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Opinião|Uma evidente inconstitucionalidade


Estamos diante de cláusula pétrea. Estamos diante de limitações materiais de reforma da Constituição. A tentativa de reforma da constitucional por parte da CCJ da Câmara dos Deputados não irá prosperar, pois é francamente inconstitucional

Por Rogério Tadeu Romano

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, no dia 9.10.24, um pacote “anti-STF”. Pela manhã, foi aprovada a PEC que limita decisões individuais de ministros da Corte. Foram 39 votos favoráveis e 18 contrários à iniciativa. Pela tarde, o grupo deu aval ao texto que dá poder ao Congresso para derrubar decisões do Supremo que “extrapolem os limites constitucionais”. Foram 38 votos a favor e 12 contrários.

Ambos os textos são inconstitucionais.

A Constituição da Republica estabelece em seu artigo 96 a competência dos tribunais para a elaboração de normas de organização interna sobre a atribuição e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes. No Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, questões relativas ao procedimento e ao julgamento de processos de sua competência e aos serviços do Tribunal são disciplinadas pelo Regimento Interno.

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Foi dito na Constituição:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

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a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

.........

Disse bem o ministro Celso de Mello (Poder reformador não legitima nem autoriza desrespeito às cláusulas pétreas, in Consultor Jurídico, em 5 de outubro de 2023):

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“O eminente e saudoso ministro Paulo Brossard, em um de seus luminosos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal ( ADI 1.105‐MC/DF), bem equacionou o problema resultante da tensão normativa entre a regra legal e o preceito regimental, chamando a atenção para o fato — juridicamente relevante — de que a existência, a validade e a eficácia de tais espécies normativas hão de resultar do que dispuser o próprio texto constitucional:

“Em verdade, não se trata de saber se a lei prevalece sobre o regimento ou o regimento sobre a lei. Dependendo da matéria regulada, a prevalência será do regimento ou da lei (José Celso de Mello Filho, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 368; RMS 14.287, ac. 14.VI.66, relator ministro Pedro Chaves, RDA 87‐193; RE 67.328, ac. 15.X.69, relator ministro Amaral Santos, RTJ 54‐183; RE 72.094, ac. 6.XII.73, relator Antonio Neder, RTJ 69‐138). A dificuldade surge no momento de fixar as divisas entre o que compete ao legislador disciplinar e o que incumbe ao tribunal dispor. O deslinde não se faz por uma linha reta, nítida e firme de alto a baixo; há zonas cinzentas e entrâncias e reentrâncias a revelar que, em matéria de competência, se verificam situações que lembram os pontos divisórios do mundo animal e vegetal. (...). O certo é que cada Poder tem a posse privativa de determinadas áreas. (...).”

E ainda nos ensinou o ministro Celso de Mello naquela obra:

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“O Supremo Tribunal Federal, em julgamento memorável, firmou essa diretriz, fulminando de inconstitucional a Lei nº 2.790, de 24 de novembro de 1956, que reformava o art. 875 do Código de Proc. Civil [de 1939] , para admitir que as partes interviessem no julgamento depois de proferido o voto do relator.

Como disse, na ocasião, o ministro Edgar Costa, a citada lei contrariava frontalmente”a própria autonomia interna dos tribunais, no que diz respeito à sua competência privativa para estabelecer as normas a seguir na marcha dos seus trabalhos, através dos seus regimentos, que, por preceito constitucional ( CF/1946, artigo 97, no II), lhes cabe, livre da interferência de outros poderes”. (...).

“Insisto no que me parece fundamental. A questão não está em saber se o regimento contraria a lei ou se esta prevalece sobre aquele; a questão está em saber se, dispondo como dispôs, o legislador podia fazê‐lo, isto é, se exercitava competência legítima ou se, ao contrário, invadia competência constitucionalmente reservada aos tribunais; da mesma forma, o cerne da questão está em saber se o Judiciário, no exercício de sua competência legislativa, se houve nos seus limites ou se os excedeu.”

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É, portanto, a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos tribunais.”

O ministro Celso de Mello ainda nos lembrou que José Frederico Marques (Nove Ensaios Jurídicos, p. 83/84, 1975, Lex Editora), em texto monográfico intitulado ”Dos Regimentos Internos dos Tribunais”, observou:

“É que, tirando da própria Lei Maior a sua força de regra imperativa, o regimento não está vinculado à lei formal naquilo que constitua objeto da vida interna do Tribunal. No campo do ‘ius scriptum’, tanto a lei como o cânon regimental ocupam a mesma posição hierárquica. A lei não se sobrepõe ao regimento naquilo que a este cumpre disciplinar ‘ratione materiae’: é que a Lei e o Regimento se distinguem, no plano das fontes formais do Direito Objetivo.Como bem explica o ministro Mário Guimarães, o regimento interno, que ‘é a lei interna do Tribunal’, tem por escopo regular ʹo que ocorre e se processa portas a dentroʹ, tal como se dá com os regulamentos do Poder Legislativo. Por isso mesmo, os tribunais ‘podem legislar sobre a organização de seu trabalho, pois que essa é matéria regimental.”

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Themístocles Brandão Cavalcanti (A Constituição Federal Comentada, vol. II/312, 1948, Konfino) enfatizou a impossibilidade de ingerência do Poder Legislativo no regramento dessas mesmas questões, observando que os órgãos do Judiciário, ao editarem os seus regimentos internos, ”exercem uma função legislativa assegurada pela Constituição, restritiva da função exercida pelo Poder Legislativo”.

Por sua vez, a possibilidade do Congresso Nacional derrubar decisões do STF nos remete aos tristes tempos do Estado Novo, sob a Constituição de 1937, de origem antidemocrática.

A PEC é certamente inconstitucional.

Para o caso, debruço-me com relação a chamada “correção” de decisões judiciais pelo que acabou sendo pelo Poder Executivo, nas mãos de um ditador.

Isso ocorreu sob a Constituição de 1937, que criou a possibilidade de se suspender mediante ato legislativo, decisão judicial que declarasse inconstitucionalidade de ato normativo. Isso deveria ocorrer através de uma resolução do Parlamento, aprovada por uma maioria qualificada de 2/3 dos votos (artigo 96).

Volto-me às lições do ministro Gilmar Mendes (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2ª edição, páginas 316 e seguintes) quando trouxe lições que abaixo reproduzo.

Segundo Francisco Luiz da Silva (Diretrizes constitucionais do novo Estado Brasileiro, RF v. 72, n. 415/417, pág. 229, janeiro/março de 1938), tal necessidade se justificava com o caráter pretensamente antidemocrático da jurisdição, o que acabava por permitir a utilização do controle das normas como instrumento aristocrático de preservação do poder ou como expressão de um Poder Moderador.

Ora, como é sabido, a chamada faculdade confiada pela Constituição ditatorial de 1937, ao Parlamento, acabou sendo dada ao “ditador”, mediante a edição de decretos-leis ( Constituição de 1937, artigo 180). Confirmada a sua inconstitucionalidade passaria o Supremo Tribunal Federal a reconhecer ipso iure a sua validade, como disse o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 320).

Isso estava previsto na chamada Constituição da Polônia, de 23 de abril de 1935.

Sobre isso, ensinou Karl Loewenstein sobre o direito americano (Verfassungsrecht und Verfassungspraxis der Vereinigten Staten, 1959, pág. 429), quando disse, à luz do que ensinou o ministro Gilmar Mendes:

“Um outro mecanismo de limitação do poder da Corte Suprema assenta-se na possibilidade de nulificação dos efeitos da decisão mediante lei de alcance corretivo. Trata-se apenas de casos em que o Congresso manifesta divergência com interpretação conferida à norma pela Corte Suprema. Esse mecanismo não se aplica às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de índole formal ou material. Nesses casos, apenas uma reforma constitucional mostra-se apta a solver o conflito...”

Contudo, como disse Karl Loewenstein, não se cuidou propriamente de “rejeição”da decisão da Corte Suprema (o que representaria a supressão da independência do Poder Judiciário), mas de posterior reforma constitucional resguardando-se íntegra a decisão da Corte Suprema.

Aliás, tem-se como exemplo que, em 1989, relativamente ao caso Texas vs. Jonhson, onde se apreciava o episódio de queima da bandeira nacional, deu-se a tentativa de nulificação da decisão da Corte Suprema pela edição de lei pelo Congresso. Posteriormente, como nos lembrou o ministro Gilmar Mendes, o próprio diploma congressual veio a ser impugnado pela Suprema Corte.

