BRASÍLIA - Por pressão do Senado, o presidente Jair Bolsonaro admite afastar do cargo o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins. O plano de Bolsonaro é tirar Martins de sua assessoria mais direta, mas não abandoná-lo por completo. O Palácio do Planalto busca agora uma saída para não desagradar à militância bolsonarista conservadora e ideológica, que tem no auxiliar do presidente um de seus principais nomes no governo.
Martins está prestes a perder o cargo por ter repetido, na quarta-feira, 24, um gesto que os senadores interpretaram como ofensivo, ligado a supremacistas brancos, durante sessão de debates no Senado. Quando fez o sinal, ele acompanhava a audiência pública do chanceler Ernesto Araújo, que falava sobre as dificuldades enfrentadas pelo Brasil para a compra de vacinas contra a covid-19. A cúpula da Câmara, hoje nas mãos do Centrão, e do Senado também cobra de Bolsonaro a demissão de Araújo.
Enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), falava ao vivo na transmissão pela TV, Martins – que estava sentado atrás dele – gesticulava com o polegar fechado formando um círculo com o indicador, como um “ok”, e os demais dedos esticados. Balançou a mão algumas vezes, como se enfatizasse o gesto.
Senadores logo protestaram, associando o sinal a um xingamento obsceno e a uma mensagem de ódio pela qual o assessor formaria as letras WP (white power), uma saudação de supremacistas brancos. Martins negou qualquer associação com discurso de ódio. Disse que estava apenas arrumando o paletó, mas não convenceu os senadores.
“A oposição ao governo atingiu um estado de decadência tão profundo que tenta tumultuar até em cima de assessor ajeitando o próprio terno. São os mesmos que veem gesto nazista em oração, que forjam suásticas e que chamam de antissemita o governo mais pró-Israel da história”, escreveu o assessor no Twitter.
Pacheco determinou que as imagens fossem investigadas pela Polícia Legislativa. Ao Planalto, o presidente do Senado fez chegar o aviso de que quer dar uma satisfação aos colegas, que se sentiram ofendidos.
Muito próximo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho 03 do presidente, Martins já discutiu seu futuro com o presidente quatro vezes. Tanto ele pode ir para um cargo no exterior ou ser acomodado numa função de menor exposição, que influencia menos nas decisões e discursos de Bolsonaro.
Desde o início do governo, o triunvirato que dá as cartas na política externa brasileira é formado por Ernesto Araújo, Martins e Eduardo Bolsonaro. Os dois primeiros discutiram a situação quinta-feira, 25, com o presidente. Araújo também se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e se defendeu das críticas de que o Itamaraty é dominado por uma visão ideológica.
Bolsonaro ainda resiste a remover o chanceler do cargo, mas os militares querem que Araújo saia. O fiador tem sido Eduardo Bolsonaro. “Em dois anos, fomos de anão diplomático financiador de ditaduras para grande parceiro de importantes países. O ministro Ernesto Araújo tem todo o meu apoio”, afirmou o deputado no Twitter.
Abandonado
Araújo está sob intensa pressão e, de acordo com seus aliados, foi abandonado pela articulação política do Planalto, comandada por um desafeto, o ministro Luiz Eduardo Ramos. A queda de Martins, no entendimento de auxiliares de Bolsonaro, poderia servir como anteparo para dar uma sobrevida a Araújo como chanceler, pois a ala ideológica do governo perderia um cargo de relevo no Planalto.
O ministro das Relações Exteriores disse ao Estadão ter muita afinidade com a visão de mundo do presidente e executar uma política externa determinada por ele, e não em caráter pessoal. Outra opção cogitada seria encontrar para o ministro um cargo que não dependa de aval dos senadores, como organismos internacionais. Um posto prestigiado no exterior que poderia ser o destino de Araújo é a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris.
Os senadores querem que o chanceler renuncie ao Itamaraty. Neste caso, para escapar da sabatina no Senado, cuja aprovação é considerada improvável, ele não poderia assumir nenhuma embaixada, mas talvez um consulado ou essa vaga na OCDE. Para o lugar de Araújo já circularam diversos nomes, quase todos políticos.
Nessa lista estão o ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), Flávio Rocha, os senadores Nelsinho Trad (MS) e Antônio Anastasia (MG), ambos do PSD, e Fernando Collor (PROS-AL), assim como o ex-presidente Michel Temer (MDB). Do próprio governo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), é bem vista pela diplomacia, mas teria rejeitado sondagens. Se a opção for por um diplomata, voltaram a ser citados os embaixadores Luis Fernando Serra (Paris), Nestor Forster (Washington) e Maria Nazareth Farani Azevedo (cônsul em Nova York).