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Tinha uma crise no meio do caminho da reforma do gás


Por Bruno Armbrust e Joisa Dutra
Bruno Armbrust e Joisa Dutra. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A crise da pandemia covid vem atingindo fortemente a economia do país e o setor energético como as concessionárias de distribuição de gás e de energia elétrica. Fazem-se sentir os efeitos da queda no consumo em consequência da retração do mercado e do aumento da inadimplência. Medidas e políticas têm sido estabelecidas para proteger usuários, agravando a situação das companhias.

A distribuição de gás, água e eletricidade consistem na prestação de serviços de rede em infraestrutura. Como se trata de atividade regulada, com margem de lucro regulada, o risco deveria ser baixo.  No Brasil, a fatura ao usuário de distribuição de gás ainda incorpora na tarifa final uma parcela referente ao custo do gás (commodity). Essa representa a parte maior do faturamento global da distribuidora de gás. E esse "Risco do Negócio de Commodity" não é precificado e considerado na taxa de remuneração das distribuidoras de gás. Este modelo difere da maior parte dos países desenvolvidos que já passaram por um processo de ampla liberalização do mercado.

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A recente queda do consumo registrada pelas distribuidoras em razão da atual crise da pandemia gera o descumprimento dos compromissos contratuais de take-or-pay.E isso se soma, no momento atual, ao aumento da inadimplência. Estes elementos combinados, além de afetarem a parcela da remuneração, agravam a situação de desequilíbrio financeiro enfrentada pela distribuidora de gás, que precisa pagar os tributos de toda a cadeia de valor e honrar o pagamento do custo do gás a seu fornecedor - no momento atual, a Petrobras.

Os serviços de gás canalizado, ao contrário da distribuição de energia elétrica, ainda atingem a uma parcela muito pequena do mercado. Menos de 5% dos domicílios do país têm acesso ao gás canalizado.  Em recente estudo, a EPE indicou que a margem da distribuição representaria, em média, 17% dos custos de toda a cadeia do gás no país. Mas essa média esconde uma segmentação entre as classes de usuários atendidos pelas distribuidoras.

O mercado de gás pode dividido em dois grupos. O primeiro grupo é composto por grandes clientes: usinas termelétricas, grandes e médios consumidores comerciais e industriais e postos de revenda de gás veicular. Nestes segmentos, as margens de distribuição em média seriam inferiores aos mencionados 17%. No segundo grupo, que compreende clientes residenciais e pequeno comércio em geral, as margens de distribuição representam a maior parcela da tarifa final e o custo do gás tem um menor peso. Tomando como base as vendas de 2019, o primeiro grupo corresponde a 98% do consumo, ao passo que residências e pequenos comércios representam somente 2% do consumo.

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Essa diferenciação é importante para se entender que crises como as desacelerações econômicas enfrentadas pelo país recentemente e a atual teriam tido um impacto menor nos serviços regulados de distribuição se as reformas do mercado de gás já tivessem sido feitas.

A estrutura proposta teria permitido atribuir às distribuidoras apenas o risco inerente aos serviços regulados, ou seja, a margem pela prestação dos serviços de rede. Grandes consumidores, capazes de gerenciar os riscos de sua contratação de gás, não teriam imputado a pequenos usuários esses custos.

É preciso que a reforma do Novo Mercado de Gás, que tramita no Congresso por meio de PL 6.407/2013, corrija distorções e anomalias desse mercado. E que nossa regulação avance rumo a marcos de países desenvolvidos comparáveis que tiveram êxito nos seus processos de abertura do mercado.

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Dentre muitos pontos que deverão estar contidos no novo marco é fundamental um prever um programa inicial similar ao de Gás Release focado em indústrias potencialmente livres.  Cabe estabelecer a obrigatoriedade dos grandes clientes, de acordo com um cronograma, contratarem o gás diretamente junto a um comercializador num ambiente livre. Medidas dessa natureza desobrigariam as distribuidoras de prestar um serviço pelo qual não são remuneradas e que incrementa o risco de uma atividade regulada, onerando indevidamente pequenos usuários ou as companhias.

