Candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) transforma, nesta quarta-feira, 7, o bicentenário da Independência em ato político-partidário mesclado a festividades cívico-militares. Com participação prevista em eventos em Brasília e no Rio, Bolsonaro reforça a retórica inflamada e aponta ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em meio à campanha, como principais adversários.
Na capital federal, o clima era de tensão nesta terça-feira, 6. O presidente pediu a liberação da Esplanada do Ministérios para caminhões – os veículos estavam vetados. Caravanas com apoiadores chegaram à cidade e montaram acampamento. Em Brasília e no Rio, estão previstos eventos militares e em paralelo atos de apoiadores, nos quais o presidente deve subir em trios elétricos para discursar.
Bolsonaro voltou a criticar os ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, em sabatina da Jovem Pan. As falas surtiram efeito, nas ruas e na internet. Apoiadores do presidente pediram “intervenção militar” em Brasília, enquanto nas redes sociais cresceram menções e buscas por termos relacionados a integrantes da Corte, comunismo e antipetismo.
No ano passado, o mandatário chamou Moraes de “canalha”, em ato na Avenida Paulista – que não o recebe neste ano, mas será mais uma vez palco de atos. Recentemente, Bolsonaro convocou a base para ir às ruas “pela última vez”. Na terça-feira, queixou-se de Moraes, relator de uma série de investigações que incomodam aliados. Além disso, o ministro está à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e faz defesa firme do sistema eleitoral, posto em xeque pelo presidente.
À Jovem Pan, Bolsonaro disse que as decisões de Moraes são “irregulares, ilegais e inconstitucionais”, reclamou da relação com o ministro e demonstrou ressentimento. “Quantas vezes conversamos e alguns dias depois ele volta ao que era antes?”, questionou. “Ele levou o convite para mim, eu fui à posse (no TSE) e ele fez um discurso pesado.”
O presidente disse, ainda, que convidou os empresários que afirmaram preferir um golpe de Estado, em conversas no WhatsApp, a uma vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eles foram alvo de operação da Polícia Federal autorizada por Moraes. “Eu convidei os oito empresários para estarem comigo amanhã (hoje), aqui, no 7 de Setembro. Se não for possível, que vão para o Rio de Janeiro”, disse o presidente.
Na capital fluminense, Bolsonaro subirá no trio elétrico do pastor Silas Malafaia. A mistura da eleição com eventos militares preocupa. Questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre medidas adotadas para evitar manifestações político-partidárias no 7 de Setembro, o Exército negou propósito eleitoral nas comemorações. De acordo com o general Sérgio Borges de Medeiros da Silva, chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Leste, que engloba o Rio, serão “demonstrações cívico-militares de amor pelo Brasil”.
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Fachin, por sua vez, foi criticado por suspender trechos de decretos de Bolsonaro que afrouxam o acesso a armas e munições. “Zero. Não concordo em nada com o senhor Fachin”, declarou o chefe do Executivo, à Jovem Pan. “Acabando as eleições, a gente resolve a questão dos decretos em uma semana. Todo mundo tem que jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Acabando as eleições, eu sendo reeleito, a gente resolve esse e outros problemas.”
O Estadão acompanhou trocas de mensagens em grupos públicos no Telegram e WhatsApp nos últimos dias. Políticos ligados ao governo têm propagado ataques ao STF em paralelo à convocação para os atos de 7 de Setembro, como forma de se opor ao “arbítrio” de membros da Corte. Nas redes bolsonaristas, a decisão sobre os decretos foi explorada para convocar apoiadores nas horas que antecederam os atos de hoje.
Dados do Monitor de Redes Sociais, do Estadão, mostram que o comunismo e o discurso antipetista foram marcas da mobilização digital deste ano, assim como a participação mais ativa do presidente e seus aliados. No Twitter, o número de menções ao Dia da Independência e variações na última semana praticamente triplicou, passando de 137 mil para 386 mil posts. O ritmo aumentou com a proximidade do ato, incluindo recorde de menções diárias desde o início do levantamento no começo de agosto: foram 110 mil tuítes até as 19h30 desta terça-feira.
Essa alta veio acompanhada do incremento de outras buscas na plataforma, criada em parceria com a empresa Torabit. Em uma semana, o termo “comunismo” ficou 38% mais popular no Twitter, enquanto as menções ao TSE e ao STF e seus ministros cresceram na ordem de 57%. Todas as comparações foram feitas com o intervalo de 31 de agosto a 6 de setembro em relação aos sete dias anteriores. O número é puxado, nessa ordem, pelo trio Moraes, Luís Roberto Barroso e Fachin. Mas, nos dias 5 e 6 de setembro, após a suspensão do decreto de armas, o terceiro nome foi o mais citado.
