'Nós somos os homens ocos, os homens empalhados, o elmo cheio de palha, Ai de nós..."
(T.S. Eliot, 1888-1965)
Hoje, por conta de lamentáveis atitudes não republicanas, sofreram derrota momentânea, no Brasil, o combate à corrupção e ao crime organizado, o trabalho técnico dos operadores do Direito e, ainda, a valorização do mérito, premissas da atuação do ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro.
Sem embargo de opiniões divergentes, o papel institucional do Ministério da Justiça desempenhou-se, nos últimos tempos, com estrita observância da ordem jurídica, buscando preservar a autonomia da Polícia Federal e demais instituições de Estado, fatores preponderantes para garantir um trabalho técnico no combate à corrupção e ao crime organizado.
Não é ocioso lembrar, aqui, que a Polícia Judiciária no Brasil teve seu início no século XVII por meio dos chamados 'alcaides', governadores que exerciam suas funções nas vilas da colônia e realizavam diligências com vistas à prisão de malfeitores, lavrando termo do ocorrido para posteriormente apresentar ao magistrado.
Depois, com o desenvolvimento social e econômico, novas estruturas surgiram, culminando no que hoje entendemos por Polícia Judiciária, especialmente com os Delegados de Polícia, responsáveis principalmente pela investigação criminal, verdadeira garantia constitucional decorrente do direito fundamental ao devido processo penal e da presunção de inocência.
A Constituição Federal de 1988 previu que a investigação criminal seja realizada por órgão investigador natural, imparcial e isento, visando apurar os fatos delitivos e formalizá-los no chamado 'inquérito policial'.
Nesse sentido, para a própria garantia de atuação isenta e independente da Polícia Judiciária, com norte único do descobrimento da verdade sobre os fatos, dúvida nenhuma permanece de que as funções de Polícia Judiciária amparam o Estado Democrático de Direito, garantindo, por meio da Polícia Civil e da Polícia Federal - as quais, na presidência de inquérito policial buscam, de acordo com o seu livre convencimento técnico, jurídico, isento e imparcial, a consecução do dever estatal na garantia da ordem pública, o que não parece estar sendo respeitado.
Não é por outro motivo que cumprimos defender a absoluta autonomia da polícia judiciária, garantindo a ela um poder de investigação a salvo de ingerências indevidas, principalmente de cunho pessoal ou político. Veja-se que a autonomia beneficia principalmente a sociedade, anotando-se que tal blindagem contra eventuais ingerências indevidas se constitui em um dos aspectos da proteção das atividades típicas de Estado.
A Polícia Judiciária, repita-se, é um órgão republicano, pilar da democracia, órgão imparcial desvinculado das partes, e por isso a sua atividade importa em garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Assim, no dia de hoje, principalmente, é que defendemos a necessidade de fortalecimento da Polícia Federal e das Polícias Civis, e a preservação da sua autonomia, que importa em escudo contra interferências políticas e de outros setores da sociedade brasileira, garantindo a devida investigação criminal, como bem exige o nosso ordenamento jurídico.
Nesse sentido, atuou brilhantemente Sérgio Moro, Juiz Federal por 22 anos, em proteção às instituições democráticas e intenso combate à corrupção, agindo com honestidade, independência e probidade com o único ideal de justiça. Uma grande perda para o governo e para toda a sociedade, que deve nos alertar para que estejamos sempre alertas.
Que hoje seja o primeiro dia de muitos outros, pautados pelo absoluto respeito à lei e pela inexistência de entraves ou obstruções à Justiça, tudo indispensável para a permanente construção do País.
*Ivana David, juíza substituta em 2.º Grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, atualmente integrante da 4.ª Câmara de Direito Criminal. Especialista em Teoria da Prova no Processo Penal