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Toffoli diz que prisão de Lula na Lava Jato foi ‘armação’ e ‘erro judiciário’; Moro e Deltan reagem


Ministro do STF anula todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht e manda AGU e PGR apurarem responsabilidades por ‘conluio e parcialidade’ de agentes da Operação; ex-juiz diz que ‘corrupção nos governos do PT foi real’; ex-procurador acusa ‘leniência do STF com corrupção’

Por Pepita Ortega
Atualização:
O ministro do STF Dias Toffoli. Foto: André Dusek/Estadão

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, afirmou em despacho assinado na manhã desta quarta-feira, 6, que a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos ‘maiores erros judiciários da história do País’. O magistrado diz que a detenção do petista foi ‘uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado’.

“Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, ressaltou Toffoli, que foi indicado por Lula ao Supremo em 2009 e atuou como advogado do antes de ser alçado à Corte máxima.

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“Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (vide citada decisão do STF) e fora de sua esfera de competência. Enfim, em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século XXI, para obter ‘provas’ contra inocentes”, completou, em duro golpe à Operação Lava Jato.

O senador Sérgio Moro, que decretou a prisão de Lula na Lava Jato, reagiu às ponderações do ministro do STF. Disse que a atuação da força-tarefa foi ‘dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores’. “A corrupção nos Governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras”, afirmou.

O ex-deputado Deltan Dallagnoll, outro expoente da Lava Jato, também reagiu à decisão do STF, afirmando que o ‘maior erro da história do país não foi a condenação do Lula, mas a leniência do STF com a corrupção de Lula e de mais de 400 políticos delatados pela Odebrecht’.

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A prisão de Lula foi decretada em abril de 2018, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar sua condenação no caso do triplex do Guarujá. À época, era permitida a prisão após condenação em segunda instância. Foi com base em tal jurisprudência que o então juiz Sérgio Moro expediu a ordem de prisão do petista.

Lula deixou a prisão, após 580 dias, em novembro de 2019, depois que o Supremo reviu seu entendimento sobre o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado de uma sentença. A corte estabeleceu que a prisão só cabe após se esgotarem todos os recursos no Judiciário.

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As afirmações de Toffoli constam em despacho de 135 páginas em que o ministro do STF declarou imprestáveis todas as provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht e dos sistemas Drousys e My Web Day B, usado pelo Setor de Operações Estruturadas - ‘o departamento de propinas’ - da empreiteira. A decisão foi assinada no bojo de uma reclamação impetrada pela defesa do ex-presidente, que era capitaneada pelo ex-advogado do presidente e hoje ministro do STF Cristiano Zanin.

Toffoli aproveitou o despacho para tecer críticas à Lava Jato. Segundo o ministro, a “parcialidade” do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, base da Operação Lava Jato, ‘extrapolou todos os limites e com certeza contamina diversos outros procedimentos’.

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O magistrado afirmou que os “constantes ajustes e combinações” realizados entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato “representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa”.

“Aqui não se está a dizer que no bojo da mencionada operação não tenha havido investigação de ilícitos verdadeiramente cometidos, apurados e sancionados, mas, ao fim e ao cabo, o que esta Reclamação deixa evidente é que se utilizou de um cover-up de combate à corrupção, com o intuito de levar um líder político às grades, com parcialidade e, em conluio, forjando-se ‘provas’”, escreveu.

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“Centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar inocentes à prisão. Delações essas que caem por terra, dia após dia, aliás. Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”, indicou.

Apuração de responsabilidades

Considerando a ‘gravidade’ dos fatos citados no despacho, Toffoli determinou a remessa de cópia do processo à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, ao Ministério da Justiça, à Controladoria-Geral da União, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público.

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O ministro pede que, de acordo com suas “respectivas esferas de atribuições”, tais órgãos ‘identifiquem e informem eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram os atos no acordo de leniência da Odebrecht, sem observância dos procedimentos formais junto ao Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Internacional.

Segundo Toffoli, as negociações feitas pelos procuradores da Lava Jato no Paraná “jamais poderiam avançar para a assinatura” do pacto nos termos em que foi assinado. “Os Procuradores de Curitiba e os magistrados lotados na 13ª Vara de Curitiba avançaram para efetivamente remeter recursos do Estado brasileiro ao exterior sem a necessária concorrência de órgãos oficiais como a Advocacia-Geral da União, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública”, afirmou.

