BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro disse neste sábado, 4, não ter poder sobre o andamento das investigações envolvendo um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). Se tivesse esse poder, afirmou que “teria anulado, cancelado” qualquer processo ou apuração. A declaração foi feita durante transmissão ao vivo nas redes sociais. Bolsonaro voltou a dizer que as investigações são uma “armação” do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), potencial adversário nas eleições de 2022, e o acusou de tentar envolver outro de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), nas investigações sobre a morte da vereadora do PSOL Marielle Franco. “Um dia vai chegar ao final esse processo”, disse o presidente. “Muito obrigado, governador Witzel, pelo trabalho que está sendo feito. Justiça vai ser feita, mas não essa justiça tua.”
Navios iranianos
Bolsonaro também relembrou do impasse envolvendo os Estados Unidos e dois navios com bandeira do Irã que ficaram parados sem combustível no litoral do Paraná, em junho. O caso foi resolvido com uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. À época, a Petrobrás se recusou a abastecer as embarcações, por temer punições dos Estados Unidos, uma vez que os navios estavam sob sanção do país americano. O caso representou um desafio para o governo brasileiro, gerando um impasse sobre a relação com os Estados Unidos e o Irã. Os dois países estão no centro da escalada de tensão após a morte do general iraniano Qassim Suleimani em ação dos EUA no país. Quanto ao episódio dos navios, de um lado, pesava a busca de aproximação do Brasil com o país governado por Donald Trump. Do outro, a importância da relação comercial com o Irã. O país do Oriente Médio chegou a ameaçar cortar as importações do Brasil se a estatal não reabastecesse os dois cargueiros. À época, o governo americano aumentava a pressão diplomática sobre o Irã. Neste sábado, Bolsonaro lembrou que a decisão de Toffoli, que obrigou a Petrobrás a reabastecer os cargueiros, foi importante para resolver o impasse. “Havia interesse de outro país de não reabastecê-lo. Ministro presidente deferiu liminar e navios foram embora. Questão do embargo americano”, lembrou, destacando que era uma decisão difícil para o governo brasileiro e que a Justiça, ao fim, se “antecipou”. “Precisamos do Legislativo, do Judiciário”, disse. O fato de a estatal ter sido obrigada a abastecer os navios foi estratégico para o Brasil sair bem da situação. Como mostrou o Estado, ao decidir, Toffoli considerou que eventuais sanções contra a estatal poderiam ser contestadas pelo fato de o abastecimento partir de uma decisão judicial, e não por uma iniciativa da empresa.
Fundo Eleitoral
O presidente também repetiu que pode sancionar a destinação de R$ 2 bilhões no Orçamento de 2020 para o fundo eleitoral, destinado ao financiamento das campanhas no ano que vem e confrontou seus espectadores ao dizer que o Congresso derrubou no ano passado 80% dos seus vetos. “E se eu vetar, vocês acham que eles não vão derrubar o veto?”, questionou.
Bolsonaro tem argumentado que não pode vetar o valor do fundo porque o ato seria crime de responsabilidade, passível de impeachment. Segundo ele, o cálculo está previsto na lei que criou o fundo, em 2017, norma que não poderia ser descumprida. “(Se vetar) Estou atentando contra a lei. Querem que eu corra o risco?”
Autores do pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o jurista Miguel Reale Júnior e a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) afirmam que Bolsonaro não corre risco de cometer crime de responsabilidade caso vete o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões. “É uma desculpa esfarrapada (de Bolsonaro)”, disse Reale Jr. ao Estado.
O presidente reafirmou neste sábado seu argumento e acrescentou que não pode correr o risco de ficar “refém” do Congresso em um eventual julgamento por crime de responsabilidade. Segundo ele, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já decidiu que não levará adiante nenhum pedido de impeachment de Bolsonaro. A prerrogativa de abrir ou não o processo de afastamento é do presidente da Câmara.
“Mesmo assim, vamos supor que Maia enfarte. Não quero que ele enfarte não, mas vamos supor... vem um novo presidente e fala ‘você me atende nisso ou eu vou mandar para plenário seu pedido de impeachment'”, disse Bolsonaro. “Vejam o que aconteceu com Temer”, emendou o presidente, em referência às duas denúncias contra o ex-presidente Michel Temer que mobilizaram a articulação do governo para garantir o apoio necessário em plenário.
“Vamos vetar e eu ficar refém de um futuro presidente da Câmara, ou de pressão de lideranças da Câmara? É isso que vocês querem que eu faça? Assinar atestado de ignorante e peitar o Parlamento? E se eu vetar, vocês acham que eles não vão derrubar o veto?”, disparou Bolsonaro.
Apesar de ter dito que virou “vidraça”, Bolsonaro ressaltou que a população “pode e deve” tecer críticas, mas fez um pedido. “Vamos respirar antes de fazer uma crítica”, disse.
Juiz de garantias
Sob críticas também por não ter vetado a criação da figura do juiz de garantias, Bolsonaro afirmou neste sábado que a novidade não vai “causar problema” nem prejudicar investigações, como a Operação Lava Jato. Na transmissão ao vivo, ele defendeu a decisão e destacou que “às vezes” escolhas desagradam às pessoas.
“Apareceu milhares de especialistas de direito na internet. Desceram o cacete sem fundamento. Eu tive dificuldade em entender o juiz de garantias”, continuou o presidente, explicando que foi assessorado para entender a medida. “Veio o juiz de garantias, ouvi muita gente, e resolvi não atender alguns pedidos. Isso já existe no Brasil sem esse nome técnico, são as centrais de inquérito. Até na Lava Jato não foi só o (Sérgio) Moro que trabalhou”, disse. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, é contra a novidade e aconselhou o presidente a vetar o dispositivo.
Bolsonaro disse ainda que a figura do juiz de garantias, que teve o aval do presidente do Supremo Tribunal Federal, “não vai ser a quinta instância”. Ele citou, por outro lado, que, em sua opinião, vai levar tempo para a medida ser implementada. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) discute em grupo de trabalho propostas para estruturar a novidade.