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Opinião|Um cura poeta


Num crepúsculo, narra Papini, entra precipitadamente um homem de batina negra que, sem preâmbulos, levantou os braços e dispensou a todos solenes e repetidas bênçãos. Era Louis Le Cardonnel

Por José Renato Nalini

Em tempos idos, era comum que poetas, literatos e flaneurs se encontrassem nas livrarias para “jogar conversa fora”. Em São Paulo, a extinta Livraria Cultura, do mecenas Pedro Herz, era o espaço em que se encontravam figuras como Lygia Fagundes Telles, Lindolf Bell, Pedro Paulo Paes e outros de quilate idêntico. Pois na Itália, no século passado, esses encontros eram comuns em todas as cidades peninsulares.

Em Firenze, terra de Giovanni Papini, havia a sede da revista “Voce”, casa editorial e livraria onde, quase todos os dias, ao entardecer, se reuniam os intelectuais mais assíduos.

Num crepúsculo, narra Papini em sua autobiografia, no capítulo “Passado Remoto”, entra precipitadamente um homem de batina negra que, sem preâmbulos, levantou os braços e dispensou a todos os presentes, solenes e repetidas bençãos. Foi quando se deram conta de que não era um sacerdote qualquer. Era estrangeiro e, depois de fazer o sinal da cruz na testa de cada integrante do grupo, apresentou-se. Era Louis Le Cardonnel, um padre francês que vivia há tempos na Itália e era considerado um dos maiores poetas do movimento simbolista. Papini o conhecia de nome. Havia lido poemas seus publicados no “Mercure de France”, que também publicava seus livros. Começaram logo a conversar, como se fossem velhos amigos.

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Contou episódios de sua vida. Ainda muito jovem, em Paris, fizera parte de um grupo de boêmios e havia recitado poesias no famoso “Chat Noir” de Montmartre. De repente, viu-se despertada em seu coração a vocação religiosa. Entrou no Seminário francês de Roma e foi ordenado sacerdote. Foi para Valência, mas a cura das almas não conseguiu segurá-lo ali. Desejoso de maior perfeição, ingressou no Mosteiro beneditino de Ligugé, de onde também saiu. Fez-se noviço dos Oratorianos, mas nem ali encontrou o que buscava. Era, sim, sacerdote e sacerdote autêntico. Provido de fé e de boa-fé. Mas tinha necessidade de liberdade e não podia prescindir de escrever poesias.

O bispo de Valência concedeu-lhe licença para que fosse onde bem quisesse. Veio, portanto, à Itália, terra que amava apaixonadamente. Viveu um tempo em Roma e em Assis. Agora vivia na comunidade de San Biagio, hóspede de Dom Bruno Binazzi, primo do poeta Bino Binazzi. De quando em vez, vinha a Florença, em busca de livros franceses e de vinho de Chianti.

Era ainda jovem e de boa aparência. Papini perguntou a ele porque havia abençoado todos os escritores ali reunidos, embora soubesse que não eram, em absolutos, devotos filhos da Mãe Igreja. Ele respondeu: - “O Cristo tem o seu direito de entrar em todos os lugares onde reina o espírito. Tudo o que é belo é cristão, porque a beleza é a filha amada de Deus, que a fez ecoar sua voz na poesia das Escrituras. Se vós amais sinceramente a beleza e a poesia, vós sois destinados a se tornar amigos do Cristo. Minha benção sacerdotal, ainda que provinda de um padre indigno, vos ajudará a reencontrar a casa do Pai”.

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Os presentes àquela tertúlia meditaram sobre essas palavras. Louis Le Cardonell voltou várias vezes à livraria e cada vez reiterava suas bênçãos. Uma tarde, para certa reação de maravilha dos garçons e demais fregueses, foi ao café das Giubbe Rosse e se sentou à mesa já repleta, não sem antes marcar a todos com a invocação da Santíssima Trindade.