O ministro do STF também determinou a “adoção das medidas necessárias para apurar responsabilidades não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal, consideradas as gravíssimas consequências dos atos referidos acima para o Estado brasileiro e para centenas de investigados e réus em ações penais, ações de improbidade administrativa, ações eleitorais e ações civis espalhadas por todo o país e também no exterior”.

O ministro ainda viu ‘recalcitrância’ quanto ao cumprimento de ordens anteriores, referente ao acesso às mensagens da Operação Spoofing, oficiou à Polícia Federal “pela derradeira vez” para a apresentação do conteúdo integral dos diálogos capturados em meio à investigação sobre o hackeamento de Moro e de procuradores da Lava Jato. Toffoli alertou sobre uma eventual sob pena de incidência no crime de desobediência, em caso de descumprimento da ordem.

Lula em São Bernardo do Campo, em 7 de abril de 2018, dia de sua prisão. Foto: ANDRÉ PENNER/AP

Por que Toffoli deu a decisão?

Toffoli herdou a reclamação na qual despachou na manhã desta quarta, 6, do acervo do ex-ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou neste ano. O antigo relator do caso já havia proferido uma série de decisões no bojo do mesmo processo, em especial para garantir a Lula e outros alvos da Lava Jato acesso às mensagens apreendidas na Operação Spoofing. Após o Supremo deferir a solicitação do presidente, começaram a aportar no Supremo uma série de pedidos de extensão, feitos por investigados da Operação.

Quando Toffoli assumiu o caso, ele determinou a remessa, ao STF, de uma série de documentos no centro do processo: o acordo de leniência da Odebrecht, as provas do “departamento de propinas” da empreiteira e os autos da Spoofing.

No entanto, o magistrado diz que o pleito ainda não foi atendido - o que, em suas palavras, “comprova dificuldades enfrentadas para se fazer cumprir o enunciado da Súmula Vinculante 14 (que trata do acesso amplo a elementos de prova) nas engrenagens da “operação Lava a Jato”, assim como em outras esferas do sistema de Justiça”.

Nessa linha, o ministro entendeu, a partir das dezenas de pedidos de extensão feitos nos autos, que os motivos que levaram à anulação das provas da leniência da Odebrecht não se restringiam ao caso específico de cada um dos investigados, possuindo um caráter “objetivo”, mais amplo. A hipótese foi reforçada após Toffoli questionar o Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Internacional sobre o acordo de leniência da Odebrecht.

A avaliação foi a de que a anulação das provas deveria ser estendida a ‘todos os feitos que tenham se utilizado de tais elementos, seja na esfera criminal, seja na esfera eleitoral, seja em processos envolvendo ato de improbidade administrativa, seja, ainda, na esfera cível’. Assim, o ministro proferiu o despacho para não seguir analisando, caso a caso, os pedidos, “evitando a multiplicidade de feitos” na Corte máxima.

“Registro que já tive a oportunidade de conceder dezenas de extensões, além daquelas já determinadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski e referendadas pela Segunda Turma desta Suprema Corte, não se podendo prorrogar indefinidamente essa situação sem resvalar-se em iniquidades”, assinalou.

O ministro do STF Dias Toffoli. Foto: André Dusek/Estadão

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, afirmou em despacho assinado na manhã desta quarta-feira, 6, que a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos ‘maiores erros judiciários da história do País’. O magistrado diz que a detenção do petista foi ‘uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado’.

“Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, ressaltou Toffoli, que foi indicado por Lula ao Supremo em 2009 e atuou como advogado do antes de ser alçado à Corte máxima.

“Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (vide citada decisão do STF) e fora de sua esfera de competência. Enfim, em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século XXI, para obter ‘provas’ contra inocentes”, completou, em duro golpe à Operação Lava Jato.

O senador Sérgio Moro, que decretou a prisão de Lula na Lava Jato, reagiu às ponderações do ministro do STF. Disse que a atuação da força-tarefa foi ‘dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores’. “A corrupção nos Governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras”, afirmou.

O ex-deputado Deltan Dallagnoll, outro expoente da Lava Jato, também reagiu à decisão do STF, afirmando que o ‘maior erro da história do país não foi a condenação do Lula, mas a leniência do STF com a corrupção de Lula e de mais de 400 políticos delatados pela Odebrecht’.