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Esplanada dos Ministérios tem segurança reforçada para evitar confrontos
De acordo com relatório da pesquisadora Ana Júlia Bernardi, doutora em Ciência Política pela UFRGS e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), as principais pautas da manifestação bolsonarista são semelhantes às do ano passado. Além de ataques contra os ministros do STF e a “ditadura de toga”, destacam-se a narrativa de que Bolsonaro tem mais apoio popular do que o demonstrado nas pesquisas, o discurso antissistema e o antipetismo, que apelam à intervenção.
Segundo o relatório, as redes bolsonaristas concentraram 76% dos posts no Twitter, Facebook e YouTube sobre o evento entre os dias 14 de agosto e 4 de setembro. O estudo realizou uma análise estatística sobre uma amostra de 384 posts, de um total de 91,8 mil, com intervalo de confiança de 95%. A imprensa é responsável por cerca de 8% dos conteúdos, enquanto os opositores respondem por 16%. Dados indicam que a mobilização bolsonarista para a data cívica este ano está mais acentuada do que em 2021.
“Por ser ano eleitoral, existe tentativa das redes, principalmente daqueles que são candidatos, de não atacar diretamente o Supremo, a democracia e as instituições, ao mesmo tempo que outra parcela de apoiadores está indo para o 7 de Setembro como se fosse um tudo ou nada”, disse Ana Júlia. “Vai depender muito da condução do presidente, se isso vai descambar para um protesto mais ou menos radical.”
O filósofo e professor da USP Pablo Ortellado acredita que o discurso contra o Supremo está mais cauteloso este ano, o que pode estar relacionado com os inquéritos e o medo de repercussões legais. Ele destaca ainda a mobilização ativa dos principais atores do bolsonarismo em uma manifestação que sempre foi pró-Bolsonaro, mas agora evidencia os contornos eleitorais. “A máquina está a pleno vapor na convocação.”
Dados indicam que a mobilização bolsonarista para a data cívica este ano está mais acentuada do que em 2021. “No YouTube, em todas as métricas, esse ano é maior, o que faz muito sentido por estarmos em um contexto eleitoral. O próprio envolvimento do presidente é distinto do ano passado”, afirma Marcelo Alves, professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio.
Alves comparou o alcance dos conteúdos sobre o 7 de Setembro e constatou que houve um crescimento de 21,6% nas visualizações e de 27% nos comentários entre os meses de agosto de cada ano. Vídeos favoráveis ao ato, em especial trechos de programas da Jovem Pan News, são amplamente divulgados por políticos em outras redes e ainda circulam em aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram.
O Estadão fez um levantamento com palavras-chave no Facebook e no Instagram, por meio da plataforma CrowdTangle, da Meta. Entre 1º de agosto e 6 de setembro, foram encontrados 75,3 mil posts referentes à data, com 9,6 milhões de interações (métrica que soma curtidas, comentários e compartilhamentos). No mesmo período do ano passado, esse número era de 112,5 mil posts, com 30,6 milhões de interações. No Instagram, a quantidade é praticamente idêntica: 17,6 mil em 2021 e 17,8 mil em 2022.
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Capital federal está lotada de manifestantes que defendem a reeleição do presidente
Se no ano passado, os principais posts envolviam vídeos de lideranças de caminhoneiros, como Zé Trovão, e de evangélicos, como o pastor Cláudio Duarte, este ano aparecem mais conteúdos da Jovem Pan e dos cabos eleitorais de Bolsonaro nas redes, como Carla Zambelli e o empresário Luciano Hang. Há também críticas contra os ministros do STF na lista de maior engajamento — em especial Barroso e Moraes — em ambos os recortes.
Apesar da queda no número de posts no Facebook, esse fato pode estar relacionado com mensagens mais “cifradas”, o que dificulta o monitoramento e a moderação de conteúdo. No YouTube, por exemplo, análise produzida pela Novelo Data e Essa Tal Rede Social mostra que bolsonaristas mudaram a forma de convocar apoiadores para as manifestações.
Com isso, a quantidade de vídeos que mencionam o “7 de setembro” caiu entre agosto de 2021 e agosto de 2022, mas temas relacionados registraram um aumento significativo no período. Expressões como “independência”, “Dom Pedro”, “jejum e oração”, “Alexandre de Moraes” e “tirania” impulsionaram uma convocação indireta para o ato.
Um dos destaques é a estratégia encampada pelo segmento evangélico para convencer fiéis a apoiar o presidente no dia da Independência. São exemplos vídeos mostrados pelo Estadão em que o pastor Claudio Duarte e outras lideranças religiosas convocam os seguidores a participar do ato e a realizar um jejum de 30 dias pela reeleição do presidente. / COLABORARAM IANDER PORCELLA, RAYSSA MOTTA E WESLLEY GALZO