Nessa época, Papini era muito moço e Cardonell lhe dava a impressão, por sua pitoresca atitude e por falar o que lhe desse na telha, ser um pagão disfarçado, fiel de Baco e discípulo de Apolo, mais do que ser um sacerdote católico. Com a impulsividade juvenil, Papini perguntou-lhe de repente porque não se decidia a deixar a batina. O poeta encarou-o com inusitada severidade e respondeu: - “Meu jovem amigo: eu estou desolado de vos dizer que neste momento, estais muito longe da verdade. Este hábito que me convidais a rejeitar, não é uma simples batina negra que eu uso por costume. É uma armadura, uma verdadeira armadura destinada a me salvar. Ela recobre um corpo de pecador, meu pobre corpo de pecador. Mas se eu não tivesse sobre mim esta armadura benfazeja e sagrada, o pecador que eu sou se transformaria em desenganado demônio. A despeito das vergonhosas fragilidades de meu corpo, eu creio em Deus com toda a minha alma. Como pecador, eu posso confiar em sua misericórdia, mas se eu deixar esta armadura e me converter em diabo, serei presa eterna de Sua justiça. Vosso conselho não é sábio, meu amigo, e eu conservarei meu caro hábito. É o Inimigo que fala por vossa boca, mas se Deus, um dia, o arrancar de suas garras (e é o que espero, com todo meu coração), então vos recordareis deste velho padre e de sua confissão”.

Papini não soube, ante a inesperada gravidade de Cardonel, encontrar qualquer resposta. Mas o episódio o marcou. Tanto que o registrou no substancioso relato de sua vida.

Em tempos idos, era comum que poetas, literatos e flaneurs se encontrassem nas livrarias para “jogar conversa fora”. Em São Paulo, a extinta Livraria Cultura, do mecenas Pedro Herz, era o espaço em que se encontravam figuras como Lygia Fagundes Telles, Lindolf Bell, Pedro Paulo Paes e outros de quilate idêntico. Pois na Itália, no século passado, esses encontros eram comuns em todas as cidades peninsulares.

Em Firenze, terra de Giovanni Papini, havia a sede da revista “Voce”, casa editorial e livraria onde, quase todos os dias, ao entardecer, se reuniam os intelectuais mais assíduos.

Num crepúsculo, narra Papini em sua autobiografia, no capítulo “Passado Remoto”, entra precipitadamente um homem de batina negra que, sem preâmbulos, levantou os braços e dispensou a todos os presentes, solenes e repetidas bençãos. Foi quando se deram conta de que não era um sacerdote qualquer. Era estrangeiro e, depois de fazer o sinal da cruz na testa de cada integrante do grupo, apresentou-se. Era Louis Le Cardonnel, um padre francês que vivia há tempos na Itália e era considerado um dos maiores poetas do movimento simbolista. Papini o conhecia de nome. Havia lido poemas seus publicados no “Mercure de France”, que também publicava seus livros. Começaram logo a conversar, como se fossem velhos amigos.

Contou episódios de sua vida. Ainda muito jovem, em Paris, fizera parte de um grupo de boêmios e havia recitado poesias no famoso “Chat Noir” de Montmartre. De repente, viu-se despertada em seu coração a vocação religiosa. Entrou no Seminário francês de Roma e foi ordenado sacerdote. Foi para Valência, mas a cura das almas não conseguiu segurá-lo ali. Desejoso de maior perfeição, ingressou no Mosteiro beneditino de Ligugé, de onde também saiu. Fez-se noviço dos Oratorianos, mas nem ali encontrou o que buscava. Era, sim, sacerdote e sacerdote autêntico. Provido de fé e de boa-fé. Mas tinha necessidade de liberdade e não podia prescindir de escrever poesias.

O bispo de Valência concedeu-lhe licença para que fosse onde bem quisesse. Veio, portanto, à Itália, terra que amava apaixonadamente. Viveu um tempo em Roma e em Assis. Agora vivia na comunidade de San Biagio, hóspede de Dom Bruno Binazzi, primo do poeta Bino Binazzi. De quando em vez, vinha a Florença, em busca de livros franceses e de vinho de Chianti.

Era ainda jovem e de boa aparência. Papini perguntou a ele porque havia abençoado todos os escritores ali reunidos, embora soubesse que não eram, em absolutos, devotos filhos da Mãe Igreja. Ele respondeu: - “O Cristo tem o seu direito de entrar em todos os lugares onde reina o espírito. Tudo o que é belo é cristão, porque a beleza é a filha amada de Deus, que a fez ecoar sua voz na poesia das Escrituras. Se vós amais sinceramente a beleza e a poesia, vós sois destinados a se tornar amigos do Cristo. Minha benção sacerdotal, ainda que provinda de um padre indigno, vos ajudará a reencontrar a casa do Pai”.

