Em movimento recente, a Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Procuradoria da Fazenda Nacional vêm se manifestando, a primeira lavrando autos de infração e a segunda se posicionando publicamente, acerca das consequências tributárias da Operação Lava Jato.
A Secretaria da Receita Federal tem, como regra, lavrados autos de infração glosando - anulando - despesas contabilizadas na escrituração fiscal das empresas que efetuaram pagamentos a beneficiários que foram citados em acordos de delação premiada e, concomitantemente, exigindo o pagamento de Imposto de Renda na Fonte - IRRF, à alíquota de 35%, calculado sobre os valores pagos aos referidos beneficiários. Sobre o montante apurado, está sendo lançada multa de ofício qualificada, à alíquota de 150%, acrescidos ainda de juros SELIC.
Pois bem, merece destaque o fato de que o IRRF que é exigido pela Secretaria da Receita Federal é lançado com base no artigo 61 da lei nº 8.981, publicada em 20 de janeiro de 1995, que prevê como hipótese de incidência do imposto o pagamento efetuado por pessoas jurídicas a beneficiário não identificado, bem como quando não for comprovada a operação ou a sua causa.
Salta aos olhos o fato de que ao exigir o IRRF, a Secretaria da Receita Federal não só quantifica os valores pagos aos beneficiários envolvidos na Operação Lava-Jato como aponta exatamente os beneficiários dos pagamentos em questão, com direito a nome completo, razão social, endereço e CNPJ. Além disto, identifica a causa dos respectivos pagamentos: propina para a obtenção de vantagens competitivas.
Ora, se a hipótese prevista na norma de incidência do IRRF é a existência de pagamento a beneficiário não identificado ou quando não for identificada a operação ou a causa do pagamento, e a existência de ambos os elementos é expressamente reconhecida pela Secretaria da Receita Federal, nos parece necessária a conclusão de que a exigência do IRRF em questão padece de bases legais.
Diante desta constatação, cabe indagar se o pagamento de propina, no âmbito da Operação Lava-Jato, por tratar-se de ato ilícito, teria a capacidade de transformar um pagamento com causa identificada em um pagamento sem causa, para fins de incidência do IRRF nos termos previstos no artigo 61 da lei n.º 8.981/95.
O Código Tributário Nacional - CTN, em seu artigo 3º, afasta qualquer dúvida que pudesse restar acerca do fato de que os tributos não podem eleger como hipótese para sua incidência a ilicitude de um ato ou a prática de um ato ilícito, na medida em que define tributo como toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito.
Portanto, como premissa, tem-se que o IRRF instituído pela lei n.º 8.981/95 é um tributo e, assim o sendo, é inadmissível que tenha como hipótese de incidência a ilicitude de um ato. Em se admitindo o contrário, estaríamos diante de uma sanção, não de um tributo, e as consequências jurídicas seriam outras, inclusive em relação à imputação da multa qualificada de 150%.
Do simples exame da norma contida no artigo 61 da lei n.º 8.981/95, verifica-se que a hipótese de incidência contida em seu antecedente é a existência de um pagamento a beneficiário não identificado; ou da existência de um pagamento cuja operação ou causa não foi comprovada. De fato, no texto da lei, não existe qualquer qualificação da causa: causa lícita ou causa ilícita.
Caso a licitude da causa fosse relevante para o direito tributário, certamente o legislador qualificaria o pagamento como um pagamento sem causa lícita. Contudo, não foi a opção adotada pelo legislador.
Dessa maneira, é irrelevante para o direito tributário o fato de o pagamento ter como causa um ato ilícito - pagamento de propina -, o fator determinante para a incidência do IRRF, fato este eleito pelo legislador, é a inexistência de uma causa, e não a eventual licitude ou ilicitude desta: pecunia non olet! Existindo causa, inexiste a realização do fato previsto na hipótese de incidência contida no artigo 61 da lei n.º 8.981/95.
Assim, a resposta à indagação feita acima é necessariamente negativa: identificado o beneficiário e comprovada a operação e sua respectiva causa, independentemente de sua licitude, não há base jurídica para o lançamento do IRRF nos termos instituídos pela lei n.º 8.981/95.
Em resumo, temos que a norma incide apenas e unicamente na hipótese de, em havendo pagamento, não restar identificado o beneficiário dos pagamentos ou não for comprovada a operação e sua causa.
Portanto, os breves argumentos expostos no presente artigo nos levam a concluir que a tributação pelo IRRF à alíquota de 35% com base na premissa de que o pagamento analisado foi considerado como sem causa, pois decorrente do pagamento de propina, uma causa ilícita, é equivocada, uma vez que não representa a adequada interpretação do disposto no artigo 61 da lei nº 8.981/95.
João Marcos Colussi e Vladimir Veronese são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Mattos Filho