Falhamos no passado ao não aprovar uma Lei do Gás moderna. E pagamos um preço caro: baixos investimentos, muito limitada expansão das redes e preços e tarifas tornam o recurso e o país não competitivos. Passados 10 anos temos uma nova oportunidade, com o aumento esperado da produção do pré-sal. O custo de errar agora, quando a transição energética aumenta os riscos de monetização de recursos para petróleo e gás, tende a ser muito mais elevado.  Ademais, à exceção dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a distribuição depende muito de investimentos públicos. E a atual crise vai limitar ainda mais a capacidade de investimentos pelas distribuidoras públicas, tornando as privatizações no segmento ainda mais oportuna.

A crise da covid traz desafios e também oportunidades. No caso do gás, estão abertas as portas para o aperfeiçoamento do mercado e eficiências operativas que se bem aplicadas podem trazer ganhos na recuperação da crise. Essa indústria não pode mais se dar ao luxo de perder tempo com uma regulação ultrapassada e com investimentos que não signifiquem ganhos de produtividade e competitividade para o Brasil.

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*Bruno Armbrust, sócio da ARM Consultoria e membro do Conselho de Energia da Associação Comercial do Rio de Janeiro; Joisa Dutra é diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI) e membro do Conselho Global do Futuro da Energia do Fórum Econômico Mundial

Bruno Armbrust e Joisa Dutra. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A crise da pandemia covid vem atingindo fortemente a economia do país e o setor energético como as concessionárias de distribuição de gás e de energia elétrica. Fazem-se sentir os efeitos da queda no consumo em consequência da retração do mercado e do aumento da inadimplência. Medidas e políticas têm sido estabelecidas para proteger usuários, agravando a situação das companhias.

A distribuição de gás, água e eletricidade consistem na prestação de serviços de rede em infraestrutura. Como se trata de atividade regulada, com margem de lucro regulada, o risco deveria ser baixo.  No Brasil, a fatura ao usuário de distribuição de gás ainda incorpora na tarifa final uma parcela referente ao custo do gás (commodity). Essa representa a parte maior do faturamento global da distribuidora de gás. E esse "Risco do Negócio de Commodity" não é precificado e considerado na taxa de remuneração das distribuidoras de gás. Este modelo difere da maior parte dos países desenvolvidos que já passaram por um processo de ampla liberalização do mercado.

A recente queda do consumo registrada pelas distribuidoras em razão da atual crise da pandemia gera o descumprimento dos compromissos contratuais de take-or-pay.E isso se soma, no momento atual, ao aumento da inadimplência. Estes elementos combinados, além de afetarem a parcela da remuneração, agravam a situação de desequilíbrio financeiro enfrentada pela distribuidora de gás, que precisa pagar os tributos de toda a cadeia de valor e honrar o pagamento do custo do gás a seu fornecedor - no momento atual, a Petrobras.

Os serviços de gás canalizado, ao contrário da distribuição de energia elétrica, ainda atingem a uma parcela muito pequena do mercado. Menos de 5% dos domicílios do país têm acesso ao gás canalizado.  Em recente estudo, a EPE indicou que a margem da distribuição representaria, em média, 17% dos custos de toda a cadeia do gás no país. Mas essa média esconde uma segmentação entre as classes de usuários atendidos pelas distribuidoras.

O mercado de gás pode dividido em dois grupos. O primeiro grupo é composto por grandes clientes: usinas termelétricas, grandes e médios consumidores comerciais e industriais e postos de revenda de gás veicular. Nestes segmentos, as margens de distribuição em média seriam inferiores aos mencionados 17%. No segundo grupo, que compreende clientes residenciais e pequeno comércio em geral, as margens de distribuição representam a maior parcela da tarifa final e o custo do gás tem um menor peso. Tomando como base as vendas de 2019, o primeiro grupo corresponde a 98% do consumo, ao passo que residências e pequenos comércios representam somente 2% do consumo.