Os presentes àquela tertúlia meditaram sobre essas palavras. Louis Le Cardonell voltou várias vezes à livraria e cada vez reiterava suas bênçãos. Uma tarde, para certa reação de maravilha dos garçons e demais fregueses, foi ao café das Giubbe Rosse e se sentou à mesa já repleta, não sem antes marcar a todos com a invocação da Santíssima Trindade.

Nessa época, Papini era muito moço e Cardonell lhe dava a impressão, por sua pitoresca atitude e por falar o que lhe desse na telha, ser um pagão disfarçado, fiel de Baco e discípulo de Apolo, mais do que ser um sacerdote católico. Com a impulsividade juvenil, Papini perguntou-lhe de repente porque não se decidia a deixar a batina. O poeta encarou-o com inusitada severidade e respondeu: - “Meu jovem amigo: eu estou desolado de vos dizer que neste momento, estais muito longe da verdade. Este hábito que me convidais a rejeitar, não é uma simples batina negra que eu uso por costume. É uma armadura, uma verdadeira armadura destinada a me salvar. Ela recobre um corpo de pecador, meu pobre corpo de pecador. Mas se eu não tivesse sobre mim esta armadura benfazeja e sagrada, o pecador que eu sou se transformaria em desenganado demônio. A despeito das vergonhosas fragilidades de meu corpo, eu creio em Deus com toda a minha alma. Como pecador, eu posso confiar em sua misericórdia, mas se eu deixar esta armadura e me converter em diabo, serei presa eterna de Sua justiça. Vosso conselho não é sábio, meu amigo, e eu conservarei meu caro hábito. É o Inimigo que fala por vossa boca, mas se Deus, um dia, o arrancar de suas garras (e é o que espero, com todo meu coração), então vos recordareis deste velho padre e de sua confissão”.

Papini não soube, ante a inesperada gravidade de Cardonel, encontrar qualquer resposta. Mas o episódio o marcou. Tanto que o registrou no substancioso relato de sua vida.

Em tempos idos, era comum que poetas, literatos e flaneurs se encontrassem nas livrarias para “jogar conversa fora”. Em São Paulo, a extinta Livraria Cultura, do mecenas Pedro Herz, era o espaço em que se encontravam figuras como Lygia Fagundes Telles, Lindolf Bell, Pedro Paulo Paes e outros de quilate idêntico. Pois na Itália, no século passado, esses encontros eram comuns em todas as cidades peninsulares.

Em Firenze, terra de Giovanni Papini, havia a sede da revista “Voce”, casa editorial e livraria onde, quase todos os dias, ao entardecer, se reuniam os intelectuais mais assíduos.

Num crepúsculo, narra Papini em sua autobiografia, no capítulo “Passado Remoto”, entra precipitadamente um homem de batina negra que, sem preâmbulos, levantou os braços e dispensou a todos os presentes, solenes e repetidas bençãos. Foi quando se deram conta de que não era um sacerdote qualquer. Era estrangeiro e, depois de fazer o sinal da cruz na testa de cada integrante do grupo, apresentou-se. Era Louis Le Cardonnel, um padre francês que vivia há tempos na Itália e era considerado um dos maiores poetas do movimento simbolista. Papini o conhecia de nome. Havia lido poemas seus publicados no “Mercure de France”, que também publicava seus livros. Começaram logo a conversar, como se fossem velhos amigos.

Contou episódios de sua vida. Ainda muito jovem, em Paris, fizera parte de um grupo de boêmios e havia recitado poesias no famoso “Chat Noir” de Montmartre. De repente, viu-se despertada em seu coração a vocação religiosa. Entrou no Seminário francês de Roma e foi ordenado sacerdote. Foi para Valência, mas a cura das almas não conseguiu segurá-lo ali. Desejoso de maior perfeição, ingressou no Mosteiro beneditino de Ligugé, de onde também saiu. Fez-se noviço dos Oratorianos, mas nem ali encontrou o que buscava. Era, sim, sacerdote e sacerdote autêntico. Provido de fé e de boa-fé. Mas tinha necessidade de liberdade e não podia prescindir de escrever poesias.