Como bem ensinou o ministro Gilmar Mendes (Controle Concentrado de Constitucionalidade, 2001, pág. 27) “é bem verdade que o novo instituto não colheu manifestações unânimes de repulsa”. Autores como Cândido Motta Filho (A evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil, RT 73: 246-9, e ainda Francisco Campos (Diretrizes Constitucionais, RF, pág 246 e seguintes) e Alfredo Buzaid (Da ação Direta de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, 1958, pág. 32) saudaram a inovação.

Lembrou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 28) que “todavia, quando em 1939 o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei nº 1.564, confirmando textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a reação nos meios judiciários foi intensa.”

No entanto, como ainda informou o ministro Gilmar Mendes, considerou Lúcio Bittencourt (O Controle Jurisdicional, páginas 139 e 140) que a críticas ao ato presidencial não tinham procedência. Lembro que, à época, vivia o Brasil uma ditadura.

Concedeu, porém, Lúcio Bittencourt (obra citada, páginas 139 e 140) que a celeuma suscitada nas oportunidades em que os atos judiciais foram desautorizados, entre nós, “como está a demonstrar como se encontra arraigado em nosso pensamento jurídico o princípio que confere à declaração judicial caráter incontrastável, em relação ao caso concreto”.

Lembro, por fim, que aquela Constituição ditatorial de 1937 proibia, expressamente, ao Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas (artigo 94). O CPC de 1939, nessa linha de pensar, excluiu da apreciação judicial, na via mandamental (mandado de segurança), os atos do Presidente da República, dos ministros de Estado, dos governadores e dos interventores dos Estados (artigo 319).

Fala-se em uma aberta e frontal afronta ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea constitucional.

Estaria em risco a teoria do Checks and Balances.

A figura dos “Checks and Balances”, comumente denominada de sistema de freios e contrapesos, torna-se imprescindível para garantir essa independência e limitação dos Poderes. Como pode ser lido:

Eis então a constituição fundamental do governo de que falamos. Sendo o carpo legislativo composto de duas partes, uma prende a outra com sua mútua faculdade de impedir. Ambas estarão presas ao poder executivo, que estará ele mesmo preso ao legislativo. Estes três poderes deveriam formar um repouso ou uma inação. Mas, como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente.[ O Espírito das leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005).

A Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu foi inspirada em Locke que, também, influenciou significativamente os pensadores norte-americanos na elaboração da Declaração de sua independência, em 1776.

Somente no século XVIII, Montesquieu, autor da obra O Espírito das Leis (1748), que alcançou 22 edições, em 18 meses, sistematizou o principio com profunda intuição. Coube-lhe a glória de erigir uma doutrina sólida sobre a divisão de poderes.

A primeira Constituição escrita que adotou integralmente a doutrina de Montesquieu foi a da Virgínia, em 1776, seguida por outras, como as de Massachussetts, Maryland, New Hampshire e pela Constituição americana os constitucionalistas norte-americanos, de modo categórico, que a concentração de três poderes num só órgão de governo, representa a verdadeira definição de tirania.:

“Quando na mesma pessoa ou corporação, o poder legislativo se confunde com o executivo, não há mais liberdade. Os três poderes devem ser independentes entre si, para que se fiscalizem mutuamente, coíbam os próprios excessos e impeçam a usurpação dos direitos naturais inerentes aos governados. O Parlamento faz aas leis, cumpre-as o executivo e julga as infrações delas o tribunal. Em última análise, os três poderes são os serventuários da norma jurídica emanada da soberania nacional”.

Assim o princípio de Montesquieu, ratificado e adaptado por Hamilton, Madison e Jay, foi a essência da doutrina exposta no Federalist, de contenção do poder pelo poder, que os norte-americanos chamaram sistema de freios e contrapesos.

Sendo assim o Parlamento ao negar a execução de medidas provisórias e decretos da presidência da Republica, quando considerem nocivos aos interesses do país, ou o Judiciário quando aponta inconstitucionalidades nas leis, está se executando o sistema de freios e contrapesos.

Fala-se, no entanto, que o poder é um só e que se triparte em órgãos distintos o seu exercício.

Para Kant, o Estado é uno e trino ao mesmo tempo.

Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.

Um dos objetivos de Montesquieu era evitar que os governos absolutistas retornassem ao poder. Para isso, em sua obra “O Espírito das leis”, descreve sobre a necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes. No seu pensamento, cada Poder teria uma função específica como prioridade, ainda que pudesse exercer, também, funções dos outros poderes dentro de sua própria administração.

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

A Teoria da Separação dos Poderes surgiu na época da formação do Estado Liberal.

O princípio dos poderes harmônicos e independentes acabou por dar origem ao conhecido Sistema de “freios e contrapesos”, pelo qual os atos gerais, praticados exclusivamente pelo Poder Legislativo, consistentes na emissão de regras gerais e abstratas, limita o Poder Executivo, que só pode agir mediantes atos especiais, decorrentes da norma geral. Para impedir o abuso de qualquer dos poderes de seus limites e competências, dá-se a ação do controle da constitucionalidade das leis, da decisão dos conflitos intersubjetivos e da função garantidora dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, pelo Poder Judiciário.

Esse princípio da separação é o melhor instrumento contra a formação de ditaduras.

Estamos diante de cláusula pétrea.

Estamos diante de limitações materiais de reforma da Constituição.

A tentativa de reforma da constitucional por parte da CCJ da Câmara dos Deputados não irá prosperar, pois é francamente inconstitucional.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, no dia 9.10.24, um pacote “anti-STF”. Pela manhã, foi aprovada a PEC que limita decisões individuais de ministros da Corte. Foram 39 votos favoráveis e 18 contrários à iniciativa. Pela tarde, o grupo deu aval ao texto que dá poder ao Congresso para derrubar decisões do Supremo que “extrapolem os limites constitucionais”. Foram 38 votos a favor e 12 contrários.

Ambos os textos são inconstitucionais.

A Constituição da Republica estabelece em seu artigo 96 a competência dos tribunais para a elaboração de normas de organização interna sobre a atribuição e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes. No Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, questões relativas ao procedimento e ao julgamento de processos de sua competência e aos serviços do Tribunal são disciplinadas pelo Regimento Interno.

Foi dito na Constituição:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

.........

Disse bem o ministro Celso de Mello (Poder reformador não legitima nem autoriza desrespeito às cláusulas pétreas, in Consultor Jurídico, em 5 de outubro de 2023):

“O eminente e saudoso ministro Paulo Brossard, em um de seus luminosos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal ( ADI 1.105‐MC/DF), bem equacionou o problema resultante da tensão normativa entre a regra legal e o preceito regimental, chamando a atenção para o fato — juridicamente relevante — de que a existência, a validade e a eficácia de tais espécies normativas hão de resultar do que dispuser o próprio texto constitucional:

“Em verdade, não se trata de saber se a lei prevalece sobre o regimento ou o regimento sobre a lei. Dependendo da matéria regulada, a prevalência será do regimento ou da lei (José Celso de Mello Filho, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 368; RMS 14.287, ac. 14.VI.66, relator ministro Pedro Chaves, RDA 87‐193; RE 67.328, ac. 15.X.69, relator ministro Amaral Santos, RTJ 54‐183; RE 72.094, ac. 6.XII.73, relator Antonio Neder, RTJ 69‐138). A dificuldade surge no momento de fixar as divisas entre o que compete ao legislador disciplinar e o que incumbe ao tribunal dispor. O deslinde não se faz por uma linha reta, nítida e firme de alto a baixo; há zonas cinzentas e entrâncias e reentrâncias a revelar que, em matéria de competência, se verificam situações que lembram os pontos divisórios do mundo animal e vegetal. (...). O certo é que cada Poder tem a posse privativa de determinadas áreas. (...).”

E ainda nos ensinou o ministro Celso de Mello naquela obra:

“O Supremo Tribunal Federal, em julgamento memorável, firmou essa diretriz, fulminando de inconstitucional a Lei nº 2.790, de 24 de novembro de 1956, que reformava o art. 875 do Código de Proc. Civil [de 1939] , para admitir que as partes interviessem no julgamento depois de proferido o voto do relator.

Como disse, na ocasião, o ministro Edgar Costa, a citada lei contrariava frontalmente”a própria autonomia interna dos tribunais, no que diz respeito à sua competência privativa para estabelecer as normas a seguir na marcha dos seus trabalhos, através dos seus regimentos, que, por preceito constitucional ( CF/1946, artigo 97, no II), lhes cabe, livre da interferência de outros poderes”. (...).