Essa diferenciação é importante para se entender que crises como as desacelerações econômicas enfrentadas pelo país recentemente e a atual teriam tido um impacto menor nos serviços regulados de distribuição se as reformas do mercado de gás já tivessem sido feitas.

A estrutura proposta teria permitido atribuir às distribuidoras apenas o risco inerente aos serviços regulados, ou seja, a margem pela prestação dos serviços de rede. Grandes consumidores, capazes de gerenciar os riscos de sua contratação de gás, não teriam imputado a pequenos usuários esses custos.

É preciso que a reforma do Novo Mercado de Gás, que tramita no Congresso por meio de PL 6.407/2013, corrija distorções e anomalias desse mercado. E que nossa regulação avance rumo a marcos de países desenvolvidos comparáveis que tiveram êxito nos seus processos de abertura do mercado.

Dentre muitos pontos que deverão estar contidos no novo marco é fundamental um prever um programa inicial similar ao de Gás Release focado em indústrias potencialmente livres.  Cabe estabelecer a obrigatoriedade dos grandes clientes, de acordo com um cronograma, contratarem o gás diretamente junto a um comercializador num ambiente livre. Medidas dessa natureza desobrigariam as distribuidoras de prestar um serviço pelo qual não são remuneradas e que incrementa o risco de uma atividade regulada, onerando indevidamente pequenos usuários ou as companhias.

Falhamos no passado ao não aprovar uma Lei do Gás moderna. E pagamos um preço caro: baixos investimentos, muito limitada expansão das redes e preços e tarifas tornam o recurso e o país não competitivos. Passados 10 anos temos uma nova oportunidade, com o aumento esperado da produção do pré-sal. O custo de errar agora, quando a transição energética aumenta os riscos de monetização de recursos para petróleo e gás, tende a ser muito mais elevado.  Ademais, à exceção dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a distribuição depende muito de investimentos públicos. E a atual crise vai limitar ainda mais a capacidade de investimentos pelas distribuidoras públicas, tornando as privatizações no segmento ainda mais oportuna.

A crise da covid traz desafios e também oportunidades. No caso do gás, estão abertas as portas para o aperfeiçoamento do mercado e eficiências operativas que se bem aplicadas podem trazer ganhos na recuperação da crise. Essa indústria não pode mais se dar ao luxo de perder tempo com uma regulação ultrapassada e com investimentos que não signifiquem ganhos de produtividade e competitividade para o Brasil.

*Bruno Armbrust, sócio da ARM Consultoria e membro do Conselho de Energia da Associação Comercial do Rio de Janeiro; Joisa Dutra é diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI) e membro do Conselho Global do Futuro da Energia do Fórum Econômico Mundial

Bruno Armbrust e Joisa Dutra. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A crise da pandemia covid vem atingindo fortemente a economia do país e o setor energético como as concessionárias de distribuição de gás e de energia elétrica. Fazem-se sentir os efeitos da queda no consumo em consequência da retração do mercado e do aumento da inadimplência. Medidas e políticas têm sido estabelecidas para proteger usuários, agravando a situação das companhias.

A distribuição de gás, água e eletricidade consistem na prestação de serviços de rede em infraestrutura. Como se trata de atividade regulada, com margem de lucro regulada, o risco deveria ser baixo.  No Brasil, a fatura ao usuário de distribuição de gás ainda incorpora na tarifa final uma parcela referente ao custo do gás (commodity). Essa representa a parte maior do faturamento global da distribuidora de gás. E esse "Risco do Negócio de Commodity" não é precificado e considerado na taxa de remuneração das distribuidoras de gás. Este modelo difere da maior parte dos países desenvolvidos que já passaram por um processo de ampla liberalização do mercado.

A recente queda do consumo registrada pelas distribuidoras em razão da atual crise da pandemia gera o descumprimento dos compromissos contratuais de take-or-pay.E isso se soma, no momento atual, ao aumento da inadimplência. Estes elementos combinados, além de afetarem a parcela da remuneração, agravam a situação de desequilíbrio financeiro enfrentada pela distribuidora de gás, que precisa pagar os tributos de toda a cadeia de valor e honrar o pagamento do custo do gás a seu fornecedor - no momento atual, a Petrobras.

