O general Carlos Alberto Santos Cruz avalia que o presidente Jair Bolsonaro deu “um tiro no pé” ao substituir os comandantes das Forças Armadas para tentar envolvê-las na política. E acredita que o repúdio às ações nesse sentido vai sair reforçado do episódio. O general acusa o presidente de ter desrespeitado os comandantes, as funções e as próprias instituições: “É uma coisa que o presidente não entendeu ou não tem capacidade para entender”. Ele afirma ainda que ninguém pretende seguir o exemplo da Venezuela no Brasil. Há três dias que o telefone do ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo não para. São mensagens e pedidos de entrevista para o ex-aliado de Bolsonaro. Rompido com o presidente que ajudou a eleger, Santos Cruz afirma ter dois objetivos: afastar as Forças Armadas da política e alertar para os riscos do radicalismo. O general afirma que hoje não repetiria mais o voto em Bolsonaro nem em um hipotético segundo turno entre o presidente e sua nêmesis, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Votaria em branco. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.
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Qual o significado da decisão do presidente Bolsonaro de mudar a cúpula da Defesa e, depois, das três Forças?
O ministro é um cargo político e tem um significado diferente das três Forças. Os comandantes delas não estão na camada política. São comandantes operacionais, pessoas que nasceram dentro das instituições e contam com 45 anos de serviço, período em que foram testados e avaliados. Eles fazem parte da instituição. Dispensar essas pessoas, da maneira como foi feito, mostra desrespeito total às pessoas, à função e à instituição. Isso é um desrespeito inaceitável. Outra coisa é que as Forças Armadas têm uma cultura que nada tem a ver com a conduta do presidente, apesar de ele ostentar o título de capitão. A cultura das Forças Armadas é outra, completamente diferente da dele. Ele tem um pensamento inaceitável de politização das Forças e de falta respeito que as Forças Armadas não têm. Elas não são assim. Temos uma cultura completamente diferente. Por fim, não é fácil quebrar a postura institucional, baseada na hierarquia, na disciplina e na liderança. São coisas que o presidente não entendeu ou não tem capacidade de entender. Acha que você pode destratar e fazer uma ofensa desse nível e que vai dar tudo certo. Não é possível uma coisa dessas. É preciso respeito e consideração pelas pessoas e pelas instituições. Isso é fundamental.
Não se pode ser um governante que não tenha respeito e consideração pelas pessoas, por qualquer cidadão. Ele mostrou que não tem consideração. Outra coisa é que as Forças Armadas não têm nenhuma tendência de apoiar governo ou manobras pessoais ou a política rotineira. Elas não têm essa característica e estão muito firmes na linha institucional e acho que agora vão ficar mais firmes ainda. Essa solidez vai ser reforçada. Bolsonaro cometeu um erro gravíssimo de avaliação e de comportamento político e de educação. O que Bolsonaro fez foi dar um tiro no pé.
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Companheiros do senhor dizem que se sentem envergonhados e ofendidos, como militares, por quem pensa que as Forças Armadas servem para aventuras. Em função disso, qual a avaliação que o senhor faz hoje dos atuais generais do Exército?
Conheço muitos. Os que estão aí trabalharam comigo durante 30 anos. Jamais se desviarão do dever profissional. São pessoas preparadas, não são irresponsáveis. É gente que se preparou a vida inteira, pessoas testadas e avaliadas o tempo todo na carreira. Não vão se expor a uma aventura dessas. A liderança da estrutura militar começa lá embaixo, no cabo, no sargento, no tenente e no capitão. É uma estrutura toda sólida. Não vejo nenhuma chance de qualquer desvio do que é legal, honesto e previsto.
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Na véspera do 31 de Março, um colega do senhor disse que as Forças Armadas também têm um aprendizado histórico. E citou o que se passou na Argentina e na Venezuela, como caminhos que não se pretende seguir. O senhor concorda?
Essa geração de militares quer distância disso. No caso da Argentina, os militares arrumaram uma guerra sem ter condições econômicas e estruturais. Meteram-se nela de uma maneira irresponsável e deu no que deu. A Venezuela é esse populismo de característica militar que a gente aqui pratica de vez em quando em eventos muito semelhantes. Trata-se de um exemplo que não pode ser seguido. Ninguém aceitará isso.
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Em 2018, o senhor apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro contra a candidatura do PT. Empresários que, como o senhor, votaram em Bolsonaro dizem que não o fariam mais, que votariam em branco em um eventual segundo turno entre ele e Lula. O que o senhor faria numa situação assim?
A primeira coisa é que eu acho que o PT já teve a sua chance de governar por quatro mandatos. Não é o caso de retornar 20 anos para trás. É preciso uma nova geração. Já Bolsonaro, infelizmente, em dois anos e pouco está mostrando que não atendeu às expectativas de quem votou nele por uma série de deficiências. Não desejo uma decisão final entre Lula e Bolsonaro. Em um primeiro turno, sem dúvida, será mais fácil escolher outro candidato. Pensar em um segundo turno entre Lula e Bolsonaro é criar um dilema que você não devia nem mesmo me perguntar, de tão ruim. Ninguém quer se imaginar nessa situação agora,Eu tenho absoluta certeza – e já escutei várias pessoas – que, se chegar nessa situação, vamos votar em branco. A gente ficaria entre a cruz e a espada. É uma situação que muitos pensam em trabalhar para que não aconteça.
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O que o senhor pretende fazer até lá?
Tenho duas motivações nesse momento: alertar todo o diae onde eu possa que o fanatismo vai levar à violência. Não pode haver fanatismo. E a minha segunda motivação é não deixar o Exército ser arrastado para apolítica partidária. O que aconteceu hoje (terça-feira, dia 30, a demissão dos comandantes das três Forças) não é a primeira tentativa. No ano passado, com aquela conversa fiada do Ives Gandra Martins sobre o poder moderador das Forças Armadas, estavam criando uma brecha para tentar arrastar as Forças para a política. Então, de tempos em tempos, essa investida volta, como agora, com essa nova tentativa. Os comandantes reagiram de maneira honesta e nobre para evitá-la. Temos de ficar vigilantes.
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Em 2022 teremos eleições. O senhor pretende se candidatar?
Não quero pensar em me filiar, pois, ao não me filiar a partidos, tenho mais liberdade; não fico preso à bandeira de partido nenhum. Se eu me filiar, vou fazer isso aos 44 do segundo tempo ou na prorrogação. Essa decisão não consegue ocupar minha cabeça agora.