A prisão de Lula foi decretada em abril de 2018, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar sua condenação no caso do triplex do Guarujá. À época, era permitida a prisão após condenação em segunda instância. Foi com base em tal jurisprudência que o então juiz Sérgio Moro expediu a ordem de prisão do petista.

Lula deixou a prisão, após 580 dias, em novembro de 2019, depois que o Supremo reviu seu entendimento sobre o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado de uma sentença. A corte estabeleceu que a prisão só cabe após se esgotarem todos os recursos no Judiciário.

As afirmações de Toffoli constam em despacho de 135 páginas em que o ministro do STF declarou imprestáveis todas as provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht e dos sistemas Drousys e My Web Day B, usado pelo Setor de Operações Estruturadas - ‘o departamento de propinas’ - da empreiteira. A decisão foi assinada no bojo de uma reclamação impetrada pela defesa do ex-presidente, que era capitaneada pelo ex-advogado do presidente e hoje ministro do STF Cristiano Zanin.

Toffoli aproveitou o despacho para tecer críticas à Lava Jato. Segundo o ministro, a “parcialidade” do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, base da Operação Lava Jato, ‘extrapolou todos os limites e com certeza contamina diversos outros procedimentos’.

O magistrado afirmou que os “constantes ajustes e combinações” realizados entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato “representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa”.

“Aqui não se está a dizer que no bojo da mencionada operação não tenha havido investigação de ilícitos verdadeiramente cometidos, apurados e sancionados, mas, ao fim e ao cabo, o que esta Reclamação deixa evidente é que se utilizou de um cover-up de combate à corrupção, com o intuito de levar um líder político às grades, com parcialidade e, em conluio, forjando-se ‘provas’”, escreveu.

“Centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar inocentes à prisão. Delações essas que caem por terra, dia após dia, aliás. Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”, indicou.

Apuração de responsabilidades

Considerando a ‘gravidade’ dos fatos citados no despacho, Toffoli determinou a remessa de cópia do processo à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, ao Ministério da Justiça, à Controladoria-Geral da União, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público.

O ministro pede que, de acordo com suas “respectivas esferas de atribuições”, tais órgãos ‘identifiquem e informem eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram os atos no acordo de leniência da Odebrecht, sem observância dos procedimentos formais junto ao Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Internacional.

Segundo Toffoli, as negociações feitas pelos procuradores da Lava Jato no Paraná “jamais poderiam avançar para a assinatura” do pacto nos termos em que foi assinado. “Os Procuradores de Curitiba e os magistrados lotados na 13ª Vara de Curitiba avançaram para efetivamente remeter recursos do Estado brasileiro ao exterior sem a necessária concorrência de órgãos oficiais como a Advocacia-Geral da União, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública”, afirmou.

O ministro do STF também determinou a “adoção das medidas necessárias para apurar responsabilidades não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal, consideradas as gravíssimas consequências dos atos referidos acima para o Estado brasileiro e para centenas de investigados e réus em ações penais, ações de improbidade administrativa, ações eleitorais e ações civis espalhadas por todo o país e também no exterior”.

O ministro ainda viu ‘recalcitrância’ quanto ao cumprimento de ordens anteriores, referente ao acesso às mensagens da Operação Spoofing, oficiou à Polícia Federal “pela derradeira vez” para a apresentação do conteúdo integral dos diálogos capturados em meio à investigação sobre o hackeamento de Moro e de procuradores da Lava Jato. Toffoli alertou sobre uma eventual sob pena de incidência no crime de desobediência, em caso de descumprimento da ordem.

Lula em São Bernardo do Campo, em 7 de abril de 2018, dia de sua prisão. Foto: ANDRÉ PENNER/AP

Por que Toffoli deu a decisão?

Toffoli herdou a reclamação na qual despachou na manhã desta quarta, 6, do acervo do ex-ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou neste ano. O antigo relator do caso já havia proferido uma série de decisões no bojo do mesmo processo, em especial para garantir a Lula e outros alvos da Lava Jato acesso às mensagens apreendidas na Operação Spoofing. Após o Supremo deferir a solicitação do presidente, começaram a aportar no Supremo uma série de pedidos de extensão, feitos por investigados da Operação.

