Muito se fala em transmissão por herança, mas de fato do que se trata tal instituto? É importante que você, leitor, saiba que estamos abordando um tema corriqueiro na área jurídica, que possui disposições em nosso Código Civil de 2002. Este não é tão antigo se comparado a nossa Constituição Federal de 1988 ou nosso Código Penal de 1940, por exemplo, e estabelece inúmeras relações entre o direito e as pessoas.
A transmissão por herança é nada menos que a sucessão causa mortis, que tem o direcionamento de transferir, de forma total ou parcial, os bens no caso de falecimento de alguém para um ou mais herdeiros, chamados de sucessores. A ordem em que os herdeiros serão chamados à sucessão é definida pelo Código Civil, além da possibilidade de o falecido ter previamente designado herdeiros através de um testamento.
Segundo o artigo 1.784 do Código Civil, a abertura da sucessão ocorre no momento da morte do de cujus e, com isso, desde logo, acontece a transmissão da herança aos herdeiros legítimos e testamentários. Ademais, de acordo com o art. 1.804 do supracitado Códex, quando o herdeiro aceita a herança, a sua transmissão torna-se definitiva. Destarte, a transmissão da herança é um dos fatos geradores do ITCMD. Em linhas gerais, trata-se de um tributo aplicado quando os herdeiros recebem doação de bens móveis, imóveis, de direito ou herança.
Posto isso, adentramos agora ao assunto que faz jus ao nosso título e, em um primeiro momento, já podemos avaliar que a arrecadação do ITCMD no Brasil cresceu 8,1% no primeiro semestre de 2023, atingindo a cifra de quase R$ 6,4 bilhões. Esse acréscimo ocorreu mesmo diante dos esforços dos estados brasileiros para ampliar a arrecadação e enfrentar as mudanças decorrentes da reforma tributária, especialmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, que obteve aprovação inicial na Câmara dos Deputados em meados de 2023.
A análise detalhada de um segmento específico aponta, ainda, que 2023 deve ser o ano das heranças no Brasil. Dados compilados pelas unidades federativas sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) mostram um aumento expressivo. O valor saltou de R$ 5,88 bilhões arrecadados nos primeiros seis meses de 2022, para um montante de R$ 6,36 bilhões no mesmo período deste ano.
Com isso e levando em conta que 2022 foi o ano de arrecadação recorde do ITCMD, com R$ 13,1 bilhão no total, 2023 deve superar essa marca e se tornar o ano com os maiores valores transmitidos por herança na história do país.
Vale lembrar que o ITCMD é relevante para as funções fiscais, haja vista que tem o objetivo de coletar recursos para os estados, com o destaque para a autonomia de cada unidade em definir as regras de cobrança do tributo. No entanto, embora a Constituição Federal de 1988 conceda autonomia aos estados (art. 155, I), ela também impôs limites à atuação estatal em relação à alíquota do imposto, uma vez que as alíquotas máximas serão determinadas pelo Senado Federal.
De acordo com a legislação atual (Resolução do Senado n.º 9/92), os estados podem cobrar alíquotas de 2% a 8%, com a liberdade de definir a alíquota dentro desse parâmetro. Alguns estados, inclusive, cobram uma alíquota progressiva de acordo com o valor do bem, além de alíquotas diferentes para doação e herança. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, a alíquota do imposto sobre a doação é menor que a incidente sobre transmissão por herança.
Em uma análise mais aprofundada, observamos o cenário tributário do Brasil como um todo, considerando as disposições em cada Estado da Federação. São Paulo desponta como o líder, contribuindo com a maior fatia na arrecadação tributária causa mortis, alcançando R$ 1,61 bilhão. Em seguida, temos Minas Gerais com R$ 828 milhões, e o Rio de Janeiro com R$ 654 milhões. Essas três regiões lideram o ranking de arrecadação do ITCMD nos estados em 2023.
No primeiro semestre deste ano, a Paraíba apresentou maior elevação na coleta do ITCMD na comparação com igual período de 2022, atingindo 197,7%. Já o Piauí, teve queda de 40,3% na arrecadação nos primeiros seis meses deste ano, registrando a maior queda entre os estados no comparativo com o mesmo período de 2022.
Esses exemplos evidenciam a desigualdade no Brasil, extrapolando os limites da dignidade humana com suas disparidades, contrariando os princípios da Magna Carta, que determina direitos iguais, acesso à justiça igualitário e estabelece que o desconhecimento da lei é inescusável, especialmente nas esferas penal e processual.
Apesar das marcantes diferenças, notamos em nosso país um aumento significativo na quantidade de doações, passando da média mensal de 11,6 mil em 2022 para mais de 14,2 mil em agosto deste ano. Essa mudança ocorreu logo após a análise da PEC mencionada no nosso quarto parágrafo. Esse comportamento reflete a preocupação dos contribuintes com o aumento das alíquotas, levando-os a antecipar planos de doação aos herdeiros em vida – em vez do processo via inventário, por exemplo.
Em suma, com todos os dados consolidados de 2023, será possível observar se a curva ascendente de arrecadação do ITCMD continua, o que indicaria uma dinâmica maior de movimentações relacionadas a heranças e doações no País. O assunto muito me chama a atenção e, ao meu ver, se destaca significativamente no cenário do Direito das Sucessões no Brasil, pelas cifras envolvidas e a importância do tributo para as administrações estaduais.
*Ana Cecília Fernandes, advogada pós-graduada com especialização em Processo Civil (Escola Paulista de Direito - EPD) e analista de conteúdo na Cálculo Jurídico