Os serviços de gás canalizado, ao contrário da distribuição de energia elétrica, ainda atingem a uma parcela muito pequena do mercado. Menos de 5% dos domicílios do país têm acesso ao gás canalizado.  Em recente estudo, a EPE indicou que a margem da distribuição representaria, em média, 17% dos custos de toda a cadeia do gás no país. Mas essa média esconde uma segmentação entre as classes de usuários atendidos pelas distribuidoras.

O mercado de gás pode dividido em dois grupos. O primeiro grupo é composto por grandes clientes: usinas termelétricas, grandes e médios consumidores comerciais e industriais e postos de revenda de gás veicular. Nestes segmentos, as margens de distribuição em média seriam inferiores aos mencionados 17%. No segundo grupo, que compreende clientes residenciais e pequeno comércio em geral, as margens de distribuição representam a maior parcela da tarifa final e o custo do gás tem um menor peso. Tomando como base as vendas de 2019, o primeiro grupo corresponde a 98% do consumo, ao passo que residências e pequenos comércios representam somente 2% do consumo.

Essa diferenciação é importante para se entender que crises como as desacelerações econômicas enfrentadas pelo país recentemente e a atual teriam tido um impacto menor nos serviços regulados de distribuição se as reformas do mercado de gás já tivessem sido feitas.

A estrutura proposta teria permitido atribuir às distribuidoras apenas o risco inerente aos serviços regulados, ou seja, a margem pela prestação dos serviços de rede. Grandes consumidores, capazes de gerenciar os riscos de sua contratação de gás, não teriam imputado a pequenos usuários esses custos.

É preciso que a reforma do Novo Mercado de Gás, que tramita no Congresso por meio de PL 6.407/2013, corrija distorções e anomalias desse mercado. E que nossa regulação avance rumo a marcos de países desenvolvidos comparáveis que tiveram êxito nos seus processos de abertura do mercado.

Dentre muitos pontos que deverão estar contidos no novo marco é fundamental um prever um programa inicial similar ao de Gás Release focado em indústrias potencialmente livres.  Cabe estabelecer a obrigatoriedade dos grandes clientes, de acordo com um cronograma, contratarem o gás diretamente junto a um comercializador num ambiente livre. Medidas dessa natureza desobrigariam as distribuidoras de prestar um serviço pelo qual não são remuneradas e que incrementa o risco de uma atividade regulada, onerando indevidamente pequenos usuários ou as companhias.

Falhamos no passado ao não aprovar uma Lei do Gás moderna. E pagamos um preço caro: baixos investimentos, muito limitada expansão das redes e preços e tarifas tornam o recurso e o país não competitivos. Passados 10 anos temos uma nova oportunidade, com o aumento esperado da produção do pré-sal. O custo de errar agora, quando a transição energética aumenta os riscos de monetização de recursos para petróleo e gás, tende a ser muito mais elevado.  Ademais, à exceção dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a distribuição depende muito de investimentos públicos. E a atual crise vai limitar ainda mais a capacidade de investimentos pelas distribuidoras públicas, tornando as privatizações no segmento ainda mais oportuna.

A crise da covid traz desafios e também oportunidades. No caso do gás, estão abertas as portas para o aperfeiçoamento do mercado e eficiências operativas que se bem aplicadas podem trazer ganhos na recuperação da crise. Essa indústria não pode mais se dar ao luxo de perder tempo com uma regulação ultrapassada e com investimentos que não signifiquem ganhos de produtividade e competitividade para o Brasil.

*Bruno Armbrust, sócio da ARM Consultoria e membro do Conselho de Energia da Associação Comercial do Rio de Janeiro; Joisa Dutra é diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI) e membro do Conselho Global do Futuro da Energia do Fórum Econômico Mundial

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