O bispo de Valência concedeu-lhe licença para que fosse onde bem quisesse. Veio, portanto, à Itália, terra que amava apaixonadamente. Viveu um tempo em Roma e em Assis. Agora vivia na comunidade de San Biagio, hóspede de Dom Bruno Binazzi, primo do poeta Bino Binazzi. De quando em vez, vinha a Florença, em busca de livros franceses e de vinho de Chianti.

Era ainda jovem e de boa aparência. Papini perguntou a ele porque havia abençoado todos os escritores ali reunidos, embora soubesse que não eram, em absolutos, devotos filhos da Mãe Igreja. Ele respondeu: - “O Cristo tem o seu direito de entrar em todos os lugares onde reina o espírito. Tudo o que é belo é cristão, porque a beleza é a filha amada de Deus, que a fez ecoar sua voz na poesia das Escrituras. Se vós amais sinceramente a beleza e a poesia, vós sois destinados a se tornar amigos do Cristo. Minha benção sacerdotal, ainda que provinda de um padre indigno, vos ajudará a reencontrar a casa do Pai”.

Os presentes àquela tertúlia meditaram sobre essas palavras. Louis Le Cardonell voltou várias vezes à livraria e cada vez reiterava suas bênçãos. Uma tarde, para certa reação de maravilha dos garçons e demais fregueses, foi ao café das Giubbe Rosse e se sentou à mesa já repleta, não sem antes marcar a todos com a invocação da Santíssima Trindade.

Nessa época, Papini era muito moço e Cardonell lhe dava a impressão, por sua pitoresca atitude e por falar o que lhe desse na telha, ser um pagão disfarçado, fiel de Baco e discípulo de Apolo, mais do que ser um sacerdote católico. Com a impulsividade juvenil, Papini perguntou-lhe de repente porque não se decidia a deixar a batina. O poeta encarou-o com inusitada severidade e respondeu: - “Meu jovem amigo: eu estou desolado de vos dizer que neste momento, estais muito longe da verdade. Este hábito que me convidais a rejeitar, não é uma simples batina negra que eu uso por costume. É uma armadura, uma verdadeira armadura destinada a me salvar. Ela recobre um corpo de pecador, meu pobre corpo de pecador. Mas se eu não tivesse sobre mim esta armadura benfazeja e sagrada, o pecador que eu sou se transformaria em desenganado demônio. A despeito das vergonhosas fragilidades de meu corpo, eu creio em Deus com toda a minha alma. Como pecador, eu posso confiar em sua misericórdia, mas se eu deixar esta armadura e me converter em diabo, serei presa eterna de Sua justiça. Vosso conselho não é sábio, meu amigo, e eu conservarei meu caro hábito. É o Inimigo que fala por vossa boca, mas se Deus, um dia, o arrancar de suas garras (e é o que espero, com todo meu coração), então vos recordareis deste velho padre e de sua confissão”.

Papini não soube, ante a inesperada gravidade de Cardonel, encontrar qualquer resposta. Mas o episódio o marcou. Tanto que o registrou no substancioso relato de sua vida.

Em tempos idos, era comum que poetas, literatos e flaneurs se encontrassem nas livrarias para “jogar conversa fora”. Em São Paulo, a extinta Livraria Cultura, do mecenas Pedro Herz, era o espaço em que se encontravam figuras como Lygia Fagundes Telles, Lindolf Bell, Pedro Paulo Paes e outros de quilate idêntico. Pois na Itália, no século passado, esses encontros eram comuns em todas as cidades peninsulares.

Em Firenze, terra de Giovanni Papini, havia a sede da revista “Voce”, casa editorial e livraria onde, quase todos os dias, ao entardecer, se reuniam os intelectuais mais assíduos.