“Insisto no que me parece fundamental. A questão não está em saber se o regimento contraria a lei ou se esta prevalece sobre aquele; a questão está em saber se, dispondo como dispôs, o legislador podia fazê‐lo, isto é, se exercitava competência legítima ou se, ao contrário, invadia competência constitucionalmente reservada aos tribunais; da mesma forma, o cerne da questão está em saber se o Judiciário, no exercício de sua competência legislativa, se houve nos seus limites ou se os excedeu.”

É, portanto, a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos tribunais.”

O ministro Celso de Mello ainda nos lembrou que José Frederico Marques (Nove Ensaios Jurídicos, p. 83/84, 1975, Lex Editora), em texto monográfico intitulado ”Dos Regimentos Internos dos Tribunais”, observou:

“É que, tirando da própria Lei Maior a sua força de regra imperativa, o regimento não está vinculado à lei formal naquilo que constitua objeto da vida interna do Tribunal. No campo do ‘ius scriptum’, tanto a lei como o cânon regimental ocupam a mesma posição hierárquica. A lei não se sobrepõe ao regimento naquilo que a este cumpre disciplinar ‘ratione materiae’: é que a Lei e o Regimento se distinguem, no plano das fontes formais do Direito Objetivo.Como bem explica o ministro Mário Guimarães, o regimento interno, que ‘é a lei interna do Tribunal’, tem por escopo regular ʹo que ocorre e se processa portas a dentroʹ, tal como se dá com os regulamentos do Poder Legislativo. Por isso mesmo, os tribunais ‘podem legislar sobre a organização de seu trabalho, pois que essa é matéria regimental.”

Themístocles Brandão Cavalcanti (A Constituição Federal Comentada, vol. II/312, 1948, Konfino) enfatizou a impossibilidade de ingerência do Poder Legislativo no regramento dessas mesmas questões, observando que os órgãos do Judiciário, ao editarem os seus regimentos internos, ”exercem uma função legislativa assegurada pela Constituição, restritiva da função exercida pelo Poder Legislativo”.

Por sua vez, a possibilidade do Congresso Nacional derrubar decisões do STF nos remete aos tristes tempos do Estado Novo, sob a Constituição de 1937, de origem antidemocrática.

A PEC é certamente inconstitucional.

Para o caso, debruço-me com relação a chamada “correção” de decisões judiciais pelo que acabou sendo pelo Poder Executivo, nas mãos de um ditador.

Isso ocorreu sob a Constituição de 1937, que criou a possibilidade de se suspender mediante ato legislativo, decisão judicial que declarasse inconstitucionalidade de ato normativo. Isso deveria ocorrer através de uma resolução do Parlamento, aprovada por uma maioria qualificada de 2/3 dos votos (artigo 96).

Volto-me às lições do ministro Gilmar Mendes (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2ª edição, páginas 316 e seguintes) quando trouxe lições que abaixo reproduzo.

Segundo Francisco Luiz da Silva (Diretrizes constitucionais do novo Estado Brasileiro, RF v. 72, n. 415/417, pág. 229, janeiro/março de 1938), tal necessidade se justificava com o caráter pretensamente antidemocrático da jurisdição, o que acabava por permitir a utilização do controle das normas como instrumento aristocrático de preservação do poder ou como expressão de um Poder Moderador.

Ora, como é sabido, a chamada faculdade confiada pela Constituição ditatorial de 1937, ao Parlamento, acabou sendo dada ao “ditador”, mediante a edição de decretos-leis ( Constituição de 1937, artigo 180). Confirmada a sua inconstitucionalidade passaria o Supremo Tribunal Federal a reconhecer ipso iure a sua validade, como disse o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 320).

Isso estava previsto na chamada Constituição da Polônia, de 23 de abril de 1935.

Sobre isso, ensinou Karl Loewenstein sobre o direito americano (Verfassungsrecht und Verfassungspraxis der Vereinigten Staten, 1959, pág. 429), quando disse, à luz do que ensinou o ministro Gilmar Mendes:

“Um outro mecanismo de limitação do poder da Corte Suprema assenta-se na possibilidade de nulificação dos efeitos da decisão mediante lei de alcance corretivo. Trata-se apenas de casos em que o Congresso manifesta divergência com interpretação conferida à norma pela Corte Suprema. Esse mecanismo não se aplica às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de índole formal ou material. Nesses casos, apenas uma reforma constitucional mostra-se apta a solver o conflito...”

Contudo, como disse Karl Loewenstein, não se cuidou propriamente de “rejeição”da decisão da Corte Suprema (o que representaria a supressão da independência do Poder Judiciário), mas de posterior reforma constitucional resguardando-se íntegra a decisão da Corte Suprema.

Aliás, tem-se como exemplo que, em 1989, relativamente ao caso Texas vs. Jonhson, onde se apreciava o episódio de queima da bandeira nacional, deu-se a tentativa de nulificação da decisão da Corte Suprema pela edição de lei pelo Congresso. Posteriormente, como nos lembrou o ministro Gilmar Mendes, o próprio diploma congressual veio a ser impugnado pela Suprema Corte.

Como bem ensinou o ministro Gilmar Mendes (Controle Concentrado de Constitucionalidade, 2001, pág. 27) “é bem verdade que o novo instituto não colheu manifestações unânimes de repulsa”. Autores como Cândido Motta Filho (A evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil, RT 73: 246-9, e ainda Francisco Campos (Diretrizes Constitucionais, RF, pág 246 e seguintes) e Alfredo Buzaid (Da ação Direta de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, 1958, pág. 32) saudaram a inovação.

Lembrou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 28) que “todavia, quando em 1939 o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei nº 1.564, confirmando textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a reação nos meios judiciários foi intensa.”

No entanto, como ainda informou o ministro Gilmar Mendes, considerou Lúcio Bittencourt (O Controle Jurisdicional, páginas 139 e 140) que a críticas ao ato presidencial não tinham procedência. Lembro que, à época, vivia o Brasil uma ditadura.

Concedeu, porém, Lúcio Bittencourt (obra citada, páginas 139 e 140) que a celeuma suscitada nas oportunidades em que os atos judiciais foram desautorizados, entre nós, “como está a demonstrar como se encontra arraigado em nosso pensamento jurídico o princípio que confere à declaração judicial caráter incontrastável, em relação ao caso concreto”.

Lembro, por fim, que aquela Constituição ditatorial de 1937 proibia, expressamente, ao Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas (artigo 94). O CPC de 1939, nessa linha de pensar, excluiu da apreciação judicial, na via mandamental (mandado de segurança), os atos do Presidente da República, dos ministros de Estado, dos governadores e dos interventores dos Estados (artigo 319).

Fala-se em uma aberta e frontal afronta ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea constitucional.

Estaria em risco a teoria do Checks and Balances.

A figura dos “Checks and Balances”, comumente denominada de sistema de freios e contrapesos, torna-se imprescindível para garantir essa independência e limitação dos Poderes. Como pode ser lido:

Eis então a constituição fundamental do governo de que falamos. Sendo o carpo legislativo composto de duas partes, uma prende a outra com sua mútua faculdade de impedir. Ambas estarão presas ao poder executivo, que estará ele mesmo preso ao legislativo. Estes três poderes deveriam formar um repouso ou uma inação. Mas, como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente.[ O Espírito das leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005).

A Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu foi inspirada em Locke que, também, influenciou significativamente os pensadores norte-americanos na elaboração da Declaração de sua independência, em 1776.

Somente no século XVIII, Montesquieu, autor da obra O Espírito das Leis (1748), que alcançou 22 edições, em 18 meses, sistematizou o principio com profunda intuição. Coube-lhe a glória de erigir uma doutrina sólida sobre a divisão de poderes.

A primeira Constituição escrita que adotou integralmente a doutrina de Montesquieu foi a da Virgínia, em 1776, seguida por outras, como as de Massachussetts, Maryland, New Hampshire e pela Constituição americana os constitucionalistas norte-americanos, de modo categórico, que a concentração de três poderes num só órgão de governo, representa a verdadeira definição de tirania.:

“Quando na mesma pessoa ou corporação, o poder legislativo se confunde com o executivo, não há mais liberdade. Os três poderes devem ser independentes entre si, para que se fiscalizem mutuamente, coíbam os próprios excessos e impeçam a usurpação dos direitos naturais inerentes aos governados. O Parlamento faz aas leis, cumpre-as o executivo e julga as infrações delas o tribunal. Em última análise, os três poderes são os serventuários da norma jurídica emanada da soberania nacional”.

