Três esquemas montados no governo Jair Bolsonaro para beneficiar o ex-presidente - com a venda de joias sauditas nos EUA ou no caso do cartão de vacinação fraudado - e mantê-lo no poder via golpe de Estado já levaram ao indiciamento criminal de 35 militares.
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou que vai aguardar o acesso aos autos para se manifestar. Militares citados nos três inquéritos em que houve indiciamento negam os supostos ilícitos ou sinalizam que também aguardam a íntegra do relatório da PF sobre a tentativa de golpe de Estado.
Nos inquéritos que culminaram no tríplice enquadramento do ex-chefe do Executivo, a Polícia Federal imputa delitos também a generais e almirantes que integraram a cúpula do governo bolsonarista e, ainda, a militares que o assessoravam diretamente e a oficiais recrutados para a operacionalização dos ilícitos que lhe são atribuídos.
No inquérito da Operação Contragolpe, que investiga o audacioso plano ‘Punhal Verde e Amarelo’ - estratégia de bolsonaristas para uma tentativa de golpe gestada em 2022 que previa o assassinato do presidente Lula, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF - a Polícia Federal enquadrou um núcleo de 25 militares.
Neste episódio, os delegados que investigam Bolsonaro o indiciaram e a seus aliados de caserna pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. As penas somadas podem chegar a 28 anos de prisão.
No grupo dos 25 há dois ex-assessores diretos de Bolsonaro que também chegaram ao terceiro indiciamento: o coronel Marcelo Câmara e o tenente-coronel Mauro Cid, que fechou um acordo de delação premiada.
Câmara e Cid se juntaram a outros dez oficiais que já haviam sido indiciados pela PF em casos em que o beneficiário principal seria o ex-presidente: o esquema de fraudes em carteiras de vacinação, com a produção de documentos com base em informações falsas; e o capítulo das joias sauditas – revelado pelo Estadão – que envolvia a venda de bens de alto valor entregues a autoridades brasileiras em missões oficiais.
Sem contar o próprio Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, a PF já indiciou oito generais, três almirantes, sete coronéis, dois majores, seis tenentes-coronéis, um subtenente, um tenente e três sargentos, um deles da Polícia Militar.
O número de enquadramentos ainda pode, eventualmente, ficar mais robusto.
Como mostrou o Estadão, a PF espreita 35 militares somente na Operação Contragolpe. Dos 35, somente 11 constam da relação de indiciados entregue pela PF ao Supremo nesta quinta, 21.
Na lista de 68 indiciados nos inquéritos com Bolsonaro, há ainda outro ex-ministro do governo Bolsonaro – Anderson Torres (Justiça), dois deputados federais – Alexandre Ramagem e Gutemberg Reis de Oliveira, dois policiais federais, o advogado de Bolsonaro Frederick Wassef, o ex-chefe da Receita Julio Cesar Vieira Gomes, dois outros ex-assessores de Bolsonaro – Tércio Arnaud Tomaz e Filipe Garcia Martins - e ainda o presidente do PL Valdemar da Costa neto.
Veja a lista dos militares já indiciados pela PF
- Almir Garnier Santos
- José Roberto Bueno Junior
- Marcelo da Silva Vieira
- Alexandre Castilho Bitencourt Da Silva
- Anderson Lima De Moura
- Bernardo Romao Correa Netto
- Carlos Giovani Delevati Pasini
- Cleverson Ney Magalhães
- Fabrício Moreira De Bastos
- Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira
- Laercio Vergilio
- Mario Fernandes
- Mauro César Lourena Cid
- Nilton Diniz Rodrigues
- Angelo Martins Denicoli
- Ailton Gonçalves Moraes Barros
- Eduardo Crespo Alves;
- Giancarlo Gomes Rodrigues
- Marcos André dos Santos Soeiro
- Guilherme Marques De Almeida
- Hélio Ferreira Lima
- Mauro Cesar Barbosa Cid
- Rafael Martins De Oliveira
- Ronald Ferreira De Araujo Junior
- Sergio Ricardo Cavaliere De Medeiros
- Osmar Crivelatti
- Marcelo Costa Câmara
- Luis Marcos dos Reis
- Sergio Rocha Cordeiro
- Max Guilherme Machado de Moura
- Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira
- Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira
- Walter Souza Braga Netto
- Jair Bolsonaro
Veja o que disseram as defesas dos militares indiciados na operação Contragolpe:
O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Jair Bolsonaro, diz que só irá se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer “uma manifestação mais segura”. Quando o ex-presidente foi intimado a depor no inquérito, em fevereiro, ele se manteve em silêncio. Ao portal “Metrópoles”, nesta quinta, 21, após o indiciamento, Bolsonaro afirmou que “a luta começa na PGR” e que não pode “esperar nada de uma equipe que usa criatividade’.
