Advogadas criminalistas repudiam o projeto de lei 1904/24, que equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao homicídio. Na quarta, 12, a Câmara aprovou o regime de urgência para a proposta - os projetos com urgência podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar antes pelas comissões da Câmara.
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A advogada criminalista Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo considera que proibir o aborto após a 22ª semana de gestação, mesmo que a gravidez resulte de estupro, constitui ‘verdadeiro retrocesso nos direitos das mulheres’.
“A mulher vítima de estupro, que já se encontra em situação de vulnerabilidade, enfrentando o ciclo da violência, com tensão, medo e transtornos psicológicos, também enfrentará a pressão adicional de uma data-limite para realizar o aborto. Essa imposição desconsidera a complexidade das situações em que as mulheres se encontram e influenciará na tomada de decisão”, prevê Mayra Carrillo.
Inconformada, ela destaca que a pena imposta para as mulheres vítimas de estupro é maior do que para os estupradores. “Uma mulher estuprada e um estuprador possuem o mesmo valor para o Direito? O estuprador será considerado menos criminoso do que a mulher estuprada?”, questiona.
O crime de homicídio simples é punido com pena que vai de 6 anos a 20 de reclusão. A pena máxima é o dobro da atribuída ao próprio crime de estupro (artigo 213 do Código Penal, que prevê pena de 6 a 10 anos de reclusão).
A advogada criminalista Mirella Hanada anota que se busca, há muito, a descriminalização do aborto, ‘que emerge como uma necessidade imperativa em prol da saúde pública’.
“É imprescindível desvincular o debate dessas práticas (abortivas) do âmbito moral e religioso, direcionando-o para a realidade alarmante das estatísticas de mortes e internações hospitalares relacionadas ao aborto clandestino”, afirma.
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A também advogada criminalista Daniela Micheloni Woisky considera que a aprovação do PL demonstra o retrocesso dos projetos apresentados na Câmara e, ao mesmo tempo, quais são as pautas legislativas que trazem maior preocupação aos deputados. “Além disso, a justificativa apresentada no projeto de lei remontou ao caso em que uma juíza questionou a uma criança de 11 anos se aceitaria prosseguir com a gestação. Posteriormente, ao ser entrevistada, a juíza afirmou que ‘aquilo não mais se tratava de um aborto e sim de um homicídio’”, recorda.
“Em que pese justificar-se a alteração do Código Penal para incluir esse novo crime em razão do ‘direito à vida’, há que se ressalvar que os direitos fundamentais não são absolutos e prevalecem como titulares dos direitos fundamentais daqueles já nascidos, inclusive, em caso de vítima menor de idade”, pontua Daniela Micheloni Woisky.
No entender de Laura Scheid, que atua na mesma área de Mayra, Daniela e Mirella na advocacia penal, a imposição de um limite máximo do período gestacional para a realização do aborto em fetos viáveis ‘gera uma série de graves consequências’.
“Cabe ressaltar que a equiparação das sanções dos artigos 124, 125, 126 e 128 do Código Penal àquelas aplicadas nos crimes de homicídio é um tanto extrema por igualar duas situações muito diferentes de modo automático, elevando consideravelmente as penas corporais dos tipos de aborto”, diz Laura Scheid.
Para ela, nos casos de estupro, por exemplo, ‘a alteração legislativa coibiria os profissionais da saúde de executarem o procedimento em mulheres que já ultrapassaram o período de 22 semanas, a fim de evitar a persecução penal’.
“Da mesma maneira, as mulheres que já foram suficientemente penalizadas por um dos piores tipos de violação a suas dignidades sexuais ainda teriam de carregar o fardo de ir adiante com uma gravidez que resultou de um ato verdadeiramente aviltante, caso contrário também estariam sujeitas à imposição de gravíssima sanção privativa de liberdade. Isto sem mencionar os efeitos devastadores que recairiam sobre a criança resultante desta gravidez”, alerta.
Laura também observa que em muitos casos de estupro, a detecção de uma gravidez tende a ser tardia porque a vítima costuma se envergonhar da violência a que foi submetida e, consequentemente, demora mais tempo para procurar por qualquer tipo de ajuda.
“Outro relevantíssimo fator que enfraquece muito o PL diz respeito à forma como a urgência foi aprovada para ser submetida à votação em plenário”, aponta. “Sem o devido anúncio do tema que estaria sendo tratado pela urgência, muitos dos votantes sequer sabiam o que de fato estavam aprovando.”