Assim o princípio de Montesquieu, ratificado e adaptado por Hamilton, Madison e Jay, foi a essência da doutrina exposta no Federalist, de contenção do poder pelo poder, que os norte-americanos chamaram sistema de freios e contrapesos.

Sendo assim o Parlamento ao negar a execução de medidas provisórias e decretos da presidência da Republica, quando considerem nocivos aos interesses do país, ou o Judiciário quando aponta inconstitucionalidades nas leis, está se executando o sistema de freios e contrapesos.

Fala-se, no entanto, que o poder é um só e que se triparte em órgãos distintos o seu exercício.

Para Kant, o Estado é uno e trino ao mesmo tempo.

Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.

Um dos objetivos de Montesquieu era evitar que os governos absolutistas retornassem ao poder. Para isso, em sua obra “O Espírito das leis”, descreve sobre a necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes. No seu pensamento, cada Poder teria uma função específica como prioridade, ainda que pudesse exercer, também, funções dos outros poderes dentro de sua própria administração.

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

A Teoria da Separação dos Poderes surgiu na época da formação do Estado Liberal.

O princípio dos poderes harmônicos e independentes acabou por dar origem ao conhecido Sistema de “freios e contrapesos”, pelo qual os atos gerais, praticados exclusivamente pelo Poder Legislativo, consistentes na emissão de regras gerais e abstratas, limita o Poder Executivo, que só pode agir mediantes atos especiais, decorrentes da norma geral. Para impedir o abuso de qualquer dos poderes de seus limites e competências, dá-se a ação do controle da constitucionalidade das leis, da decisão dos conflitos intersubjetivos e da função garantidora dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, pelo Poder Judiciário.

Esse princípio da separação é o melhor instrumento contra a formação de ditaduras.

Estamos diante de cláusula pétrea.

Estamos diante de limitações materiais de reforma da Constituição.

A tentativa de reforma da constitucional por parte da CCJ da Câmara dos Deputados não irá prosperar, pois é francamente inconstitucional.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, no dia 9.10.24, um pacote “anti-STF”. Pela manhã, foi aprovada a PEC que limita decisões individuais de ministros da Corte. Foram 39 votos favoráveis e 18 contrários à iniciativa. Pela tarde, o grupo deu aval ao texto que dá poder ao Congresso para derrubar decisões do Supremo que “extrapolem os limites constitucionais”. Foram 38 votos a favor e 12 contrários.

Ambos os textos são inconstitucionais.

A Constituição da Republica estabelece em seu artigo 96 a competência dos tribunais para a elaboração de normas de organização interna sobre a atribuição e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes. No Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, questões relativas ao procedimento e ao julgamento de processos de sua competência e aos serviços do Tribunal são disciplinadas pelo Regimento Interno.

Foi dito na Constituição:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

.........

Disse bem o ministro Celso de Mello (Poder reformador não legitima nem autoriza desrespeito às cláusulas pétreas, in Consultor Jurídico, em 5 de outubro de 2023):

“O eminente e saudoso ministro Paulo Brossard, em um de seus luminosos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal ( ADI 1.105‐MC/DF), bem equacionou o problema resultante da tensão normativa entre a regra legal e o preceito regimental, chamando a atenção para o fato — juridicamente relevante — de que a existência, a validade e a eficácia de tais espécies normativas hão de resultar do que dispuser o próprio texto constitucional:

“Em verdade, não se trata de saber se a lei prevalece sobre o regimento ou o regimento sobre a lei. Dependendo da matéria regulada, a prevalência será do regimento ou da lei (José Celso de Mello Filho, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 368; RMS 14.287, ac. 14.VI.66, relator ministro Pedro Chaves, RDA 87‐193; RE 67.328, ac. 15.X.69, relator ministro Amaral Santos, RTJ 54‐183; RE 72.094, ac. 6.XII.73, relator Antonio Neder, RTJ 69‐138). A dificuldade surge no momento de fixar as divisas entre o que compete ao legislador disciplinar e o que incumbe ao tribunal dispor. O deslinde não se faz por uma linha reta, nítida e firme de alto a baixo; há zonas cinzentas e entrâncias e reentrâncias a revelar que, em matéria de competência, se verificam situações que lembram os pontos divisórios do mundo animal e vegetal. (...). O certo é que cada Poder tem a posse privativa de determinadas áreas. (...).”

E ainda nos ensinou o ministro Celso de Mello naquela obra:

“O Supremo Tribunal Federal, em julgamento memorável, firmou essa diretriz, fulminando de inconstitucional a Lei nº 2.790, de 24 de novembro de 1956, que reformava o art. 875 do Código de Proc. Civil [de 1939] , para admitir que as partes interviessem no julgamento depois de proferido o voto do relator.

Como disse, na ocasião, o ministro Edgar Costa, a citada lei contrariava frontalmente”a própria autonomia interna dos tribunais, no que diz respeito à sua competência privativa para estabelecer as normas a seguir na marcha dos seus trabalhos, através dos seus regimentos, que, por preceito constitucional ( CF/1946, artigo 97, no II), lhes cabe, livre da interferência de outros poderes”. (...).

“Insisto no que me parece fundamental. A questão não está em saber se o regimento contraria a lei ou se esta prevalece sobre aquele; a questão está em saber se, dispondo como dispôs, o legislador podia fazê‐lo, isto é, se exercitava competência legítima ou se, ao contrário, invadia competência constitucionalmente reservada aos tribunais; da mesma forma, o cerne da questão está em saber se o Judiciário, no exercício de sua competência legislativa, se houve nos seus limites ou se os excedeu.”

É, portanto, a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos tribunais.”

O ministro Celso de Mello ainda nos lembrou que José Frederico Marques (Nove Ensaios Jurídicos, p. 83/84, 1975, Lex Editora), em texto monográfico intitulado ”Dos Regimentos Internos dos Tribunais”, observou:

“É que, tirando da própria Lei Maior a sua força de regra imperativa, o regimento não está vinculado à lei formal naquilo que constitua objeto da vida interna do Tribunal. No campo do ‘ius scriptum’, tanto a lei como o cânon regimental ocupam a mesma posição hierárquica. A lei não se sobrepõe ao regimento naquilo que a este cumpre disciplinar ‘ratione materiae’: é que a Lei e o Regimento se distinguem, no plano das fontes formais do Direito Objetivo.Como bem explica o ministro Mário Guimarães, o regimento interno, que ‘é a lei interna do Tribunal’, tem por escopo regular ʹo que ocorre e se processa portas a dentroʹ, tal como se dá com os regulamentos do Poder Legislativo. Por isso mesmo, os tribunais ‘podem legislar sobre a organização de seu trabalho, pois que essa é matéria regimental.”

Themístocles Brandão Cavalcanti (A Constituição Federal Comentada, vol. II/312, 1948, Konfino) enfatizou a impossibilidade de ingerência do Poder Legislativo no regramento dessas mesmas questões, observando que os órgãos do Judiciário, ao editarem os seus regimentos internos, ”exercem uma função legislativa assegurada pela Constituição, restritiva da função exercida pelo Poder Legislativo”.

Por sua vez, a possibilidade do Congresso Nacional derrubar decisões do STF nos remete aos tristes tempos do Estado Novo, sob a Constituição de 1937, de origem antidemocrática.

A PEC é certamente inconstitucional.

Para o caso, debruço-me com relação a chamada “correção” de decisões judiciais pelo que acabou sendo pelo Poder Executivo, nas mãos de um ditador.

Isso ocorreu sob a Constituição de 1937, que criou a possibilidade de se suspender mediante ato legislativo, decisão judicial que declarasse inconstitucionalidade de ato normativo. Isso deveria ocorrer através de uma resolução do Parlamento, aprovada por uma maioria qualificada de 2/3 dos votos (artigo 96).

Volto-me às lições do ministro Gilmar Mendes (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2ª edição, páginas 316 e seguintes) quando trouxe lições que abaixo reproduzo.

Segundo Francisco Luiz da Silva (Diretrizes constitucionais do novo Estado Brasileiro, RF v. 72, n. 415/417, pág. 229, janeiro/março de 1938), tal necessidade se justificava com o caráter pretensamente antidemocrático da jurisdição, o que acabava por permitir a utilização do controle das normas como instrumento aristocrático de preservação do poder ou como expressão de um Poder Moderador.

Ora, como é sabido, a chamada faculdade confiada pela Constituição ditatorial de 1937, ao Parlamento, acabou sendo dada ao “ditador”, mediante a edição de decretos-leis ( Constituição de 1937, artigo 180). Confirmada a sua inconstitucionalidade passaria o Supremo Tribunal Federal a reconhecer ipso iure a sua validade, como disse o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 320).