Num crepúsculo, narra Papini em sua autobiografia, no capítulo “Passado Remoto”, entra precipitadamente um homem de batina negra que, sem preâmbulos, levantou os braços e dispensou a todos os presentes, solenes e repetidas bençãos. Foi quando se deram conta de que não era um sacerdote qualquer. Era estrangeiro e, depois de fazer o sinal da cruz na testa de cada integrante do grupo, apresentou-se. Era Louis Le Cardonnel, um padre francês que vivia há tempos na Itália e era considerado um dos maiores poetas do movimento simbolista. Papini o conhecia de nome. Havia lido poemas seus publicados no “Mercure de France”, que também publicava seus livros. Começaram logo a conversar, como se fossem velhos amigos.

Contou episódios de sua vida. Ainda muito jovem, em Paris, fizera parte de um grupo de boêmios e havia recitado poesias no famoso “Chat Noir” de Montmartre. De repente, viu-se despertada em seu coração a vocação religiosa. Entrou no Seminário francês de Roma e foi ordenado sacerdote. Foi para Valência, mas a cura das almas não conseguiu segurá-lo ali. Desejoso de maior perfeição, ingressou no Mosteiro beneditino de Ligugé, de onde também saiu. Fez-se noviço dos Oratorianos, mas nem ali encontrou o que buscava. Era, sim, sacerdote e sacerdote autêntico. Provido de fé e de boa-fé. Mas tinha necessidade de liberdade e não podia prescindir de escrever poesias.

O bispo de Valência concedeu-lhe licença para que fosse onde bem quisesse. Veio, portanto, à Itália, terra que amava apaixonadamente. Viveu um tempo em Roma e em Assis. Agora vivia na comunidade de San Biagio, hóspede de Dom Bruno Binazzi, primo do poeta Bino Binazzi. De quando em vez, vinha a Florença, em busca de livros franceses e de vinho de Chianti.

Era ainda jovem e de boa aparência. Papini perguntou a ele porque havia abençoado todos os escritores ali reunidos, embora soubesse que não eram, em absolutos, devotos filhos da Mãe Igreja. Ele respondeu: - “O Cristo tem o seu direito de entrar em todos os lugares onde reina o espírito. Tudo o que é belo é cristão, porque a beleza é a filha amada de Deus, que a fez ecoar sua voz na poesia das Escrituras. Se vós amais sinceramente a beleza e a poesia, vós sois destinados a se tornar amigos do Cristo. Minha benção sacerdotal, ainda que provinda de um padre indigno, vos ajudará a reencontrar a casa do Pai”.

Os presentes àquela tertúlia meditaram sobre essas palavras. Louis Le Cardonell voltou várias vezes à livraria e cada vez reiterava suas bênçãos. Uma tarde, para certa reação de maravilha dos garçons e demais fregueses, foi ao café das Giubbe Rosse e se sentou à mesa já repleta, não sem antes marcar a todos com a invocação da Santíssima Trindade.

Nessa época, Papini era muito moço e Cardonell lhe dava a impressão, por sua pitoresca atitude e por falar o que lhe desse na telha, ser um pagão disfarçado, fiel de Baco e discípulo de Apolo, mais do que ser um sacerdote católico. Com a impulsividade juvenil, Papini perguntou-lhe de repente porque não se decidia a deixar a batina. O poeta encarou-o com inusitada severidade e respondeu: - “Meu jovem amigo: eu estou desolado de vos dizer que neste momento, estais muito longe da verdade. Este hábito que me convidais a rejeitar, não é uma simples batina negra que eu uso por costume. É uma armadura, uma verdadeira armadura destinada a me salvar. Ela recobre um corpo de pecador, meu pobre corpo de pecador. Mas se eu não tivesse sobre mim esta armadura benfazeja e sagrada, o pecador que eu sou se transformaria em desenganado demônio. A despeito das vergonhosas fragilidades de meu corpo, eu creio em Deus com toda a minha alma. Como pecador, eu posso confiar em sua misericórdia, mas se eu deixar esta armadura e me converter em diabo, serei presa eterna de Sua justiça. Vosso conselho não é sábio, meu amigo, e eu conservarei meu caro hábito. É o Inimigo que fala por vossa boca, mas se Deus, um dia, o arrancar de suas garras (e é o que espero, com todo meu coração), então vos recordareis deste velho padre e de sua confissão”.

Papini não soube, ante a inesperada gravidade de Cardonel, encontrar qualquer resposta. Mas o episódio o marcou. Tanto que o registrou no substancioso relato de sua vida.

Opinião por José Renato Nalini

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