A defesa do ex-ministro Anderson Torres somente irá se posicionar após ter acesso ao relatório de indiciamento.
Por meio de nota, a defesa de Walter Braga Netto informou que não foi comunicada oficialmente sobre o indiciamento e criticou o que chamou de “indevida difusão de informações relativas a inquéritos, concedidas ‘em primeira mão’ a determinados veículos de imprensa em detrimento do devido acesso às partes diretamente envolvidas e interessadas”. A defesa acrescentou que, por essa razão, aguardará “o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado”.
Veja o que disse a defesa de Ronald de Araújo Júnior: “À data de hoje, a Polícia Federal informou que, no âmbito da Operação Tempus Veritatis, indiciou 37 pessoas, dentre eles o Tenente-Coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Embora o relatório final da investigação, ao que se sabe, ainda não tenha sido enviado ao Supremo Tribunal Federal, e tampouco tenha sido oferecida denúncia pela Procuradoria-Geral da República, o indiciamento de Ronald Ferreira de Araújo Júnior não condiz, a toda evidência, com a realidade dos fatos. Militar por vocação, Ronald não participou, a qualquer título, dos supostos crimes investigados, tampouco concorreu, intelectual ou materialmente, para a prática de qualquer conduta voltada à subversão da ordem jurídica do país que sempre procurou dignificar por meio da farda. A defesa, de todo modo, não obstante a conclusão da autoridade policial, confia na análise que será realizada pelo Ministério Público Federal e aguarda o acesso ao relatório da PF para maiores esclarecimentos.”
O advogado Elder Alves da Silva, que representa Alexandre Castilho Bittencourt da Silva, afirmou que continua confiante na completa inocência de seu cliente e que Castilho está à disposição das autoridades “para colaboração com o devido processo legal e constitucional, na certeza de que os fatos serão esclarecidos e sua honra plenamente restabelecida”.
Os advogados de Alexandre Ramagem e Anderson Torres informaram que irão divulgar uma nota nas próximas horas. Procurados, Mauro Cid e Valdemar Costa Neto optaram por não se manifestar. A reportagem continua em busca de contato com os demais indiciados.
Demóstenes Torres, que defende o almirante Almir Garnier, reiterou a inocência do investigado e disse não ter acessado a íntegra dos autos até o momento.
Já a defesa de Filipe Martins divulgou a seguinte nota: “A Defesa de Filipe Martins considera risível e juridicamente insustentável o indiciamento de seu cliente, fabricado inteiramente com base em ilações e narrativas fantasiosas — jamais em fatos e evidências concretas. A julgar verdadeiras as informações sobre o teor do indiciamento divulgadas pela imprensa, este caso ilustra o estado alarmante e decadente do Estado de Direito no Brasil, onde o devido processo legal e as garantias fundamentais são continuamente atropelados por motivações meramente políticas. Filipe Martins foi preso com base em um documento apócrifo e não oficial, providenciado exclusivamente por um delator desesperado em busca de benefícios judiciais. Esse documento foi prontamente contraditado por provas oficiais brasileiras e americanas que demonstraram de forma incontestável que a alegada viagem jamais ocorreu. Ainda assim, sua prisão foi mantida por mais de seis meses, desconsiderando todas as evidências de sua inocência. A fabricação dessa viagem, por quem quer que seja, é agora objeto de investigação pelas autoridades americanas a pedido de advogados constituídos pelo Sr. Filipe Martins nos Estados Unidos. Apesar disso, a Polícia Federal insiste em sustentar essa narrativa para indiciá-lo, expondo sua desconexão total com a realidade e o evidente abuso de suas prerrogativas. O relatório da Polícia Federal atingiu um patamar surreal ao afirmar que Filipe Martins “simulou registros” para enganar a própria PF, induzindo-a a acreditar que ele teria ido aos Estados Unidos. É importante relembrar que sua prisão foi decretada com base na alegação de que ele havia deixado o país sem registros, burlando sistemas migratórios brasileiros e norte-americanos. Agora, a narrativa inverte-se completamente: Filipe não teria saído, mas sim “simulado” sua saída. Se isso for verdade, significa que a PF admite ter mantido Filipe preso por seis meses com base em uma mentira que ela própria fabricou — o oposto do que afirma agora. Agrava-se ainda o fato de que nenhuma diligência mínima foi realizada para verificar a autenticidade das alegações antes de ordenar sua prisão. Essa narrativa absurda seria cômica, não fosse trágica. A inocência de Filipe Martins será mais uma vez provada, contra toda e qualquer criatividade autoritária que busque distorcer os fatos e a realidade.”
Indiciados nos dois inquéritos anteriores sempre se declararam inocentes.