Isso estava previsto na chamada Constituição da Polônia, de 23 de abril de 1935.

Sobre isso, ensinou Karl Loewenstein sobre o direito americano (Verfassungsrecht und Verfassungspraxis der Vereinigten Staten, 1959, pág. 429), quando disse, à luz do que ensinou o ministro Gilmar Mendes:

“Um outro mecanismo de limitação do poder da Corte Suprema assenta-se na possibilidade de nulificação dos efeitos da decisão mediante lei de alcance corretivo. Trata-se apenas de casos em que o Congresso manifesta divergência com interpretação conferida à norma pela Corte Suprema. Esse mecanismo não se aplica às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de índole formal ou material. Nesses casos, apenas uma reforma constitucional mostra-se apta a solver o conflito...”

Contudo, como disse Karl Loewenstein, não se cuidou propriamente de “rejeição”da decisão da Corte Suprema (o que representaria a supressão da independência do Poder Judiciário), mas de posterior reforma constitucional resguardando-se íntegra a decisão da Corte Suprema.

Aliás, tem-se como exemplo que, em 1989, relativamente ao caso Texas vs. Jonhson, onde se apreciava o episódio de queima da bandeira nacional, deu-se a tentativa de nulificação da decisão da Corte Suprema pela edição de lei pelo Congresso. Posteriormente, como nos lembrou o ministro Gilmar Mendes, o próprio diploma congressual veio a ser impugnado pela Suprema Corte.

Como bem ensinou o ministro Gilmar Mendes (Controle Concentrado de Constitucionalidade, 2001, pág. 27) “é bem verdade que o novo instituto não colheu manifestações unânimes de repulsa”. Autores como Cândido Motta Filho (A evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil, RT 73: 246-9, e ainda Francisco Campos (Diretrizes Constitucionais, RF, pág 246 e seguintes) e Alfredo Buzaid (Da ação Direta de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, 1958, pág. 32) saudaram a inovação.

Lembrou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 28) que “todavia, quando em 1939 o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei nº 1.564, confirmando textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a reação nos meios judiciários foi intensa.”

No entanto, como ainda informou o ministro Gilmar Mendes, considerou Lúcio Bittencourt (O Controle Jurisdicional, páginas 139 e 140) que a críticas ao ato presidencial não tinham procedência. Lembro que, à época, vivia o Brasil uma ditadura.

Concedeu, porém, Lúcio Bittencourt (obra citada, páginas 139 e 140) que a celeuma suscitada nas oportunidades em que os atos judiciais foram desautorizados, entre nós, “como está a demonstrar como se encontra arraigado em nosso pensamento jurídico o princípio que confere à declaração judicial caráter incontrastável, em relação ao caso concreto”.

Lembro, por fim, que aquela Constituição ditatorial de 1937 proibia, expressamente, ao Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas (artigo 94). O CPC de 1939, nessa linha de pensar, excluiu da apreciação judicial, na via mandamental (mandado de segurança), os atos do Presidente da República, dos ministros de Estado, dos governadores e dos interventores dos Estados (artigo 319).

Fala-se em uma aberta e frontal afronta ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea constitucional.

Estaria em risco a teoria do Checks and Balances.

A figura dos “Checks and Balances”, comumente denominada de sistema de freios e contrapesos, torna-se imprescindível para garantir essa independência e limitação dos Poderes. Como pode ser lido:

Eis então a constituição fundamental do governo de que falamos. Sendo o carpo legislativo composto de duas partes, uma prende a outra com sua mútua faculdade de impedir. Ambas estarão presas ao poder executivo, que estará ele mesmo preso ao legislativo. Estes três poderes deveriam formar um repouso ou uma inação. Mas, como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente.[ O Espírito das leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005).

A Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu foi inspirada em Locke que, também, influenciou significativamente os pensadores norte-americanos na elaboração da Declaração de sua independência, em 1776.

Somente no século XVIII, Montesquieu, autor da obra O Espírito das Leis (1748), que alcançou 22 edições, em 18 meses, sistematizou o principio com profunda intuição. Coube-lhe a glória de erigir uma doutrina sólida sobre a divisão de poderes.

A primeira Constituição escrita que adotou integralmente a doutrina de Montesquieu foi a da Virgínia, em 1776, seguida por outras, como as de Massachussetts, Maryland, New Hampshire e pela Constituição americana os constitucionalistas norte-americanos, de modo categórico, que a concentração de três poderes num só órgão de governo, representa a verdadeira definição de tirania.:

“Quando na mesma pessoa ou corporação, o poder legislativo se confunde com o executivo, não há mais liberdade. Os três poderes devem ser independentes entre si, para que se fiscalizem mutuamente, coíbam os próprios excessos e impeçam a usurpação dos direitos naturais inerentes aos governados. O Parlamento faz aas leis, cumpre-as o executivo e julga as infrações delas o tribunal. Em última análise, os três poderes são os serventuários da norma jurídica emanada da soberania nacional”.

Assim o princípio de Montesquieu, ratificado e adaptado por Hamilton, Madison e Jay, foi a essência da doutrina exposta no Federalist, de contenção do poder pelo poder, que os norte-americanos chamaram sistema de freios e contrapesos.

Sendo assim o Parlamento ao negar a execução de medidas provisórias e decretos da presidência da Republica, quando considerem nocivos aos interesses do país, ou o Judiciário quando aponta inconstitucionalidades nas leis, está se executando o sistema de freios e contrapesos.

Fala-se, no entanto, que o poder é um só e que se triparte em órgãos distintos o seu exercício.

Para Kant, o Estado é uno e trino ao mesmo tempo.

Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.

Um dos objetivos de Montesquieu era evitar que os governos absolutistas retornassem ao poder. Para isso, em sua obra “O Espírito das leis”, descreve sobre a necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes. No seu pensamento, cada Poder teria uma função específica como prioridade, ainda que pudesse exercer, também, funções dos outros poderes dentro de sua própria administração.

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

A Teoria da Separação dos Poderes surgiu na época da formação do Estado Liberal.

O princípio dos poderes harmônicos e independentes acabou por dar origem ao conhecido Sistema de “freios e contrapesos”, pelo qual os atos gerais, praticados exclusivamente pelo Poder Legislativo, consistentes na emissão de regras gerais e abstratas, limita o Poder Executivo, que só pode agir mediantes atos especiais, decorrentes da norma geral. Para impedir o abuso de qualquer dos poderes de seus limites e competências, dá-se a ação do controle da constitucionalidade das leis, da decisão dos conflitos intersubjetivos e da função garantidora dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, pelo Poder Judiciário.

Esse princípio da separação é o melhor instrumento contra a formação de ditaduras.

Estamos diante de cláusula pétrea.

Estamos diante de limitações materiais de reforma da Constituição.

A tentativa de reforma da constitucional por parte da CCJ da Câmara dos Deputados não irá prosperar, pois é francamente inconstitucional.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, no dia 9.10.24, um pacote “anti-STF”. Pela manhã, foi aprovada a PEC que limita decisões individuais de ministros da Corte. Foram 39 votos favoráveis e 18 contrários à iniciativa. Pela tarde, o grupo deu aval ao texto que dá poder ao Congresso para derrubar decisões do Supremo que “extrapolem os limites constitucionais”. Foram 38 votos a favor e 12 contrários.

Ambos os textos são inconstitucionais.

A Constituição da Republica estabelece em seu artigo 96 a competência dos tribunais para a elaboração de normas de organização interna sobre a atribuição e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes. No Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, questões relativas ao procedimento e ao julgamento de processos de sua competência e aos serviços do Tribunal são disciplinadas pelo Regimento Interno.

Foi dito na Constituição:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

.........

Disse bem o ministro Celso de Mello (Poder reformador não legitima nem autoriza desrespeito às cláusulas pétreas, in Consultor Jurídico, em 5 de outubro de 2023):

“O eminente e saudoso ministro Paulo Brossard, em um de seus luminosos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal ( ADI 1.105‐MC/DF), bem equacionou o problema resultante da tensão normativa entre a regra legal e o preceito regimental, chamando a atenção para o fato — juridicamente relevante — de que a existência, a validade e a eficácia de tais espécies normativas hão de resultar do que dispuser o próprio texto constitucional:

“Em verdade, não se trata de saber se a lei prevalece sobre o regimento ou o regimento sobre a lei. Dependendo da matéria regulada, a prevalência será do regimento ou da lei (José Celso de Mello Filho, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 368; RMS 14.287, ac. 14.VI.66, relator ministro Pedro Chaves, RDA 87‐193; RE 67.328, ac. 15.X.69, relator ministro Amaral Santos, RTJ 54‐183; RE 72.094, ac. 6.XII.73, relator Antonio Neder, RTJ 69‐138). A dificuldade surge no momento de fixar as divisas entre o que compete ao legislador disciplinar e o que incumbe ao tribunal dispor. O deslinde não se faz por uma linha reta, nítida e firme de alto a baixo; há zonas cinzentas e entrâncias e reentrâncias a revelar que, em matéria de competência, se verificam situações que lembram os pontos divisórios do mundo animal e vegetal. (...). O certo é que cada Poder tem a posse privativa de determinadas áreas. (...).”

