BRASÍLIA - Um dia após nomear o novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Souza, o presidente Jair Bolsonaro negou nesta terça-feira, 5, interferência no órgão de investigação e se exaltou com jornalistas quando questionado se havia determinado a troca do superintendente do Rio de Janeiro.
“Cala a boca”, gritou o presidente nas três vezes que foi indagado sobre o assunto em frente ao Palácio da Alvorada. Ele deixou o local sem responder a perguntas.
Souza foi nomeado ontem e tomou posse em seguida, em uma reunião que durou 20 minutos. No mesmo dia, em uma das primeiras medidas no cargo, o novo chefe da PF mudou o comando da Superintendência da corporação no Rio de Janeiro – área de interesse de Bolsonaro e seus filhos.
O superintendente Carlos Henrique Oliveira foi convidado para assumir a direção-executiva da PF, o que o coloca como número dois do novo diretor.A promoção foi vista por delegados como uma forma “estratégica” de trocar o comando da PF fluminense. O nome de quem vai assumir o posto ainda não foi divulgado.
“O atual superintendente do Rio de Janeiro, que o (ex-ministro Sérgio) Moro disse que eu quero trocar por questões familiares... Não tem nenhum parente meu investigado pela PF, nem eu nem meus filhos, zero. Uma mentira que a imprensa replica o tempo todo, dizer que meus filhos querem trocar o superintendente”, disse Bolsonaro.
No último dia 24, ao anunciar sua demissão do governo, ex-ministro da Justiça acusou o presidente de tentar interferir na PF e de ter acesso a relatórios de inteligência do órgão. Moro citou que, além do comando da corporação, Bolsonaro também cobrava mudanças nas superintendências regionais, como a do Rio.
“Para onde ele (Carlos Henrique Oliveira) está indo? Para ser diretor-executivo da PF, ele vai ser da superintendência, são 27 superintendências, para ser diretor-executivo. Eu estou trocando ele? Eu estou tendo influência sobre a PF? Isso é uma patifaria", afirmou o presidente, que carregava na mão uma cópia da capa do jornal Folha de S.Paulo nas mãos com a notícia da mudança no Rio. "Manchete da Folha de S.Paulo de hoje: novo diretor da PF assume e acata pedido de Bolsonaro. Que imprensa canalha, Folha de S. Paulo. Canalha é elogio para a Folha de S.Paulo.”
Em seguida, questionado pela reportagem do Estadão/Broadcast se pediu a troca na superintendência do Rio, Bolsonaro reagiu mandando a profissional calar a boca. “Cala a boca, não perguntei nada”, gritou. Diante da insistência de outro repórteres, ele voltou a mandar os jornalistas calarem a boca.
“Não interferi em nada”, continuou. “Não tenho nada contra o superintendente do Rio e não interfiro na PF. Ele está sendo convidado para ser diretor-executivo, o zero dois.”
“É a mesma coisa que eu chegasse, suposição, para o Ministério da Defesa e dissesse eu quero que troque o Comandante do Comando Militar do Sul, que eu não gosto dele e coloque ele como comandante do Exército. É a mesma coisa” disse Bolsonaro.
Chamada de “jornal mentiroso” pelo presidente, a Folha de S.Paulo afirmou, em nota, que Bolsonaro “desrespeita a liberdade de expressão e insulta o jornalismo profissional”. “Seguiremos com isenção e independência. E, não, a Folha não vai se calar.”
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também criticou Bolsonaro. “Mais uma vez, o presidente mostra sua incapacidade de compreender a atividade jornalística e externa seu caráter autoritário. Os jornalistas trabalham para levar os fatos de interesse público ao conhecimento da população e têm o direito e o dever de inquirir as autoridades públicas”, disse a entidade.
Nomeação
O novo diretor da PF é considerado o braço direito do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Na semana passada, Ramagem chegou a ser nomeado por Bolsonaro, mas o ato foi barrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O ministro entendeu que a nomeação não atendeu ao princípio da impessoalidade.
Como mostrou o Estadão no sábado, a nomeação de Rolando é vista como uma alternativa do presidente para manter a influência de Ramagem, que é próximo à família Bolsonaro, na corporação.
Investigação
O agora ex-superintendente da PF no Rio poderá ser ouvido pela PF no inquérito que apura desvio de finalidade e tentativa de “interferência política” de Bolsonaro na corporação. Ontem, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo que autorizasse o depoimento do novo diretor executivo da Polícia Federal.
Em agosto do ano passado, Oliveira estava no centro da crise entre Bolsonaro e Moro pela troca de comando na PF. Além dele, deverão ser ouvidos no caso o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo e o superintendente no Amazonas, Alexandre Saraiva – nome que chegou a ser indicado por Bolsonaro para Oliveira no comando da corporação no Rio.