BRASÍLIA - O ex-presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento à Polícia Federal para, pela primeira vez, dar explicações oficiais sobre a tentativa de esconder do fisco caixas com joias e diamantes presenteadas pelo regime da Arábia Saudita. O interrogatório durou 3 horas.
Bolsonaro recebeu pelo menos três caixas que estão avaliadas em cerca de R$ 18 milhões. Uma foi apreendida pela Receita Federal em outubro de 2021 e outras duas estavam em seu poder e, por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU), tiveram que ser entregues pelo ex-presidente. A Polícia Militar do Distrito Federal chegou a isolar o estacionamento do prédio da PF no centro de Brasília na manha desta quarta-feira para evitar manifestações no local.
Havia a expectativa de que apoiadores de Bolsonaro se manifestassem em frente à sede da PF para prestar apoio, mas somente um homem vestido com a camiseta da seleção brasileira de futebol apareceu no local. O prédio o depoimento foi realizado é o mesmo atacado por bolsonaristas em dezembro do ano passado sob o pretexto de libertar um indígena da militância de extrema direita que havia sido preso por ordem do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
Desde que o caso foi noticiado pela primeira vez no início de março pelo Estadão, Bolsonaro tentou minimizar o caso, sem admitir que usou a estrutura do governo na sua gestão para se apropriar das joias. Quando ainda estava nos Estados Unidos, reclamou que estava sendo acusado por um presente que nem tinha chegado a ele. Na época, se referia apenas à caixa com colar de diamantes, anel e brincos avaliados em R$ 16,5 milhões e que foram apreendidos pela Receita Federal ainda em outubro de 2021 no aeroporto de Guarulhos.
“Me acusam por um presente que não recebi, nem a primeira-dama”, declarou, em 4 de março nos EUA. Bolsonaro também alegou que não tinha usado a estrutura da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a buscar as joias em Guarulhos. “Não mandei nenhum avião da FAB. Para de maldade. Nunca abusei de autoridade com ninguém” declarou.
Documento revelado pelo Estadão e incluído no inquérito pela Polícia Federal como indício de envolvimento direto do ex-presidente aponta na direção contrária da versão dada por Bolsonaro. Nos últimos dias do governo Bolsonaro, como mostrou o Estadão, um avião da Força Aérea Brasileira levou o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva até Guarulhos para resgatar, sem pagar qualquer imposto, o colar de diamantes.
O documento que comprova essa viagem está registrado no Portal da Transparência e fora localizado pelo Estadão. Para justificar a viagem de Jairo a Guarulhos no dia 29 de dezembro de 2022, a três dias do fim do governo Bolsonaro, a presidência da República informou que o servidor estava indo “para atender demandas do senhor presidente da República”. A justificativa oficial serviu para os cofres públicos bancarem a viagem do servidor.
Quando chegou em Guarulhos, o sargento Jairo tentou convencer o fiscal da Receita que estava de plantão a entregar as joias. Alegou que não podia deixar nada do “governo antigo” para o novo. Foi avisado, no entanto, que elas estavam num cofre e que o procedimento correto não era aquele. A PF marcou o depoimento de Bolsonaro no inquérito para esta quarta-feira, 5.
As três caixas
Bolsonaro recebeu três caixas de joias. A primeira, com colar de diamantes, seria para Michelle Bolsonaro. Acabou apreendida pela Receita Federal em outubro. As outras duas estavam com o próprio ex-presidente. Uma tinha entrado no País naquele mesmo mês sem ser vista pela Receita Federal. Estava escondida na bagagem de mão da comitiva do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque. Ela continha um jogo de relógio, anel e abotoaduras. Uma terceira caixa havia sido recebida pelo própria Bolsonaro quando visitou aquele País em 2019. O ex-presidente só admitiu estar com as joias depois que a existência delas foi noticiada pela Estadão.
As duas caixas que estavam em seu poder tinham sido guardadas numa fazenda do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet em Brasília. Foi para lá que Bolsonaro despachou caixas com presentes que julgou ser parte de seu patrimônio pessoal. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem entendimento diferente. Considera que as peças são um presente dado pelo regime da Arábia Saudita ao representante do governo brasileiro e fazem parte do acervo público da Presidência da República. Não pode ser vendidas, nem ficar para uso pessoal do ex-presidente. O TCU mandou Bolsonaro devolver todas as caixas que estavam em seu poder. A terceira caixa foi entregue na véspera do depoimento.
Ao final do depoimento, o ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, Fabio Wanjgarten, usou sua rede social para dizer que o ex-presidente respondeu a todas as perguntas feitas pela PF, mas não deu mais detalhes.