E ainda nos ensinou o ministro Celso de Mello naquela obra:

“O Supremo Tribunal Federal, em julgamento memorável, firmou essa diretriz, fulminando de inconstitucional a Lei nº 2.790, de 24 de novembro de 1956, que reformava o art. 875 do Código de Proc. Civil [de 1939] , para admitir que as partes interviessem no julgamento depois de proferido o voto do relator.

Como disse, na ocasião, o ministro Edgar Costa, a citada lei contrariava frontalmente”a própria autonomia interna dos tribunais, no que diz respeito à sua competência privativa para estabelecer as normas a seguir na marcha dos seus trabalhos, através dos seus regimentos, que, por preceito constitucional ( CF/1946, artigo 97, no II), lhes cabe, livre da interferência de outros poderes”. (...).

“Insisto no que me parece fundamental. A questão não está em saber se o regimento contraria a lei ou se esta prevalece sobre aquele; a questão está em saber se, dispondo como dispôs, o legislador podia fazê‐lo, isto é, se exercitava competência legítima ou se, ao contrário, invadia competência constitucionalmente reservada aos tribunais; da mesma forma, o cerne da questão está em saber se o Judiciário, no exercício de sua competência legislativa, se houve nos seus limites ou se os excedeu.”

É, portanto, a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos tribunais.”

O ministro Celso de Mello ainda nos lembrou que José Frederico Marques (Nove Ensaios Jurídicos, p. 83/84, 1975, Lex Editora), em texto monográfico intitulado ”Dos Regimentos Internos dos Tribunais”, observou:

“É que, tirando da própria Lei Maior a sua força de regra imperativa, o regimento não está vinculado à lei formal naquilo que constitua objeto da vida interna do Tribunal. No campo do ‘ius scriptum’, tanto a lei como o cânon regimental ocupam a mesma posição hierárquica. A lei não se sobrepõe ao regimento naquilo que a este cumpre disciplinar ‘ratione materiae’: é que a Lei e o Regimento se distinguem, no plano das fontes formais do Direito Objetivo.Como bem explica o ministro Mário Guimarães, o regimento interno, que ‘é a lei interna do Tribunal’, tem por escopo regular ʹo que ocorre e se processa portas a dentroʹ, tal como se dá com os regulamentos do Poder Legislativo. Por isso mesmo, os tribunais ‘podem legislar sobre a organização de seu trabalho, pois que essa é matéria regimental.”

Themístocles Brandão Cavalcanti (A Constituição Federal Comentada, vol. II/312, 1948, Konfino) enfatizou a impossibilidade de ingerência do Poder Legislativo no regramento dessas mesmas questões, observando que os órgãos do Judiciário, ao editarem os seus regimentos internos, ”exercem uma função legislativa assegurada pela Constituição, restritiva da função exercida pelo Poder Legislativo”.

Por sua vez, a possibilidade do Congresso Nacional derrubar decisões do STF nos remete aos tristes tempos do Estado Novo, sob a Constituição de 1937, de origem antidemocrática.

A PEC é certamente inconstitucional.

Para o caso, debruço-me com relação a chamada “correção” de decisões judiciais pelo que acabou sendo pelo Poder Executivo, nas mãos de um ditador.

Isso ocorreu sob a Constituição de 1937, que criou a possibilidade de se suspender mediante ato legislativo, decisão judicial que declarasse inconstitucionalidade de ato normativo. Isso deveria ocorrer através de uma resolução do Parlamento, aprovada por uma maioria qualificada de 2/3 dos votos (artigo 96).

Volto-me às lições do ministro Gilmar Mendes (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2ª edição, páginas 316 e seguintes) quando trouxe lições que abaixo reproduzo.

Segundo Francisco Luiz da Silva (Diretrizes constitucionais do novo Estado Brasileiro, RF v. 72, n. 415/417, pág. 229, janeiro/março de 1938), tal necessidade se justificava com o caráter pretensamente antidemocrático da jurisdição, o que acabava por permitir a utilização do controle das normas como instrumento aristocrático de preservação do poder ou como expressão de um Poder Moderador.

Ora, como é sabido, a chamada faculdade confiada pela Constituição ditatorial de 1937, ao Parlamento, acabou sendo dada ao “ditador”, mediante a edição de decretos-leis ( Constituição de 1937, artigo 180). Confirmada a sua inconstitucionalidade passaria o Supremo Tribunal Federal a reconhecer ipso iure a sua validade, como disse o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 320).

Isso estava previsto na chamada Constituição da Polônia, de 23 de abril de 1935.

Sobre isso, ensinou Karl Loewenstein sobre o direito americano (Verfassungsrecht und Verfassungspraxis der Vereinigten Staten, 1959, pág. 429), quando disse, à luz do que ensinou o ministro Gilmar Mendes:

“Um outro mecanismo de limitação do poder da Corte Suprema assenta-se na possibilidade de nulificação dos efeitos da decisão mediante lei de alcance corretivo. Trata-se apenas de casos em que o Congresso manifesta divergência com interpretação conferida à norma pela Corte Suprema. Esse mecanismo não se aplica às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de índole formal ou material. Nesses casos, apenas uma reforma constitucional mostra-se apta a solver o conflito...”

Contudo, como disse Karl Loewenstein, não se cuidou propriamente de “rejeição”da decisão da Corte Suprema (o que representaria a supressão da independência do Poder Judiciário), mas de posterior reforma constitucional resguardando-se íntegra a decisão da Corte Suprema.

Aliás, tem-se como exemplo que, em 1989, relativamente ao caso Texas vs. Jonhson, onde se apreciava o episódio de queima da bandeira nacional, deu-se a tentativa de nulificação da decisão da Corte Suprema pela edição de lei pelo Congresso. Posteriormente, como nos lembrou o ministro Gilmar Mendes, o próprio diploma congressual veio a ser impugnado pela Suprema Corte.

Como bem ensinou o ministro Gilmar Mendes (Controle Concentrado de Constitucionalidade, 2001, pág. 27) “é bem verdade que o novo instituto não colheu manifestações unânimes de repulsa”. Autores como Cândido Motta Filho (A evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil, RT 73: 246-9, e ainda Francisco Campos (Diretrizes Constitucionais, RF, pág 246 e seguintes) e Alfredo Buzaid (Da ação Direta de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, 1958, pág. 32) saudaram a inovação.

Lembrou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 28) que “todavia, quando em 1939 o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei nº 1.564, confirmando textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a reação nos meios judiciários foi intensa.”

No entanto, como ainda informou o ministro Gilmar Mendes, considerou Lúcio Bittencourt (O Controle Jurisdicional, páginas 139 e 140) que a críticas ao ato presidencial não tinham procedência. Lembro que, à época, vivia o Brasil uma ditadura.

Concedeu, porém, Lúcio Bittencourt (obra citada, páginas 139 e 140) que a celeuma suscitada nas oportunidades em que os atos judiciais foram desautorizados, entre nós, “como está a demonstrar como se encontra arraigado em nosso pensamento jurídico o princípio que confere à declaração judicial caráter incontrastável, em relação ao caso concreto”.

Lembro, por fim, que aquela Constituição ditatorial de 1937 proibia, expressamente, ao Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas (artigo 94). O CPC de 1939, nessa linha de pensar, excluiu da apreciação judicial, na via mandamental (mandado de segurança), os atos do Presidente da República, dos ministros de Estado, dos governadores e dos interventores dos Estados (artigo 319).

Fala-se em uma aberta e frontal afronta ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea constitucional.

Estaria em risco a teoria do Checks and Balances.

