políticas em propor mudanças e melhorias no procedimento de legalização de uma empresa no Brasil.
Para se ter uma ideia, em 2020, apenas as taxas de abertura de empresas nas Juntas Comerciais variavam de R$58 a R$503, dependendo do Estado e tipo de CNPJ. Além disso, os custos também variam de acordo com o tipo de atividade (CNAE), segmento (indústria, comércio ou serviço) e município.
Se considerarmos a média otimista de R$ 300 em taxas para legalizar um negócio, multiplicado pelas 3.359.750 de empresas abertas apenas em 2020 (levantamento do Mapa das Empresas - Ministério da Economia), poderíamos estimar mais de R$1 bilhão em contribuições das pessoas que começaram a empreender no último ano no país. Com esse montante, seria possível imunizar o estado inteiro do Paraná com duas doses de vacina contra a covid-19. Mas esse é um recurso perdido.
Provavelmente, o pior cenário que a teia de burocracias gera no país é a quantidade de negócios que nem saem do papel ou que permanecem na informalidade -- devido ao receio da formalização por parte dos empresários. Sim, isso mesmo: o empresário brasileiro, muitas vezes, tem medo de empreender e ter sucesso. Segundo levantamento do Sebrae, apenas 32% dos empreendedores do país estavam formalizados com um CNPJ no 1º trimestre de 2020.
Um processo mais simples, ágil e barato teria um impacto enorme em nossa economia, incentivaria a criação e desenvolvimento de novos serviços e produtos e, consequentemente, mais oportunidades de emprego e receita em impostos.
O Brasil está na 12ª posição entre as 20 maiores economias globais pelo Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, observamos um panorama oposto no ranking Doing Business 2020, que revela o Brasil na modesta 124ª posição em relação à facilidade de abertura de novos negócios, enquanto países como Estados Unidos da América (6ª posição) e Reino Unido (8ª posição) ocupam lugares de destaque.
Se tivéssemos maior facilidade em fazer negócios por aqui, o Brasil poderia decolar como uma nação de destaque no futuro e teria muito mais chances de alcançar o top 5 das economias mundiais. Porém, esse cenário ainda está distante do nosso presente.
No Brasil, o fator que mais dificulta a abertura de um negócio é a ausência de informações transparentes em um sistema único, indo na contramão dos processos em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, é possível abrir uma empresa de forma fácil, com investimento a partir de US$ 400 e em cerca de 10 dias. No Reino Unido, com 12 libras esterlinas e em cinco minutos uma pessoa preenche um cadastro para abrir seu negócio sozinha: seguindo etapas claras pela internet, em três horas a empresa estará registrada em sistema e legalizada para operar.
Hoje, vemos prestadores de serviços, autônomos e empresários brasileiros convivendo com a evolução exponencial em vários setores (comunicação, finanças, saúde, indústria e varejo) por meio de diversas soluções que garantem agilidade e facilidade em suas vidas, enquanto, ao mesmo tempo, lidam com esse modelo lento e arcaico do sistema de legalização de negócios.
Felizmente, algumas empresas começam a confrontar fortemente o sistema e trabalham ativamente para mudar esse cenário para as PMEs. Com apoio da tecnologia, muitas soluções têm sido desenvolvidas para descomplicar essa jornada dos empreendedores. O seu uso maciço é o fator mais decisivo para mudarmos o cenário de legalização de empresas no Brasil.
Com inovação via APIs, bots, machine learning, painéis de dados em tempo real e fluxos conversacionais automatizados, será possível otimizar a experiência de ter um negócio. Mais do que isso: com a tecnologia a favor da simplificação e organização do acesso à informação, por meio de custos transparentes e etapas em sua ordem correta, poderemos otimizar a experiência dos empresários e, assim, ajudar que mais negócios sejam criados, gerem empregos e desenvolvam novos serviços e produtos para a nossa economia.
Por meio das soluções atuais e futuras que estão por vir no mercado de legalização e desenvolvimento de empresas, a tendência é de que a jornada seja bem menos tortuosa, com mais transparência e digitalização, empoderamento dos empreendedores e padronização dos processos. Com essa evolução, acredito que estaremos caminhando na direção certa para mudar a nossa realidade, nossa economia e, finalmente, sair da velha trilha cheia de pedras e entrar em um caminho livre para o Brasil do futuro.
*Miklos Grof é CEO da Company Hero