O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Fernando Antônio Torres Garcia, comunicou os magistrados paulistas que já deu o primeiro passo para operacionalizar o pagamento de Adicionais por Tempo de Serviço (ATS) - penduricalho extinto desde 2006. Segundo mensagem encaminhada a todos os juízes na quarta, 17, o maior Tribunal estadual do País pretende pagar verbas relativas a um período que se estende por mais de 15 anos - de janeiro de 2008 a agosto de 2023.
Ainda não há um cálculo do montante que será desembolsado. O TJ paulista conta em seus quadros 2 mil juízes. São 358 desembargadores, um plantel sem igual em todo o País.
Torres Garcia informou a seus pares que determinou a “anotação da verba” do ATS “nos créditos das magistradas e magistrados”, de modo a permitir o pagamento da vantagem “de acordo com critérios que serão disponibilizados em comunicados” da presidência. Isso quer dizer que o TJ vai marcar o holerite dos magistrados que serão beneficiados.
O comunicado foi repassado pelo WhatsApp aos desembargadores e juízes de primeiro grau. Em sua mensagem, Torres Garcia indica que a medida se dá “em harmonia” com os compromissos que assumiu em sua candidatura à presidência da Corte paulista - ele foi eleito em dezembro passado e tomou posse em janeiro.
Torres Garcia se elegeu presidente do TJ paulista em dezembro passado empunhando a bandeira da valorização da magistratura. Há 41 anos na carreira, ele está decidido a não abrir mão do compromisso e levar adiante seu projeto.
“Cuida-se da concretização de um direito que aguardávamos há muito tempo e que já foi aperfeiçoado em outros tribunais. Seguiremos em frente. O nosso objetivo, ao fim e ao cabo, é a valorização da carreira da magistratura”, escreveu.
A expectativa é intensa no grande tribunal. Um desembargador disse ao Estadão que os magistrados ainda não receberam nada. Trata-se, disse, apenas de uma anotação de crédito, sem previsão de pagamento.
Outro desembargador destacou que o Conselho Nacional de Justiça foi consultado e que há decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo o direito ao ATS. Ele observou que a decisão não alcança todos os juízes. Apenas uma parte menor da categoria teria esse direito, afirmou. Os mais antigos, anotou ainda, não têm qualquer crédito e os que ingressaram na carreira depois de 2000 não receberão.
Os desembargadores do TJ paulista sustentam que esses valores já foram pagos por todos os tribunais e se reportam a uma decisão da ex-ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber que, segundo eles, autoriza o desembolso.
Afirmam que em vários Estados os tribunais quitaram tudo de uma vez só, mas a Corte paulista, alegam, foi “mais cautelosa” e aguardou as decisões que respaldam o ATS.
O ATS voltou aos holofotes no final de 2022, quando o Conselho da Justiça Federal aprovou a volta do agregado, também conhecido como quinquênio - o nome se dá em razão da previsão de aumento automático e acumulativo de 5% nos vencimentos a cada cinco anos.
O caso caiu no colo do corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, que não obstou os pagamentos. Desde então, diferentes braços da Justiça - como a do Trabalho - e Tribunais estaduais por todo o País têm usado as decisões para liberar pagamentos milionários em penduricalhos a seus juízes.
No ano passado, o retorno do quinquênio entrou na mira do Tribunal de Contas da União, que tentou derrubar o benefício. A tentativa, no entanto, foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal, que virou uma espécie de mediador da queda de braço entre a Corte de Contas e o CNJ. Em meio ao imbróglio, Salomão suspendeu o pagamento dos retroativos.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, a retomada do ATS foi aprovada em uma reunião do Órgão Especial - formado por 25 desembargadores - realizada no dia 12 de abril do ano passado, uma semana antes de Salomão suspender o benefício, pelo menos para a magistratura federal.
Na ocasião, os desembargadores aprovaram um requerimento da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis).
A pauta da sessão da cúpula do TJ paulista descreve o requerimento apenas como “relativo aos adicionais por tempo de serviço”.
A ata da reunião diz apenas que o pedido foi aprovado. A deliberação do Órgão Especial sobre o tema durou menos de quatro minutos.
Na ocasião, o desembargador Ricardo Anafe, então presidente do TJ e relator da solicitação, não detalhou o requerimento na sessão transmitida no Youtube. Ele indicou que havia encaminhado seu voto aos colegas. Dois magistrados se manifestaram sobre o tema: o presidente e o vice.
O vice-presidente do TJ, desembargador Guilherme Gonçalves Strenger, abordou uma “restrição” quanto à necessidade de autorização do CNJ para a implantação do benefício. “A meu ver, por força de decisão do corregedor, talvez não fosse necessária”, indicou.
Ele disse que o colegiado estava ali para “acelerar o processo que já vem tramitando por um longo período”.
A reportagem questionou o CNJ sobre o aval para os pagamentos. Também entrou em contato com a Apamagis.
Ricardo Anafe destacou que, quanto ao “apostilamento, a obrigação de fazer”, não era necessário o pronunciamento do CNJ, uma vez que havia “uma série de decisões” do órgão superior em tal sentido. Já com relação ao pagamento de “atrasados”, todos têm de ser remetidos ao colegiado, alertou.
Em seguida, Fernando Torres Garcia, hoje presidente do Tribunal, afirmou que a Corte paulista tinha que “acompanhar essa tese consolidada em âmbito nacional de modo a preservar os vencimentos dos magistrados paulistas”.
“São Paulo não pode ser diferente e deve, de imediato, fazer esse ajuste, o acolhimento da tese já consagrada, inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça”, declarou Torres Garcia.
Em Rondônia, em movimentação similar, ATS alçou holerites dos magistrados do Tribunal de Justiça a mais de R$ 1 milhão.
As medidas agora adotadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para operacionalizar os pagamentos de ATS seguem os passos de outras Cortes estaduais do País, como a de Rondônia.
Naquele Estado, a liberação dos quinquênios levou os holerites de 46 magistrados a ultrapassarem R$ 1 milhão, em fevereiro. O contracheque mais alto bateu em R$ 1,64 milhão brutos.
Quando foi questionada sobre a razão para os contracheques milionários, a Corte de Rondônia confirmou ao Estadão que as ‘vantagens’ que elevaram os subsídios pagos aos magistrados ‘se referem ao ATS - Adicional por Tempo de Serviço, indenização de férias e outros direitos que estavam acumulados, os quais foram devidamente autorizados pelo Conselho Nacional de Justiça e também pelo Tribunal Pleno Administrativo de Rondônia’.
A Corte fez referência expressa à decisão de Salomão que, em 2023, deu aval ao pagamento de um penduricalho que estava extinto desde 2006. A citação ao CNJ levou a Corregedoria Nacional de Justiça a apurar a conduta do Tribunal de Rondônia em razão de “informações contraditórias e inconsistentes presentes na nota” divulgada pela Corte.
Na ocasião, o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça ressaltou que o deferimento dos retroativos do ATS está suspenso para todos os Tribunais desde o segundo semestre de 2023.