O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou ontem pela segunda vez o presidente Michel Temer e o acusou de ser líder da organização criminosa formada por integrantes do PMDB na Câmara. Na denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) também foram acusados de integrar o grupo os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral); além do ex-ministro Geddel Vieira Lima, dos ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves e do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. Com exceção dos dois ministros, os outros estão todos presos.
Janot protocolou a acusação na véspera de deixar o comando da Procuradoria-Geral da República. Hoje, 15, é seu último dia útil no cargo. Na segunda-feira assume a sucessora Raquel Dodge.
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A DENÚNCIADocumento
COTA DA DENÚNCIANa denúncia, Temer também foi acusado por obstrução de justiça, como responsável por "instigar" os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud, do grupo J&F, a repassarem dinheiro a Cunha e ao operador Lúcio Funaro. O objetivo era impedir que os dois firmassem acordos de delação premiada. Os empresários do grupo dono da JBS também foram denunciados por obstrução de justiça. Eles tiveram o acordo de delação rescindido (MAIS INFORMAÇÕES NA PÁG. A5).
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Em junho, Janot ofereceu denúncia contra Temer por corrupção passiva, mas a Câmara dos Deputados barrou a acusação. Para que a peça contra o presidente seja processada, os deputados precisam autorizar o STF a analisar o caso. Mas o relator no Supremo, ministro Edson Fachin, deve aguardar o julgamento da próxima semana - em que será analisada o pedido da Presidência para que as provas da delação da JBS não sejam usadas neste momento - para enviar a peça à Câmara.
Com relação ao crime de organização criminosa, Janot aponta que Temer "dava a necessária estabilidade e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização". "O núcleo empresarial agia nesse pressuposto, de que poderia contar com a discrição e, principalmente, a orientação de Michel Temer", escreveu Janot.
Segundo o procurador-geral, Padilha, Geddel, Moreira, Henrique Alves e Rodrigo Loures têm uma relação próxima e antiga com Temer e, por isso, falam diretamente com ele. Janot considera que há um "escudo" ao redor de Temer: os aliados negociavam repasses ilícitos enquanto Temer tinha papel de articular com seu grupo político os cargos que ficariam sob sua área de influência. O presidente é, segundo Janot, "o único do grupo que tinha alguma espécie de ascensão sobre todos". "O papel de negociar os cargos junto aos demais membros do núcleo político da organização criminosa, no caso do subnúcleo do 'PMDB da Câmara', era desempenhado por Michel Temer de forma mais estável, por ter sido ele o grande articulador para a unificação do Partido em torno do governo Lula", escreveu Janot.
O procurador-geral aponta que Temer "certas vezes" também atuava de forma direta, sem interlocutores e cita como exemplo o suposto pagamento de propina feito por Joesley Batista a pedido direto de Temer. Segundo o dono da J&F, Temer pediu e ele efetuou pagamento de uma mesada de R$ 100 mil a Wagner Rossi e de R$ 20 mil a Milton Hortolan, quando ambos ficaram contrariados ao serem dispensados do Ministério da Agricultura.
A organização criminosa, segundo a Procuradoria, se vale do "loteamento" entre partidos da base do governo de diretorias e cargos relevantes dentro de órgãos públicos. Os indicados, por sua vez, atuavam a favor de empresas, entre elas as maiores empreiteiras do País. Em troca, os empresários garantiam vantagens como repasse de propina aos políticos ou doações eleitorais às siglas. Participavam do esquema, segundo Janot, o PP, PMDB e o PT.
Desde o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, segundo Janot, o núcleo do PMDB da Câmara, "especialmente Michel Temer", passou a ter papel de destaque nas nomeações para cargos chave em razão da concentração de poderes no Executivo.
Janot aponta que no caso do PMDB da Câmara as ações ilícitas foram cometidas através da Petrobrás, de Furnas, da Caixa Econômica Federal, do Ministério de Integração Nacional, Ministério da Agricultura, da Secretaria de Aviação Civil e da própria Câmara dos Deputados. Pelo esquema, os acusados teriam recebido propina no valor de "pelo menos" R$ 587,1 milhões. A organização criminosa, segundo Janot, teria praticado lavagem de dinheiro através de transferências bancárias internacionais.
OBSTRUÇÃO. Na parte da denúncia apresentada contra Temer que trata de obstrução de justiça, Janot afirma que tanto Funaro quanto Joesley admitem ter havido a negociação e a concretização de um "pacto de silêncio", do qual integrantes do PMDB teriam se beneficiado. Apesar das supostas tentativas de evitar um acordo, Funaro se tornou um delator e suas declarações são utilizadas na denúncia preparada pela PGR.
Janot narra como começou a negociação entre Joesley Batista e Lucio Funaro, que envolveu a proposta de um contrato de R$ 100 milhões para, "além de conferir verniz de legalidade a atos criminosos perpetrados por ambos, mantê-lo (Funaro) em silêncio". Teriam sido feitos pagamentos da ordem de R$ 600 mil e de R$ 400 mil por delatores da J&F a Dante Funaro e Roberta Funaro, irmãos de Lucio. O procurador-geral cita a entrega de dinheiro à irmã de Funaro de R$ 400 mil que foi flagrada por ação controlada da Polícia Federal. Em busca e apreensão realizada posteriormente na casa de Roberta Funaro, foram encontrados R$ 1.699.800,00 "em bolsas e mochilas, valores recebidos pela mencionada denunciada que estavam sendo pagos mensalmente para compras o silêncio de Lúcio Funaro".
COM A PALAVRA, CEZAR BITENCOURT, QUE DEFENDE RODRIGO ROCHA LOURES
"Rodrigo Rocha Loures não participou de nenhum acordo de pagamento ou recebimento de propinas atribuído ao PMDB da Câmara.Rodrigo era apenas um assessor pessoal do Presidente e não tinha nenhuma intervenção em atividades financeiras, ao contrário da recente denúncia contra o PMDB da Câmara. A defesa repudia veemente mais uma denúncia leviana de Rodrigo Janot!!!"
COM A PALAVRA, DANIEL GERBER, QUE DEFENDE ELISEU PADILHA
Sobre a denúncia por organização criminosa feita pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot ao Supremo Tribunal Federal, contra o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o advogado Daniel Gerber que defende o ministro afirma: "Entendo como equivocada o oferecimento de uma denúncia com base em delações que estão sob suspeita, mas iremos demonstrar nos autos a inexistência da hipótese acusatória".
COM A PALAVRA, O ADVOGADO DELIO LINS E SILVA JÚNIOR, QUE DEFENDE EDUARDO CUNHA
Sobre a nova denúncia oferecida pela PGR, a defesa de Eduardo Cunha tem a dizer que provará no processo o absurdo das acusações postas, as quais se sustentam basicamente nas palavras de um reincidente em delações que, diferentemente dele, se propôs a falar tudo o que o Ministério Público queria ouvir para fechar o acordo de colaboração.