Escrito originalmente em 1968 por Jacob Pinheiro Goldberg e resgatado pelo jurista Flávio Tartuce, o qual atualizou a obra incluindo comentários precisos sobre o panorama jurídico contemporâneo de cada um dos temas tratados, a leitura do livro Ética, Tecnologia e Direito, mais do que apenas enriquecedora intelectualmente, é uma experiência única de atemporalidade.
Após ler algumas páginas, o leitor é tomado pela sensação de ter em mãos um livro de “futurologia”, tão forte o caráter peculiar de ver que, 55 anos atrás, Jacob Goldberg já antevia questões que são absolutamente atuais na terceira década do séc. XXI.
Mas é justamente daí que vem certo estranhamento.
Em regra, na leitura de outras obras do passado, nas quais se tentou predizer como seria a sociedade no futuro e quais questões se poriam diante dela, a sensação predominante é de uma quase comicidade ao se constatar quantas coisas imaginadas absolutamente não correspondem à realidade atual. É a sensação de se ver os desenhos dos Jetsons predizerem, para os tempos atuais, os prédios flutuantes e os carros que se transformam em valise.
Porém, contrariamente a esta regra, a cada página você vai se surpreendendo com a atualidade das questões postas.
A título de exemplo, menos de uma década depois de terem sido inventados os primeiros microchips, o Autor já aventava a possibilidade de implantes cerebrais e as possibilidades de intervenção na nossa liberdade de pensar.
Para se ter uma ideia da atualidade disso, e sua relevância no Direito, neste ano de 2023 o neurocientista Rafael Yuste, da Columbia University, esteve no Brasil fazendo palestras justamente sobre a necessidade de inclusão dos “neurodireitos” fundamentais na Declaração Universal dos Direitos do Homem, para assegurar o tratamento ético das neurotecnologias em desenvolvimento! Aliás, neste mesmo ano o Chile foi o primeiro país do mundo a incluir tais proteções em sua Constituição.
A manipulação das línguas e sua influência na liberdade humana, a “categorização” das pessoas para direcionamento de publicidade (o que é, primordialmente, uma das principais fontes de receita das redes sociais atualmente, que com seus algoritmos “classificam” os usuários), as “centrais de pensamento”, e até mesmo as questões das chamadas fakenews são temas que já estavam sendo antevistos neste livro tantos anos atrás, e que contam, agora, com o aprofundamento pelo acurado apontamento do panorama jurídico atual feito por Flávio Tartuce.
Só que, claro, somente antever tais questões não bastava a Jacob Goldberg. Ele ainda vai além, como sempre, e nos propõe questões ainda mais profundas e que certamente ainda serão discutidas no nosso futuro.
Ao tratar do totalitarismo (algo com o que, convenhamos, diferentes setores de ambos os espectros políticos flertam atualmente), o Autor nos provoca lembrando a importância do “direito de cometer erros”.
Seguramente, em tempos do avassalador “cancelamento”, não temos nos lembrado de resguardar esse direito.
Mas como Jacob conseguiu “prever” tudo isso, ao contrário de tantos outros cientistas, historiadores e especialistas, que fracassaram invariavelmente ao tentar antever os caminhos da sociedade e da evolução tecnológica?
Uma explicação, talvez, seja por ele olhar, primordialmente, para o que há de mais constante ao longo dos anos, décadas, séculos, e mesmo milênios: a natureza humana. É atentar à constância disso, e conhecê-la tão bem, que deve ter permitido ao Autor antever, ou simplesmente ver, como a sociedade estaria mais de 5 décadas depois.
Trata-se, portanto, de um livro de “futurologia”? Sim, mas também não. É um livro de Tecnologia? Sim, mas não só. É um livro de filosofia e ética? Não exatamente, mas também é. É um livro de psicologia? Não, mas certamente que sim.
Por isso, sem dúvida, é um livro que irá interessar aos aficionados por tecnologia, aos amantes da filosofia, a todos que lidam com o Direito mas, mais do que isso, a qualquer um que, essencialmente, se interesse pelo que há de comum a tudo isso: o ser humano.
Enfim, no fundo, é um livro sobre o Homem: o que ele é, o que ele não é, o que ele pode, e o que ele poderia ser.
*Carlos Eduardo Lora Franco, juiz de Direito da 3.ª Vara Criminal de São Paulo