BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro e governador de São Paulo, João Doria (PSDB) protagonizaram um embate tenso durante a reunião virtual entre os dois e os demais governadores da região Sudeste nesta quarta, 25.
Doria disse que o presidente deveria “dar exemplo ao País, e não dividir a nação em tempos de pandemia”. O presidente retrucou: “Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque”. Outros governadores, como Renato Casagrande (PSB), também cobraram liderança e responsabilidade do presidente neste momento.
O encontro foi o quarto da série de reuniões virtuais do presidente com governadores para discutir medidas sobre o coronavírus -- ele já havia se reunido com os dos Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste - e ocorreu após Bolsonaro subir o tom contra chefes de executivos estaduais em pronunciamento em rede nacional de TV e defender o fim do confinamento em massa, contrariando recomendação do próprio Ministério da Saúde.
Segundo pessoas que participaram da reunião, Bolsonaro se exaltou, chegando a chamar o governador de leviano e demagogo, como adiantou o site BR Político. Bolsonaro também reclamou que Doria teria se apoderado do nome dele nas eleições de 2018 e depois “virou as costas” como fez todo mundo.
A fala de Doria durou cerca de seis minutos (veja o vídeo abaixo). “Sem diálogo não venceremos a pior crise de saúde pública da história de nosso País. Bolsonaro, inicio na condição de cidadão, de brasileiro, lamentando seu pronunciamento de ontem à noite à nação. Nós estamos aqui, os quatro governadores do Sudeste, em respeito ao Brasil e aos Brasileiros, e em respeito também ao diálogo e ao entendimento. O senhor, como presidente da República, tinha que dar o exemplo. Tem que ser um mandatário para comandar, para dirigir e para liderar o País e não para dividir”, disse o governador.
O governador destacou ainda que, embora os quatro governadores da região Sudeste sejam de partidos diferentes, há uma atuação conjunta. “A nossa prioridade é salvar vidas, presidente. Estamos preocupados com as vidas de brasileiros em nossso estados. Preservando também empregos e o mínimo que a economia possa se manter ativa. Os estados estão conscientes disso e governadores também.”
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, também cobrou liderança e responsabilidade do presidente da República. “Algumas medidas têm nos angustiado e entendemos que é preciso ter uma coordenação nacional. Estamos sentindo que em todos os momentos que fechamos uma posição,a gente recebe esse ambiente de confronto. Não é possivel que todos os assuntos do Brasil tenhamos enfrentamento. Precisamos de consenso. Não deixamos a economia de lado, mas não podemos menosprezar e desconsiderar as informações dos cientistas de todo o mundo”, disse Casagrande.
Depois da reunião, Doria foi ao Twitter e disse foi alvo de um “ataque descontrolado”do presidente. que o presidente agiu de forma “lamentável e preocupante” ao “preferir falar sobre política e eleições.” “Decepcionante a postura do presidente Jair Bolsonaro na reunião que tivemos há pouco com Governadores do Sudeste para tratar sobre o combate ao coronavírus. Ao invés de discutir medidas para salvar vidas, preferiu falar sobre política e eleições. Lamentável e preocupante. Mais do que nunca precisamos de união, serenidade e equilíbrio para proteger vidas e preservar empregos.”
Ouça o áudio da discussão que inclui a resposta do presidente Jair Bolsonaro:
Bolsonaro e Doria voltaram a trocar farpas ao final da reunião:
Bolsonaro acusou governadores do Rio e SP de demagogia
Minutos antes da reunião começar, Bolsonaro já dava mostras que o encontro seria tenso. Ao deixar o Palácio da Alvorada, pela manhã, ele acusou os Doria e o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), de “fazer demogagia” no enfrentamento à pandemia de coronavírus. Doria e Witzel são adversários políticos do presidente.
“Alguns poucos governadores, não são todos, em especial Rio e São Paulo, estão fazendo uma demagogia barata em cima disso. Para esconder outros problemas? se colocam junto à mídia como salvadores da pátria, como o messias que vai salvar os seus Estados e o Brasil do caos. Fazem política o tempo todo. Não é esse o caminho que o Brasil deve seguir”, afirmou o presidente.
Pacote de ajuda é considerada insuficiente por governadores
Após a primeira reunião, na segunda-feira, o presidente anunciou um pacote de ajuda aos Estados e municípios. Segundo o Ministério da Economia, o plano envolve R$ 88,2 bilhões em recursos. Entre as medidas estão a suspensão de dívidas com a União por seis meses e recomposição de valores perdidos nos fundos públicos que repassam dinheiro aos cofres estaduais.
Ontem, chefes dos Executivos estaduais do Centro-Oeste, embora tenham considerado a reunião produtiva e com Bolsonaro aberto ao diálogo, disseram que a ajuda era insuficiente. Eles solicitaram que a prorrogação do pagamento das dívidas com a União seja de um ano, não de seis meses e consideraram o valor de R$ 16 bilhões para para recompor o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) aquém da expectativa.