A figura dos “Checks and Balances”, comumente denominada de sistema de freios e contrapesos, torna-se imprescindível para garantir essa independência e limitação dos Poderes. Como pode ser lido:

Eis então a constituição fundamental do governo de que falamos. Sendo o carpo legislativo composto de duas partes, uma prende a outra com sua mútua faculdade de impedir. Ambas estarão presas ao poder executivo, que estará ele mesmo preso ao legislativo. Estes três poderes deveriam formar um repouso ou uma inação. Mas, como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente.[ O Espírito das leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005).

A Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu foi inspirada em Locke que, também, influenciou significativamente os pensadores norte-americanos na elaboração da Declaração de sua independência, em 1776.

Somente no século XVIII, Montesquieu, autor da obra O Espírito das Leis (1748), que alcançou 22 edições, em 18 meses, sistematizou o principio com profunda intuição. Coube-lhe a glória de erigir uma doutrina sólida sobre a divisão de poderes.

A primeira Constituição escrita que adotou integralmente a doutrina de Montesquieu foi a da Virgínia, em 1776, seguida por outras, como as de Massachussetts, Maryland, New Hampshire e pela Constituição americana os constitucionalistas norte-americanos, de modo categórico, que a concentração de três poderes num só órgão de governo, representa a verdadeira definição de tirania.:

“Quando na mesma pessoa ou corporação, o poder legislativo se confunde com o executivo, não há mais liberdade. Os três poderes devem ser independentes entre si, para que se fiscalizem mutuamente, coíbam os próprios excessos e impeçam a usurpação dos direitos naturais inerentes aos governados. O Parlamento faz aas leis, cumpre-as o executivo e julga as infrações delas o tribunal. Em última análise, os três poderes são os serventuários da norma jurídica emanada da soberania nacional”.

Assim o princípio de Montesquieu, ratificado e adaptado por Hamilton, Madison e Jay, foi a essência da doutrina exposta no Federalist, de contenção do poder pelo poder, que os norte-americanos chamaram sistema de freios e contrapesos.

Sendo assim o Parlamento ao negar a execução de medidas provisórias e decretos da presidência da Republica, quando considerem nocivos aos interesses do país, ou o Judiciário quando aponta inconstitucionalidades nas leis, está se executando o sistema de freios e contrapesos.

Fala-se, no entanto, que o poder é um só e que se triparte em órgãos distintos o seu exercício.

Para Kant, o Estado é uno e trino ao mesmo tempo.

Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.

Um dos objetivos de Montesquieu era evitar que os governos absolutistas retornassem ao poder. Para isso, em sua obra “O Espírito das leis”, descreve sobre a necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes. No seu pensamento, cada Poder teria uma função específica como prioridade, ainda que pudesse exercer, também, funções dos outros poderes dentro de sua própria administração.

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

A Teoria da Separação dos Poderes surgiu na época da formação do Estado Liberal.

O princípio dos poderes harmônicos e independentes acabou por dar origem ao conhecido Sistema de “freios e contrapesos”, pelo qual os atos gerais, praticados exclusivamente pelo Poder Legislativo, consistentes na emissão de regras gerais e abstratas, limita o Poder Executivo, que só pode agir mediantes atos especiais, decorrentes da norma geral. Para impedir o abuso de qualquer dos poderes de seus limites e competências, dá-se a ação do controle da constitucionalidade das leis, da decisão dos conflitos intersubjetivos e da função garantidora dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, pelo Poder Judiciário.

Esse princípio da separação é o melhor instrumento contra a formação de ditaduras.

Estamos diante de cláusula pétrea.

Estamos diante de limitações materiais de reforma da Constituição.

A tentativa de reforma da constitucional por parte da CCJ da Câmara dos Deputados não irá prosperar, pois é francamente inconstitucional.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, no dia 9.10.24, um pacote “anti-STF”. Pela manhã, foi aprovada a PEC que limita decisões individuais de ministros da Corte. Foram 39 votos favoráveis e 18 contrários à iniciativa. Pela tarde, o grupo deu aval ao texto que dá poder ao Congresso para derrubar decisões do Supremo que “extrapolem os limites constitucionais”. Foram 38 votos a favor e 12 contrários.

Ambos os textos são inconstitucionais.

A Constituição da Republica estabelece em seu artigo 96 a competência dos tribunais para a elaboração de normas de organização interna sobre a atribuição e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes. No Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, questões relativas ao procedimento e ao julgamento de processos de sua competência e aos serviços do Tribunal são disciplinadas pelo Regimento Interno.

Foi dito na Constituição:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

.........

Disse bem o ministro Celso de Mello (Poder reformador não legitima nem autoriza desrespeito às cláusulas pétreas, in Consultor Jurídico, em 5 de outubro de 2023):

“O eminente e saudoso ministro Paulo Brossard, em um de seus luminosos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal ( ADI 1.105‐MC/DF), bem equacionou o problema resultante da tensão normativa entre a regra legal e o preceito regimental, chamando a atenção para o fato — juridicamente relevante — de que a existência, a validade e a eficácia de tais espécies normativas hão de resultar do que dispuser o próprio texto constitucional:

“Em verdade, não se trata de saber se a lei prevalece sobre o regimento ou o regimento sobre a lei. Dependendo da matéria regulada, a prevalência será do regimento ou da lei (José Celso de Mello Filho, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 368; RMS 14.287, ac. 14.VI.66, relator ministro Pedro Chaves, RDA 87‐193; RE 67.328, ac. 15.X.69, relator ministro Amaral Santos, RTJ 54‐183; RE 72.094, ac. 6.XII.73, relator Antonio Neder, RTJ 69‐138). A dificuldade surge no momento de fixar as divisas entre o que compete ao legislador disciplinar e o que incumbe ao tribunal dispor. O deslinde não se faz por uma linha reta, nítida e firme de alto a baixo; há zonas cinzentas e entrâncias e reentrâncias a revelar que, em matéria de competência, se verificam situações que lembram os pontos divisórios do mundo animal e vegetal. (...). O certo é que cada Poder tem a posse privativa de determinadas áreas. (...).”

E ainda nos ensinou o ministro Celso de Mello naquela obra:

“O Supremo Tribunal Federal, em julgamento memorável, firmou essa diretriz, fulminando de inconstitucional a Lei nº 2.790, de 24 de novembro de 1956, que reformava o art. 875 do Código de Proc. Civil [de 1939] , para admitir que as partes interviessem no julgamento depois de proferido o voto do relator.

Como disse, na ocasião, o ministro Edgar Costa, a citada lei contrariava frontalmente”a própria autonomia interna dos tribunais, no que diz respeito à sua competência privativa para estabelecer as normas a seguir na marcha dos seus trabalhos, através dos seus regimentos, que, por preceito constitucional ( CF/1946, artigo 97, no II), lhes cabe, livre da interferência de outros poderes”. (...).

“Insisto no que me parece fundamental. A questão não está em saber se o regimento contraria a lei ou se esta prevalece sobre aquele; a questão está em saber se, dispondo como dispôs, o legislador podia fazê‐lo, isto é, se exercitava competência legítima ou se, ao contrário, invadia competência constitucionalmente reservada aos tribunais; da mesma forma, o cerne da questão está em saber se o Judiciário, no exercício de sua competência legislativa, se houve nos seus limites ou se os excedeu.”

É, portanto, a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos tribunais.”

O ministro Celso de Mello ainda nos lembrou que José Frederico Marques (Nove Ensaios Jurídicos, p. 83/84, 1975, Lex Editora), em texto monográfico intitulado ”Dos Regimentos Internos dos Tribunais”, observou:

“É que, tirando da própria Lei Maior a sua força de regra imperativa, o regimento não está vinculado à lei formal naquilo que constitua objeto da vida interna do Tribunal. No campo do ‘ius scriptum’, tanto a lei como o cânon regimental ocupam a mesma posição hierárquica. A lei não se sobrepõe ao regimento naquilo que a este cumpre disciplinar ‘ratione materiae’: é que a Lei e o Regimento se distinguem, no plano das fontes formais do Direito Objetivo.Como bem explica o ministro Mário Guimarães, o regimento interno, que ‘é a lei interna do Tribunal’, tem por escopo regular ʹo que ocorre e se processa portas a dentroʹ, tal como se dá com os regulamentos do Poder Legislativo. Por isso mesmo, os tribunais ‘podem legislar sobre a organização de seu trabalho, pois que essa é matéria regimental.”

Themístocles Brandão Cavalcanti (A Constituição Federal Comentada, vol. II/312, 1948, Konfino) enfatizou a impossibilidade de ingerência do Poder Legislativo no regramento dessas mesmas questões, observando que os órgãos do Judiciário, ao editarem os seus regimentos internos, ”exercem uma função legislativa assegurada pela Constituição, restritiva da função exercida pelo Poder Legislativo”.