Quando Toffoli assumiu o caso, ele determinou a remessa, ao STF, de uma série de documentos no centro do processo: o acordo de leniência da Odebrecht, as provas do “departamento de propinas” da empreiteira e os autos da Spoofing.

No entanto, o magistrado diz que o pleito ainda não foi atendido - o que, em suas palavras, “comprova dificuldades enfrentadas para se fazer cumprir o enunciado da Súmula Vinculante 14 (que trata do acesso amplo a elementos de prova) nas engrenagens da “operação Lava a Jato”, assim como em outras esferas do sistema de Justiça”.

Nessa linha, o ministro entendeu, a partir das dezenas de pedidos de extensão feitos nos autos, que os motivos que levaram à anulação das provas da leniência da Odebrecht não se restringiam ao caso específico de cada um dos investigados, possuindo um caráter “objetivo”, mais amplo. A hipótese foi reforçada após Toffoli questionar o Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Internacional sobre o acordo de leniência da Odebrecht.

A avaliação foi a de que a anulação das provas deveria ser estendida a ‘todos os feitos que tenham se utilizado de tais elementos, seja na esfera criminal, seja na esfera eleitoral, seja em processos envolvendo ato de improbidade administrativa, seja, ainda, na esfera cível’. Assim, o ministro proferiu o despacho para não seguir analisando, caso a caso, os pedidos, “evitando a multiplicidade de feitos” na Corte máxima.

“Registro que já tive a oportunidade de conceder dezenas de extensões, além daquelas já determinadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski e referendadas pela Segunda Turma desta Suprema Corte, não se podendo prorrogar indefinidamente essa situação sem resvalar-se em iniquidades”, assinalou.

O ministro do STF Dias Toffoli. Foto: André Dusek/Estadão

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, afirmou em despacho assinado na manhã desta quarta-feira, 6, que a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos ‘maiores erros judiciários da história do País’. O magistrado diz que a detenção do petista foi ‘uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado’.

“Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, ressaltou Toffoli, que foi indicado por Lula ao Supremo em 2009 e atuou como advogado do antes de ser alçado à Corte máxima.

“Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (vide citada decisão do STF) e fora de sua esfera de competência. Enfim, em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século XXI, para obter ‘provas’ contra inocentes”, completou, em duro golpe à Operação Lava Jato.

O senador Sérgio Moro, que decretou a prisão de Lula na Lava Jato, reagiu às ponderações do ministro do STF. Disse que a atuação da força-tarefa foi ‘dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores’. “A corrupção nos Governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras”, afirmou.

O ex-deputado Deltan Dallagnoll, outro expoente da Lava Jato, também reagiu à decisão do STF, afirmando que o ‘maior erro da história do país não foi a condenação do Lula, mas a leniência do STF com a corrupção de Lula e de mais de 400 políticos delatados pela Odebrecht’.

A prisão de Lula foi decretada em abril de 2018, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar sua condenação no caso do triplex do Guarujá. À época, era permitida a prisão após condenação em segunda instância. Foi com base em tal jurisprudência que o então juiz Sérgio Moro expediu a ordem de prisão do petista.

Lula deixou a prisão, após 580 dias, em novembro de 2019, depois que o Supremo reviu seu entendimento sobre o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado de uma sentença. A corte estabeleceu que a prisão só cabe após se esgotarem todos os recursos no Judiciário.

As afirmações de Toffoli constam em despacho de 135 páginas em que o ministro do STF declarou imprestáveis todas as provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht e dos sistemas Drousys e My Web Day B, usado pelo Setor de Operações Estruturadas - ‘o departamento de propinas’ - da empreiteira. A decisão foi assinada no bojo de uma reclamação impetrada pela defesa do ex-presidente, que era capitaneada pelo ex-advogado do presidente e hoje ministro do STF Cristiano Zanin.

Toffoli aproveitou o despacho para tecer críticas à Lava Jato. Segundo o ministro, a “parcialidade” do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, base da Operação Lava Jato, ‘extrapolou todos os limites e com certeza contamina diversos outros procedimentos’.

O magistrado afirmou que os “constantes ajustes e combinações” realizados entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato “representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa”.

“Aqui não se está a dizer que no bojo da mencionada operação não tenha havido investigação de ilícitos verdadeiramente cometidos, apurados e sancionados, mas, ao fim e ao cabo, o que esta Reclamação deixa evidente é que se utilizou de um cover-up de combate à corrupção, com o intuito de levar um líder político às grades, com parcialidade e, em conluio, forjando-se ‘provas’”, escreveu.

“Centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar inocentes à prisão. Delações essas que caem por terra, dia após dia, aliás. Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”, indicou.

Apuração de responsabilidades

Considerando a ‘gravidade’ dos fatos citados no despacho, Toffoli determinou a remessa de cópia do processo à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, ao Ministério da Justiça, à Controladoria-Geral da União, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público.

O ministro pede que, de acordo com suas “respectivas esferas de atribuições”, tais órgãos ‘identifiquem e informem eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram os atos no acordo de leniência da Odebrecht, sem observância dos procedimentos formais junto ao Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Internacional.

Segundo Toffoli, as negociações feitas pelos procuradores da Lava Jato no Paraná “jamais poderiam avançar para a assinatura” do pacto nos termos em que foi assinado. “Os Procuradores de Curitiba e os magistrados lotados na 13ª Vara de Curitiba avançaram para efetivamente remeter recursos do Estado brasileiro ao exterior sem a necessária concorrência de órgãos oficiais como a Advocacia-Geral da União, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública”, afirmou.

O ministro do STF também determinou a “adoção das medidas necessárias para apurar responsabilidades não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal, consideradas as gravíssimas consequências dos atos referidos acima para o Estado brasileiro e para centenas de investigados e réus em ações penais, ações de improbidade administrativa, ações eleitorais e ações civis espalhadas por todo o país e também no exterior”.

O ministro ainda viu ‘recalcitrância’ quanto ao cumprimento de ordens anteriores, referente ao acesso às mensagens da Operação Spoofing, oficiou à Polícia Federal “pela derradeira vez” para a apresentação do conteúdo integral dos diálogos capturados em meio à investigação sobre o hackeamento de Moro e de procuradores da Lava Jato. Toffoli alertou sobre uma eventual sob pena de incidência no crime de desobediência, em caso de descumprimento da ordem.

Lula em São Bernardo do Campo, em 7 de abril de 2018, dia de sua prisão. Foto: ANDRÉ PENNER/AP

Por que Toffoli deu a decisão?

Toffoli herdou a reclamação na qual despachou na manhã desta quarta, 6, do acervo do ex-ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou neste ano. O antigo relator do caso já havia proferido uma série de decisões no bojo do mesmo processo, em especial para garantir a Lula e outros alvos da Lava Jato acesso às mensagens apreendidas na Operação Spoofing. Após o Supremo deferir a solicitação do presidente, começaram a aportar no Supremo uma série de pedidos de extensão, feitos por investigados da Operação.

Quando Toffoli assumiu o caso, ele determinou a remessa, ao STF, de uma série de documentos no centro do processo: o acordo de leniência da Odebrecht, as provas do “departamento de propinas” da empreiteira e os autos da Spoofing.

No entanto, o magistrado diz que o pleito ainda não foi atendido - o que, em suas palavras, “comprova dificuldades enfrentadas para se fazer cumprir o enunciado da Súmula Vinculante 14 (que trata do acesso amplo a elementos de prova) nas engrenagens da “operação Lava a Jato”, assim como em outras esferas do sistema de Justiça”.

Nessa linha, o ministro entendeu, a partir das dezenas de pedidos de extensão feitos nos autos, que os motivos que levaram à anulação das provas da leniência da Odebrecht não se restringiam ao caso específico de cada um dos investigados, possuindo um caráter “objetivo”, mais amplo. A hipótese foi reforçada após Toffoli questionar o Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Internacional sobre o acordo de leniência da Odebrecht.

A avaliação foi a de que a anulação das provas deveria ser estendida a ‘todos os feitos que tenham se utilizado de tais elementos, seja na esfera criminal, seja na esfera eleitoral, seja em processos envolvendo ato de improbidade administrativa, seja, ainda, na esfera cível’. Assim, o ministro proferiu o despacho para não seguir analisando, caso a caso, os pedidos, “evitando a multiplicidade de feitos” na Corte máxima.

“Registro que já tive a oportunidade de conceder dezenas de extensões, além daquelas já determinadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski e referendadas pela Segunda Turma desta Suprema Corte, não se podendo prorrogar indefinidamente essa situação sem resvalar-se em iniquidades”, assinalou.

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