Segundo os governadores do Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso Sul, ela não atende às necessidades diante da perda da arrecadação.
Filhos de Bolsonaro atacam Doria
Os filhos do presidente Jair Bolsonaro atacaram o governador João Doria (PSDB) após a reunião entre os dois e outros governadores da região Sudeste que teve embates diretos entre Bolsonaro e Doria.
“Nas vídeoconferências do presidente com todos os governadores o tom foi de cooperação, respeito e construção de soluções. A única exceção foi Doria, que precisa descer do palanque e pensar nas vidas das pessoas e na manutenção de empregos, como tem feito Bolsonaro”, escreveu Flávio.
“Será que algum jornal vai publicar: 'O Brasil vai vencer o coronavírus, apesar do Dória' Por que não?”, escreveu Eduardo.
Carlos fez ironias e comparou Doria ao presidente da França, Emmanuel Macron, que criticou Bolsonaro por causa das queimadas na Amazônia em 2019: “João Prudência e Sofisticação encara os problemas nacionais como se fosse um vídeo pornográfico vazado e, como todo ‘isentão’, se coloca de vítima diante do óbvio. Os governadores se alinham no enfentamento ao covid-19 e o Macron brasileiro sobe no palanque para rodar a baiana.”
Leia trechos das falas de Doria e Bolsonaro na videoconferência
João Doria, governador de São Paulo
Bom dia presidente, bom dia senhores ministros, secretários, meus colegas e amigos Renato Casagrande, Romeu Zema, Wilson Witzel. Quero iniciar dizendo que o diálogo é fundamental, importante e significativo. Sem diálogo e sem entendimento não venceremos essa gravíssima crise. A pior crise de saúde pública da história do nosso País. Presidente Bolsonaro, início na condição de cidadão, de brasileiro, lamentando seu pronunciamento de ontem à noite à nação. Nós estamos aqui, os quatro governadores do Sudeste, em respeito ao Brasil e aos brasileiros, e em respeito também ao diálogo e ao entendimento. Mas o senhor, como presidente da República, tem que dar o exemplo. Tem que ser um mandatário para comandar, para dirigir e para liderar o País e não para dividir. (...) A nossa prioridade é salvar vidas, presidente. Estamos preocupados com as vidas de brasileiros em nossso Estados. Preservando também empregos e o mínimo que a economia possa se manter ativa. Os Estados estão conscientes disso e seus governadores também. (...) Somos aqui republicanos, somos quatro governadores de quatro partidos distintos, mas nós trabalhamos conjuntamente. Aliás, os 27 governadores do Brasil fazem isso para defenderem os brasileiros dos seus estados. Colocamos de lado partidarismos, disputas eleitorais ou qualquer item que possa nos afastar de defender nossa missão num momento tão grave como esse. (...) Presidente, já temos aqui em São Paulo 800 casos de pessoas infectadas. 40 dos 46 mortos foram aqui em São Paulo. Ministro Mandetta, não faz nenhum sentido confiscar medicamentos e insumos. Se essa decisão for mantida, informo que tomaremos as medidas necessárias no plano judicial para que isso não ocorra.
Jair Bolsonaro rebate Doria na sequência:
Agradeço suas palavras, governador. Completamente diferentes e dissociada por ocasião das eleições de 2018, onde Vossa Excelência apoderou-se do meu nome para se eleger governador. Acabando as eleições, como fizestes com outros no passado, que te elegeram para a prefeitura, vira as costas e começa a atacar covardemente aquele que emprestou o seu nome para sua campanha, não de forma voluntária. Guarde essas suas observações por ocasião das eleições de 2022, onde Vossa Excelência poderá destilar todo o seu ódio e demagogia por ocasião das mesmas. Nós aqui temos responsabilidade.
Desde o fim das eleições de 2018 Vossa Excelência adotou uma postura completamente diferente daquela que teve comigo, até por ocasião do meu pronunciamento da ONU. Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente da República.
Não tens responsabilidade. Não tens altura para criticar o governo federal que fez completamente diferente do que outros fizeram no passado. Vossa Excelência não é exemplo para ninguém. Não aceito em hipótese alguma essas palavras levianas, como se Vossa Excelência fosse responsável por tudo o que acontece de bom no Brasil. E acusa levianamente esse presidente que trabalha 24 horas por dia para o bem do seu povo.
Queremos sim preservar os idosos, mas não aceitamos demagogia barata que se escusa em outros governadores como se fosse porta-voz deles. A não ser que eles concordem com essa situação de porta-voz, que para mim não serve. Senhor governador João Dória, faça a sua parte. O governo federal está pronto para colaborar como sempre esteve. O senhor que fechou a porta para nós,preferiu partir para a campanha antecipada de 2022 em vez de buscar o bem do seu povo paulista para minimizar os problemas que se avizinhava. Assim, não atacando, mas respondo aos seus ataques infundados.