Por sua vez, a possibilidade do Congresso Nacional derrubar decisões do STF nos remete aos tristes tempos do Estado Novo, sob a Constituição de 1937, de origem antidemocrática.

A PEC é certamente inconstitucional.

Para o caso, debruço-me com relação a chamada “correção” de decisões judiciais pelo que acabou sendo pelo Poder Executivo, nas mãos de um ditador.

Isso ocorreu sob a Constituição de 1937, que criou a possibilidade de se suspender mediante ato legislativo, decisão judicial que declarasse inconstitucionalidade de ato normativo. Isso deveria ocorrer através de uma resolução do Parlamento, aprovada por uma maioria qualificada de 2/3 dos votos (artigo 96).

Volto-me às lições do ministro Gilmar Mendes (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2ª edição, páginas 316 e seguintes) quando trouxe lições que abaixo reproduzo.

Segundo Francisco Luiz da Silva (Diretrizes constitucionais do novo Estado Brasileiro, RF v. 72, n. 415/417, pág. 229, janeiro/março de 1938), tal necessidade se justificava com o caráter pretensamente antidemocrático da jurisdição, o que acabava por permitir a utilização do controle das normas como instrumento aristocrático de preservação do poder ou como expressão de um Poder Moderador.

Ora, como é sabido, a chamada faculdade confiada pela Constituição ditatorial de 1937, ao Parlamento, acabou sendo dada ao “ditador”, mediante a edição de decretos-leis ( Constituição de 1937, artigo 180). Confirmada a sua inconstitucionalidade passaria o Supremo Tribunal Federal a reconhecer ipso iure a sua validade, como disse o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 320).

Isso estava previsto na chamada Constituição da Polônia, de 23 de abril de 1935.

Sobre isso, ensinou Karl Loewenstein sobre o direito americano (Verfassungsrecht und Verfassungspraxis der Vereinigten Staten, 1959, pág. 429), quando disse, à luz do que ensinou o ministro Gilmar Mendes:

“Um outro mecanismo de limitação do poder da Corte Suprema assenta-se na possibilidade de nulificação dos efeitos da decisão mediante lei de alcance corretivo. Trata-se apenas de casos em que o Congresso manifesta divergência com interpretação conferida à norma pela Corte Suprema. Esse mecanismo não se aplica às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de índole formal ou material. Nesses casos, apenas uma reforma constitucional mostra-se apta a solver o conflito...”

Contudo, como disse Karl Loewenstein, não se cuidou propriamente de “rejeição”da decisão da Corte Suprema (o que representaria a supressão da independência do Poder Judiciário), mas de posterior reforma constitucional resguardando-se íntegra a decisão da Corte Suprema.

Aliás, tem-se como exemplo que, em 1989, relativamente ao caso Texas vs. Jonhson, onde se apreciava o episódio de queima da bandeira nacional, deu-se a tentativa de nulificação da decisão da Corte Suprema pela edição de lei pelo Congresso. Posteriormente, como nos lembrou o ministro Gilmar Mendes, o próprio diploma congressual veio a ser impugnado pela Suprema Corte.

Como bem ensinou o ministro Gilmar Mendes (Controle Concentrado de Constitucionalidade, 2001, pág. 27) “é bem verdade que o novo instituto não colheu manifestações unânimes de repulsa”. Autores como Cândido Motta Filho (A evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil, RT 73: 246-9, e ainda Francisco Campos (Diretrizes Constitucionais, RF, pág 246 e seguintes) e Alfredo Buzaid (Da ação Direta de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, 1958, pág. 32) saudaram a inovação.

Lembrou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 28) que “todavia, quando em 1939 o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei nº 1.564, confirmando textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a reação nos meios judiciários foi intensa.”

No entanto, como ainda informou o ministro Gilmar Mendes, considerou Lúcio Bittencourt (O Controle Jurisdicional, páginas 139 e 140) que a críticas ao ato presidencial não tinham procedência. Lembro que, à época, vivia o Brasil uma ditadura.

Concedeu, porém, Lúcio Bittencourt (obra citada, páginas 139 e 140) que a celeuma suscitada nas oportunidades em que os atos judiciais foram desautorizados, entre nós, “como está a demonstrar como se encontra arraigado em nosso pensamento jurídico o princípio que confere à declaração judicial caráter incontrastável, em relação ao caso concreto”.

Lembro, por fim, que aquela Constituição ditatorial de 1937 proibia, expressamente, ao Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas (artigo 94). O CPC de 1939, nessa linha de pensar, excluiu da apreciação judicial, na via mandamental (mandado de segurança), os atos do Presidente da República, dos ministros de Estado, dos governadores e dos interventores dos Estados (artigo 319).

Fala-se em uma aberta e frontal afronta ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea constitucional.

Estaria em risco a teoria do Checks and Balances.

A figura dos “Checks and Balances”, comumente denominada de sistema de freios e contrapesos, torna-se imprescindível para garantir essa independência e limitação dos Poderes. Como pode ser lido:

Eis então a constituição fundamental do governo de que falamos. Sendo o carpo legislativo composto de duas partes, uma prende a outra com sua mútua faculdade de impedir. Ambas estarão presas ao poder executivo, que estará ele mesmo preso ao legislativo. Estes três poderes deveriam formar um repouso ou uma inação. Mas, como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente.[ O Espírito das leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005).

A Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu foi inspirada em Locke que, também, influenciou significativamente os pensadores norte-americanos na elaboração da Declaração de sua independência, em 1776.

Somente no século XVIII, Montesquieu, autor da obra O Espírito das Leis (1748), que alcançou 22 edições, em 18 meses, sistematizou o principio com profunda intuição. Coube-lhe a glória de erigir uma doutrina sólida sobre a divisão de poderes.

A primeira Constituição escrita que adotou integralmente a doutrina de Montesquieu foi a da Virgínia, em 1776, seguida por outras, como as de Massachussetts, Maryland, New Hampshire e pela Constituição americana os constitucionalistas norte-americanos, de modo categórico, que a concentração de três poderes num só órgão de governo, representa a verdadeira definição de tirania.:

“Quando na mesma pessoa ou corporação, o poder legislativo se confunde com o executivo, não há mais liberdade. Os três poderes devem ser independentes entre si, para que se fiscalizem mutuamente, coíbam os próprios excessos e impeçam a usurpação dos direitos naturais inerentes aos governados. O Parlamento faz aas leis, cumpre-as o executivo e julga as infrações delas o tribunal. Em última análise, os três poderes são os serventuários da norma jurídica emanada da soberania nacional”.

Assim o princípio de Montesquieu, ratificado e adaptado por Hamilton, Madison e Jay, foi a essência da doutrina exposta no Federalist, de contenção do poder pelo poder, que os norte-americanos chamaram sistema de freios e contrapesos.

Sendo assim o Parlamento ao negar a execução de medidas provisórias e decretos da presidência da Republica, quando considerem nocivos aos interesses do país, ou o Judiciário quando aponta inconstitucionalidades nas leis, está se executando o sistema de freios e contrapesos.

Fala-se, no entanto, que o poder é um só e que se triparte em órgãos distintos o seu exercício.

Para Kant, o Estado é uno e trino ao mesmo tempo.

Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.

Um dos objetivos de Montesquieu era evitar que os governos absolutistas retornassem ao poder. Para isso, em sua obra “O Espírito das leis”, descreve sobre a necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes. No seu pensamento, cada Poder teria uma função específica como prioridade, ainda que pudesse exercer, também, funções dos outros poderes dentro de sua própria administração.

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

A Teoria da Separação dos Poderes surgiu na época da formação do Estado Liberal.

O princípio dos poderes harmônicos e independentes acabou por dar origem ao conhecido Sistema de “freios e contrapesos”, pelo qual os atos gerais, praticados exclusivamente pelo Poder Legislativo, consistentes na emissão de regras gerais e abstratas, limita o Poder Executivo, que só pode agir mediantes atos especiais, decorrentes da norma geral. Para impedir o abuso de qualquer dos poderes de seus limites e competências, dá-se a ação do controle da constitucionalidade das leis, da decisão dos conflitos intersubjetivos e da função garantidora dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, pelo Poder Judiciário.

Esse princípio da separação é o melhor instrumento contra a formação de ditaduras.

Estamos diante de cláusula pétrea.

Estamos diante de limitações materiais de reforma da Constituição.

A tentativa de reforma da constitucional por parte da CCJ da Câmara dos Deputados não irá prosperar, pois é francamente inconstitucional.

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